Editorial
1 – O Presidente da República, o senhor Armando Emílio Guebuza, voltou a deixar-nos convencidos de que possa andar perdido à frente do Estado que os moçambicanos – ainda que apenas cerca de um quarto do total da população activa e com capacidade eleitoral – lhe disseram, em eleições, para governar. Parece que anda esquecido que é sua obrigação, como chefe do Estado, tratar por igual e com respeito, e, pelo menos na sua presença, exigir que os outros o respeitem como o mais alto magistrado da nação, mesmo que entre ele e eles exista, em ambientes privados e de intimidade pessoal, condições para farra.
Na presença do Presidente da República, no pavilhão de desportos na Malhangalene, ao reunir-se com jovens da cidade de Maputo, no último sábado, no contexto da “presidência aberta”, logo, em funções de Estado e não partidárias, o senhor Armando Emílio Guebuza permitiu, sem qualquer reparo público, que houvesse quem para lá fosse dar vivas à Frelimo – o seu partido. Perguntamos: se para lá fosse alguém dizer “Abaixo a Frelimo”, não teríamos assistido a uma cena desagradável? Que respeito quer um Presidente da República que lhe tenham como “presidente de todos os moçambicanos”, se ele, na sua ambição cega de poder, se esquece de que, quando está em funções de Estado, deve tratar de forma cordial e por igual todos os moçambicanos, e não permitir que se confunda aquilo que seria legítimo numa actividade partidária com aquilo que é inadmissível numa actividade de Estado?
Não é a primeira vez que coisas destas acontecem. E não há quem chame a atenção do Senhor Presidente da República que estas coisas têm de acabar? A nossa parte está feita.
O que terão pensado os outros jovens moçambicanos que estiveram a ouvir o que supunham ser o seu Presidente, o “presidente de todos os moçambicanos”, quando viram o senhor Armando Emílio Guebuza a aceitar atitudes discriminatórias vindas dos seus correligionários, atitudes que ofendem até os que nem sequer querem ter partido?
O presidente Joaquim Chissano já tinha compreendido que não se deve, em democracias sérias, misturar actividades partidárias com cerimónias de Estado. Quando foi votar nas eleições que precederam o seu último mandato, foi num carro particular, obviamente com a segurança que é indispensável a um Presidente da República, mas sem o aparato de Estado habitual. Foi o cidadão que foi votar, não foi o chefe do Estado. Deu assim sinais de se estar a querer, em Moçambique, começar a caminhar, finalmente, pelo trilho certo.
Parece que com Guebuza estamos a andar para trás. É pena!
É frequente vermos não só o Presidente da República como os ministros irem a actividades partidárias em viaturas do Estado. Isso não será uso ilícito de bens e património do Estado para fins particulares? De quem não sabe onde começa o mau exemplo, o que se pode esperar?
Será que alguém pode considerar o comportamento do senhor Armando Emílio Guebuza, que confunde a chefia do Estado com chefia do seu partido, exemplo de bons costumes democráticos? Não foi ele que deu vivas à Frelimo, mas foi ele que levou consigo àquele encontro as pessoas que o fizeram. Será que anda a escolher más companhias? Então que se afaste delas. Não será? “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”, reza um velho ditado.
O senhor Armando Emílio Guebuza não é um cidadão inculto. Se está realmente comprometido com a construção de uma Democracia em Moçambique, seria bom que nos demonstrasse com gestos criteriosos.
Quem não se dá ao respeito, não pode esperar que o tratem com a dignidade que é devida a um chefe do Estado.
O Presidente da República é um órgão do poder de Estado, instituído na Constituição da República, e, por isso, é um símbolo nacional. Goste-se ou não de quem exerce o cargo, nessas funções todo e qualquer cidadão tem o dever de respeitar essa figura. Mas que respeito se pode ter por quem exerce o cargo da mais alta magistratura de um país, quando esse alto dignitário permite que, na sua comitiva em funções de Estado, publicamente andem pessoas a dar vivas a um partido, promovendo com isso a discriminação dos demais moçambicanos que simplesmente queriam falar ou ouvir o Presidente do seu país?
As “presidências abertas” são do Estado ou são do partido Frelimo? Quem paga a conta? Se é o Estado, por que razão até os agnósticos da política têm de ouvir vivas a “A”, “B” ou “C”? Para os outros é a morte? Que Estado é este?
2 – Foi assassinado, esta segunda-feira, mais um alto quadro do Estado, desta vez das Alfândegas. Orlando José. Provou-se mais uma vez para onde o abandalhamento da governação nos está a levar.
Só é possível a insegurança estar a chegar ao ponto a que chegou, porque quem governa não o faz convenientemente.
É caso para se perguntar que respeito lhe poderão ter realmente – não apenas a fingir – os seus subordinados, quando há dúvidas sobre a isenção desse governante, relativamente a assuntos privados perante os quais esse mesmo dignitário de uma Nação é suposto aparecer como defensor dos interesses públicos e da legalidade, na qualidade de representante do Estado?
A promiscuidade entre o que é público e o que é privado está a levar o país para a catástrofe.
As autoridades andam a tratar de questões privadas, usando meios do Estado. Isso está claro para toda a gente. E há ajuda internacional a ser desviada do essencial, para fins esquisitos. Até que ponto é que já chegou a promiscuidade?
O crime está a crescer, e não vemos as autoridades a porem ordem no país, porque não têm tempo para isso.
Todos os dias ouvimos histórias que ilustram bem a promiscuidade entre funções de Estado e negócios privados.
Quem pode acreditar que haja quem honestamente tem vontade de combater o crime organizado, quando se ouvem todos os dias histórias que ilustram como se tem vindo a tecer a teia que está a destruir o Estado?
A morte de Orlando José não pode deixar a sociedade civil indiferente.
A sociedade civil tem de mostrar-se ao lado da família de quem deu a vida no combate à corrupção e à perversão.
O comportamento do Estado perante esta morte bárbara de um dos seus mais dignos servidores vai dar certamente para, pelo menos, se aferir até que ponto há de facto vontade política para se combater o crime organizado.
Será que o Governo não começa a ter de explicar ao país o que é isto?
E como poderá ser interpretado o silêncio absoluto do partido Frelimo, o partido que está no poder, sobre a onda de criminalidade que tem arrasado a ordem e tranquilidade públicas?
Cabe ao senhor ministro das Finanças vir dizer aos contribuintes e demais gente honesta de quem eram as viaturas de luxo que entraram no país sem pagar direitos. O que Orlando José foi impedido de dizer ao país, diga-nos o Governo. É chegado o momento de o Governo explicar ao país o que se está a passar.
Como é possível, coisas destas acontecerem sem que um único governante apareça a sossegar o país? Como é possível que estejam a morrer altos dirigentes das Forças de Defesa e Segurança sem que um único membro do Governo apareça a fazer um diagnóstico sério do que está por trás disto tudo?
Como é possível impunemente, da maneira como temos insistentemente visto, agentes do Estado serem mortos como coelhos dentro do território nacional?
A ganância pelo dinheiro é assim tanta, que o país se pode tornar um quintal ocupado pelo poder do crime organizado sem que o Governo consiga fazer algo para acabar com esta bandalheira?
(Canalmoz / Canal de Moçambique) – 29.04.2010