“Queremos dar um salto da liga local para a Champions League”
Por Francisco Carmona
Resultados acima do esperado acabam de levar os accionistas da Moçambique Capitais a olhar o futuro com muito maior confiança e arrojo do que aquele que caracterizou os momentos iniciais. Em entrevista ao SAVANA, Prakash Ratilal, o líder do grupo, afirmou que no Moza Banco, por exemplo, está-se a estudar a forma de acelerar os planos de expansão das agências, face aos importantes ganhos no primeiro ano de actividade. A Moçambique Capitais detém 51% no Moza Banco, contra 49% da Geocapital, uma sociedade de investimentos luso-macaense. Ratilal, um antigo governador do Banco de Moçambique (BM), falou dos resultados da recente Assembleia Geral (AG) da Moçambique Capitais e comentou o último relatório do FMI sobre a banca, assim como a recente crise entre o Governo e os doadores que chegou a atingir níveis de crispação. Pelo caminho, recordou com paixão o seu velho sonho de criação de um Banco de Desenvolvimento em Moçambique. Os sete milhões eram incontornáveis.
Com pouco tempo de formação e mesmo antes de atingir a velocidade de cruzeiro as vossas instituições já se mostram sólidas. Qual é o segredo?
Os moçambicanos têm o direito de na sua terra poderem usufruir dos benefícios que ela gera. Somos um projecto pequeno e em crescendo. Temos medido os nossos passos com muita prudência. Qualquer passo maior que a nossa perna ou uma velocidade maior do que aquela que podemos suportar, pode-nos desequilibrar. Temos sempre presente a noção de prudência e da sustentabilidade. Temos gente madura que já deu provas de qualidade, competência e profissionalismo. Este é um desafio que assumimos num momento em que toda a banca comercial no País era estrangeira.
Na Moçambique Capitais arrancaram com 13 accionistas e 67mil dólares…
Sim. Foi em Dezembro de 2001. Hoje somos 289, com 13.5 milhões de dólares de capitais próprios. Isto é essencialmente de moçambicanos. Naturalmente que fomos buscar aqueles naturais de Moçambique, que, por razões várias, cresceram e desenvolveram as suas actividades no mundo, particularmente em Angola e Portugal. Atraímos para o nosso projecto. Motivámo-los. Este crescimento começou tímido, mas num certo momento aceitamos o desafio de criar uma sociedade financeira e depois ousamos criar um banco de raiz.
Neste caso, o Moza Banco ...
Sim. Isto aconteceu à medida que fomos mostrando um produto concreto e uma gestão muito rigorosa e profissional, em que a austeridade constitui um elemento essencial. Tolerância zero sobre indisciplina e falhas no cumprimento de normas. Não queremos pôr em causa a nossa relação com o cliente. O cliente confiou em nós. Temos o dever de assegurar pleno sigilo profissional e prestar serviços bancários de excelência.
A gestão prudente acabou determinando um lucro de USD 2.2 milhões no Moza Banco e perto de USD 1 milhão na Moçambique Capitais…
A seriedade do projecto, uma gestão profissionalizada e dedicada, o compromisso de que o essencial do projecto deve ser revertido para o projecto, foi determinante. Nós temos o compromisso de que metade dos lucros é para capitalizar na sociedade. Todo o lucro obtido foi retido na sociedade para a fazer crescer ainda mais. Os accionistas estão apostados no crescimento do Banco. Temos naturalmente o apetite de usufruir dos resultados, mas todos temos a noção de que o investimento exige tempo de maturação e o reforço de capitais.
Todo o investimento efectuado, por exemplo, no projecto Moza Banco já foi recuperado.
Totalmente recuperado não. Mas já estamos no positivo e isso é que é importante.
Mas o tempo de maturação do investimento era de
Eram os cálculos iniciais. Neste momento já estamos a acumular lucros. Estamos para além dos capitais investidos no Moza Banco e na Moçambique Capitais. No Moza Banco tivemos lucros brutos de 2.2 milhões de dólares. O lucro líquido será menor porque logo no primeiro ano vamos pagar impostos . Pelo investimento de raiz que efectuamos não beneficiamos de isenção ou benefício fiscal. Outros bancos tiveram um benefício fiscal de cinco a dez anos.
E porque isso não aconteceu convosco?
Compreendemos que o nosso Estado precisa de arrecadar receitas e assim reduzir a vulnerabilidade perante a ajuda internacional. Este debate da necessidade dos megaprojectos contribuírem para o erário público é correcto. As unidades produtivas e os serviços têm que contribuir para o desenvolvimento do país. Parte dos lucros que geramos vamos ter que pagar impostos e ainda é uma quantia considerável. Mas tudo que restar vai para reforçar os capitais , vai permitir constituir a reserva legal e uma reserva de manutenção do valor das acções. Todas as nossas contas estão auditadas. No Banco as contas foram auditadas pela KPMG. Na opinião do auditor não há nenhuma reserva. O Banco de Moçambique também realizou a sua supervisão. As contas estão certas. Estamos a funcionar correctamente.
Recursos humanos não abundam
Sei que no Moza Banco e na Moçambique Capitais haverá um aumento de capital. Os accionistas já aprovaram essa operação?
O Moza Banco logo no primeiro ano completo de actividade, demonstrou solidez e crescimento. Isso entusiasmou os accionistas a olhar o futuro com maior arrojo. Este ano abrimos o Private banking para assegurar um tratamento preferencial a particulares. Vamos abrir a primeira agência de Maputo no prédio do Millenium Park (em frente do Tribunal Supremo).
O balcão de Maputo estava previsto para 2009…
Sim. Houve atrasos na conclusão das obras do prédio que não são da nossa competência. Mas deram-nos garantias de que até Junho o espaço estará pronto. Vamos admitir que Julho estaremos a abrir a agência na baixa de Maputo. Já temos a equipa formada e os recursos disponíveis. Vamos arrancar para Nampula e Nacala este ano. Para o ano, se as coisas correrem como previsto vamos abrir em Tete e Beira.
Mas Beira e Tete estava programado para este ano..
Sim. Mas tudo isso não é simples de concretizar. Uma coisa é planificar outra são as coisas no terreno. Há uma grande condicionante com os recursos humanos. Não basta ter dinheiro. É preciso estar seguro de que a equipa que vai para lá está preparada, não podemos ter falhas nos sistemas. É assim que temos que olhar, com segurança. O mercado tem grande carência em recursos humanos com experiência bancária qualificada. Também a identificação de lugares em Nacala, Nampula, etc, não é só chegar e arrendar espaços. Há constrangimentos no terreno. Os resultados alcançados até ao presente levaram-nos a pensar de outra maneira. E dissemos para nós próprios: se conseguimos consolidar o banco e assegurar crescimento no primeiro ano, porque não sermos mais ousados? Por isso mandamos fazer um estudo aprofundado. Estamos a analisar maiores desafios na expansão. Naturalmente que qualquer decisão que tomarmos de abrir mais agências será em lugares estratégicos do país. Sinto que iremos ter constrangimentos de recursos humanos.
Mas para além dos recursos humanos que não abundam, parece-me que há problema financeiro..
Sim. Esse é um elemento a ter em conta. Para abrir uma agência bancária dependendo do lugar custa acima de 500 mil dólares. Não é só dizer abram agências.... daí que apostamos no aumento de capital no Moza Banco e também na Moçambique Capitais.
Também muitas vezes o investimento que se faz na abertura de uma agência não vai ao encontro com a poupança na zona…
Por isso é que é preciso fazer um estudo caso a caso. Não é automático. As condições têm que ser criadas. Como sabem eu defendo a criação de um banco de desenvolvimento, precisamente para suprir estas falhas que existem no mercado. Na minha opinião, o Estado deve constituir instrumentos para apoiar o sector privado, para contribuir na correcção das falhas de mercado e assimetrias. Isto requer recursos que o Estado ainda não possui. Para nós está claro que no Moza Banco vamos aumentar o capital de 15 para 20 milhões de dólares em Junho. Dependendo do plano que vamos aprovar em Junho, iremos determinar qual será o montante de capital a aprovar até Dezembro. Um dos accionistas do banco é a Moçambique Capitais. Nós temos que prevenir que o accionista Moçambique Capitais tenha os seus recursos financeiros próprios para manter a sua posição maioritária. Daí que na Assembleia Geral (realizada a 14 de Abril deste ano) discutimos o futuro do banco, não no detalhe, mas na responsabilidade do accionista. Porquê? Porque não queremos chegar a uma situação em que o outro accionista esteja preparado para os aumentos de capital e nós não. E esse foi o desafio que foi lançado na AG. Tivemos uma boa resposta, no sentido de que a Moçambique Capitais também deve crescer ainda mais. Foi acordado ainda que em todos lugares onde tivermos lucros, metade será automaticamente para capitalizar, para aumentar os capitais próprios. Vamos criar condições na Moçambique Capitais para que no momento que tivermos que aumentar os capitais tenhamos os 51% necessários. Esta é a dinâmica deste projecto.
Existe também a Moza Capital, criada para contribuir para a valorização dos recursos naturais do país. Qual é o estado deste projecto?
Temos a Moza Capital. (Funciona na antiga residência de António de Oliveira, vulgo Xitonhane, proprietário da Transportes Oliveira & Turismo, localizada no bairro da Sommershield). Esta é a casa onde funciona a sede da Moza Capital e também da Moçambique Capitais. Este edifício é propriedade da Moza Capital. Estão aqui investidos 2.2 milhões de dólares, uma parte dos quais resultante dos lucros da intermediação comercial e financeira que participamos com o Eximbank da China, a empresa chinesa CAMC e a SOGIR (firma participada pelo Gabinete do Vale do Zambeze GPZ). O financiamento destinou-se à compra de equipamento e maquinaria agrícola e três fábricas agro-industriais para o Vale do Zambeze. Este material já começou a chegar. Esperamos desenvolver mais negócios principalmente no sector energético, imobiliário, minas, agro-negócio, entre outros. Vamos contribuir para estruturar negócios e vamos agir como facilitadores da intermediação financeira e comercial.
Já há alguns investimentos em vista?
Estamos a reforçar a organização interna destas três instituições (Moçambique Capitais, Moza Capital e Moza Banco). Até agora fomos funcionando com o que era possível e de forma prudente. Fizemos uma gestão muito austera. Na Moçambique Capitais, excepto três técnicos, que tratam dos projectos, da contabilidade e da administração, ninguém recebe salário fixo. Vai chegar esse momento. No fim do ano, dentro do lucro que temos, distribuímos bónus de gestão aos vários colaboradores. Noutras instituições subordinadas auferem rendimento. Esta é a casa mãe e não podemos comer o capital de imediato. Temos que investir, obter rendimentos palpáveis e só depois distribuir.
O capital está aberto, mas não a malandros
Sei que na Moçambique Capitais decidiram manter o capital aberto. Qual é a ideia?
Queremos que mais moçambicanos adiram ao nosso projecto. É evidente que quem entrar agora vai ter que pagar um preço de entrada que subiu para 50%. Isto quer dizer que quem entrar agora vai ter que pagar o risco e o sacrifício que os outros já correram. O capital continua aberto, mas não está aberto a qualquer malandro. Quem quer ser accionista da Moçambique Capitais declara que os fundos que está a trazer não são provenientes da actividade ilícita ou criminal, nem fazem parte de branqueamento de capitais. Esta é a declaração que ele presta no acto de adesão como accionista. É evidente que se ao longo do tempo, o poder judicial vier a determinar que determinado accionista está metido em actividades ilícitas, nós temos o direito de o convidar a abandonar a sociedade. Na AG, como um dos critérios de boa governação, introduzimos este princípio nos estatutos. Não queremos infectar a nossa sociedade com laranjas podres. Erguer estas empresas custou muito sacrifício de muitos moçambicanos. Cada um foi emprestando o seu prestígio ao projecto. Cada um trouxe o segredo do seu próprio negócio. Temos gente de alta credibilidade na Moçambique Capitais. Não queremos burlões nem os que vivem de expediente, de corrupção e de cambalacho. Somos uma sociedade séria e queremos que os nossos investimentos sejam relevantes e apreciados socialmente. Principalmente no sector de minas, agro-negócio, imobiliária, energia e serviços.
Na área da imobiliária há algum projecto na carteira?
Ainda não entramos nesta área. O nosso futuro está ligado com aquilo que são as dinâmicas do país. Eu acredito que esta região (austral) está numa situação muito parecida com aquela que acorreu nos anos 70 e 80 no Extremo Oriente, com o grande surgimento na arena mundial de Taiwan, da Malásia, Coreia do Sul, Indonésia. A África Austral está numa situação muito similar. Naturalmente que há algumas nuvens sombrias no ar, particularmente, na África do Sul e no Zimbabwe. Mas creio que haverá um esforço colectivo para evitar que estas perturbações ou constrangimentos não ponham em causa este crescimento regional. E é neste quadro que a Moçambique Capitais aposta o seu futuro. Se tivermos capacidade, e se tivermos apoio do Governo e de parceiros de desenvolvimento, pretendemos constituir um fundo imobiliário e um fundo para agro-negócios. Participamos recentemente num concurso governamental para a constituição de um fundo para agro-negócios e estamos à espera de resultados. Queremos gerir estes fundos com responsabilidade e de forma a gerar efeitos de longo alcance no sector produtivo. Mais tarde, ainda de acordo com as nossas capacidades, queremos olhar para o sector de turismo e um fundo mineiro. São estas as linhas de força do país. Assumindo o melhor cenário, admitimos que nos próximos 20 anos, Moçambique será uma potência agro-industrial, energética e de Turismo. Portanto, estes são os desafios que estamos a assumir. Genericamente estamos satisfeitos. Se se recordam, nos anos 90 com os desequilíbrios que houve em dois bancos do Estado (BCM e Banco Austral) dizia-se que o moçambicano não era capaz de gerir bancos, era perdulário. Ora essa treta acabou. Nós contribuímos para provar que é possível haver uma gestão qualificada, responsável e profissional feita por moçambicanos. Se visitarem o Moza Banco terão ocasião de verificar que 100% dos trabalhadores são moçambicanos. Não temos nada contra estrangeiros. Tendo em conta que antevemos desafios ainda mais complexos no futuro certamente que iremos recrutar alguns técnicos estrangeiros. Neste momento fazemos o que os outros bancos fazem, excepto que nós não temos uma casa mãe. Todos os outros bancos têm casa mãe noutras capitais. Estamos a desenvolver parceiras no resto de mundo, para podermos estar nos grandes mercados. Queremos estar ligados com entidades no Brasil, EUA, Londres. Em Hong Kong já temos uma ligação. Portugal e Angola são mercados que de alguma forma já têm um relacionamento connosco. Com a China temos uma ligação com Bank of China. Na RAS temos bancos correspondentes. Queremos dar um salto da liga local para a champions league. Naturalmente que não será fácil.
Projecto de biocombustíveis
Sabemos que a Zamcorp SA, outra das empresas do grupo, está a olhar em detalhe um projecto de biocombustíveis com base da cultura jatropha. Em que estágio está esse projecto?
Toda a questão ligada com a identificação das terras, testar os solos e depois requerer os DUAT, é um processo complexo e longo. Requeremos muitos hectares. Há técnicos que estão no terreno, com o apoio de quatro viaturas 4x4. Estão a estudar e identificar as terras. Elas já foram requeridas e o projecto está no Centro de Promoção de Investimentos. Logo que for aprovado vamos adequar os capitais próprios, concluir a mobilização dos recursos financeiros que serão avultados e, arrancar. Naturalmente vamos ter que iniciar de pequeno para grande. O caminho é produção local de biodiesel. O mercado nacional e o mercado mundial requerem cada vez mais este produto.
Qual é o mercado que pretendem atacar mais. O interno ou externo?
O interno naturalmente vai ter uma parte. Há escalas que estão a ser trabalhadas no mercado interno, mas vai ser uma quota relativamente menor. Parte importante será para exportar. O combustível de origem vegetal é uma componente obrigatória nos programas dos combustíveis no mundo. Os estudos estão feitos e provam que este projecto é viável. Naturalmente, um projecto agro-industrial não arranca como se fosse uma indústria ou um edifício. Leva mais tempo. Já foi feito um estudo sobre as variedades das plantas. Quando possuirmos toda a documentação e as autorizações necessárias já será possível bancar a transacção nos mercados financeiros internacionais.
Relatório do FMI
Um relatório do FMI sobre a banca moçambicana diz que ela está demasiado concentrada. Três maiores bancos detêm 85% dos activos do sector. Em relação à “bancarização” da população, é estimado que menos de 6% da população adulta tem crédito numa instituição financeira e pouco mais de 10% tem uma conta bancária. Qual é o pensamento do Moza Banco sobre isto?
Temos uma colaboração estreita com os outros bancos do mercado. Não estamos em guerra com ninguém. Vamos manter um relacionamento operacional com todos os bancos. Mas para responder esta questão é preciso voltar à história. Moçambique colonial era dominado pelo Banco Nacional Ultramarino (BNU). Este banco tinha mais de 90% do total das transacções bancárias em Moçambique. Tudo resto estava até 10% do volume das transações. Isto vigorou até a independência. Quando o BNU se transforma em BM, este herda esta realidade. Nos anos
O mesmo relatório diz que a lucratividade dos bancos moçambicanos está entre as mais altas no mundo…
Eu antes já fazia esses comentários. São comentários da evidência do mercado. Estão certos em parte... há custos administrativos elevados. Mas vejamos noutro ângulo, o Moza Banco programou o seu funcionamento de 2009 na base de 24 meticais o dólar, que vigorava em Janeiro do ano passado. Ora o ano 2009 fechou com o dólar cotado a 27 meticais. Subitamente, nos primeiros três meses do ano corrente, o dólar apreciou-se passando a valer 35 meticais. Se alguém investiu dólares a 24 meticais em inícios de 2009 e se agora são necessários 35 meticais para se adquirir o mesmo dólar, isso significa que, se entretanto não houve lucros importantes, o investidor pode ter perdido e bastante. Assim a observação do FMI pode não ser verdadeira, porque se perdeu em dólares, embora em meticais se tenha ganho. Por outro lado, nós ainda somos banco de um ponto único. Temos custos fixos. E temos que cobrir esses custos. Os meus accionistas também estão à procura de uma boa taxa de retorno. Qualquer gestor deve procurar gerar lucros senão a respectiva sociedade poderá encerrar a sua actividade. Por exemplo, a International Finance Corporation (IFC) que é parte do grupo do FMI e Banco Mundial investiu no projecto de gás em Moçambique, porque a taxa de retorno previsível era de pelo menos 15% em dólares. E o IFC não paga impostos. Isso significa que se não houver uma perspectiva de rendimento confortável para os accionistas, o capital vai escassear ainda mais. Temos que olhar outros ângulos para reduzir os custos financeiros na economia. Na África do Sul e no Brasil há bancos de desenvolvimento, fundos de garantia, fundos especializados de desenvolvimento que atenuam custos financeiros e mitigam o risco. Agora que aumentaram as taxas de referência do Banco Central, as taxas dos bancos comerciais vão aumentar proporcionalmente. Como minorar a taxa de juros se os mesmos não são subsidiados especificamente para sectores prioritários? E quem os vai subsidiar se não possuímos esses instrumentos? Mas é assim que se faz nos vários países...
O dinheiro vai ficar mais caro…
Sim. Porque é preciso reduzir a massa monetária que parece existir no mercado, para reduzir a pressão sobre o dólar. Também é preciso manter controlada uma certa taxa de inflação que é a meta acordada com o FMI. Todo o mundo está de acordo, que a inflação deve ficar no nível de um dígito. Mas a busca de soluções exige uma nova vaga de reformas...
Mas precisávamos de esperar que o dólar atingisse esses níveis para aplicarmos estas medidas?
Nós tivemos uma situação atípica no I Trimestre de 2010. Houve uma relação difícil com os doadores, com alguma crispação pelo meio, mas que felizmente se resolveu. Por razões amplamente conhecidas alguns doadores atrasaram o financiamento que haviam prometido. O país ressentiu-se dessas dificuldades. O metical derrapou. Já escrevi uma vez que a moeda é como uma gazela, ao primeiro ruído ela dá um salto e começa a correr e fica imparável. E foi o que aconteceu. No primeiro barulho sério a moeda depreciou-se de forma preocupante. Felizmente o Governo e os doadores entenderam-se e isso veio acalmar o mercado. Penso que se vai conseguir recuperar e voltarmos a uma certa normalidade no funcionamento da economia. Estou optimista.
“Os doadores querem controlar os processos”
Alguns analistas entendem que o G19 deu-nos uma oportunidade para nos emanciparmos e partirmos em busca de novas formas de financiamento, por exemplo ir à China, país que muitas vezes passa cheques sem fazer perguntas ou aumentar a nossa base tributária. Partilha da mesma opinião?
Será assim? Nunca ouvi falar disso! A única solução de estabilidade monetária e financeira é produzir mais e muito mais. Não se trata de aumentar impostos por aumentar – isso tem limites. É preciso haver mais impostos resultantes do aumento da produção. Mas aí levanta-se outra problemática. O sector da economia onde o moçambicano pode prestar maior contribuição para o desenvolvimento do país é a Pequena e Média Empresa (PME) e ênfase na produção agrícola. Na minha óptica é aqui que tem que estar o foco das nossas atenções. Apoio ao sector privado, às PME’s na perspectiva do relançamento dos projectos nacionais que valorizem os recursos, gerem empregos e rendimentos. Principalmente na agricultura, no agro-negócio. Há um esforço no sentido de políticas adequadas. Provavelmente teremos que ser ainda mais ousados no apoio decisivo ao sector privado.
Por exemplo….
Fornecer mais meios, mais recursos, recursos concessionais que permitam melhorar a organização, a gestão empresarial, assegurar maior competitividade, adquirir novos equipamentos, obter sistemas tecnológicos, etc . Porque o nosso capitalista, empresário e empreendedor são frágeis. Possuem pouco capital e poucos conhecimentos. E isso é amplamente conhecido. Quando se fala de um privado na Europa, já tem 200 anos ou 300 anos de conhecimento que a sociedade, as famílias, as empresas acumularam. O filho de um grande milionário aprendeu do pai e este aprendeu dos seus antecessores e de outros. O nosso empresário é de formação recente. Criar apenas melhores condições de negócio não chega. Ele surgiu agora, felizmente estão a surgir alguns que assumem a gestão com maior responsabilidade. A esses, o Estado tem que apoiar de forma decidida. Na minha óptica, o Estado deve assumir um papel de fomentador das iniciativas de produção e de serviços, por forma a que sejam competitivas. Precisamos de instituições que ajudam a organizar as empresas , outras que colocam a disposição das empresas toda uma investigação científica na área de agricultura, agro-indústrias e outras. O boom do Brasil não surgiu só pelos privados. Surgiu por esta intersecção entre as universidades, Estado e as empresas. Este é um trabalho imenso que ainda tem que ser feito. Depois existe o Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil, que é tão importante como o Banco Mundial. Este banco é vital como um elemento chave para o sucesso empresarial do Brasil e que o torna uma das economias mais pujantes neste período de crise internacional. Esta é uma experiência que deve ser estudada.
Aí entra o debate de um banco de desenvolvimento que o senhor tanto defende….
Para mim não tenho dúvidas. Pode-se dar a volta que se quiser. Estou convencido que cedo ou tarde haverá um banco desse tipo em Moçambique. Até estava inscrito no programa do primeiro mandato do presidente Guebuza. O plano actual ainda não o conheço. É claro que o Pais não possui meios para concretizar este banco que possui longo alcance. E é claro que não se pode fazer com o dinheiro dos doadores, porque eles não querem. Eles querem controlar os processos da ajuda e isso é normal... o dinheiro a eles pertence. A questão que se levanta é: como vamos fazer o tal banco que serve os empresários, pequenos e médios? Tem que haver uma gestão direccionada do investimento público. Há agora um ensaio de um banco de investimento. É um esforço, mas não é exactamente igual, as funções são distintas. O BNDES do Brasil pertence aos trabalhadores daquele país. Desde o tempo dos militares passaram a descontar 1% dos salários dos trabalhadores. Todo este dinheiro foi bem gerido, sem interferências políticas. Está alí um banco que é fundamental para o crescimento do Brasil, com uma taxa de desvio insignificante. Houve exemplos que deram mal, mas há exemplos que resultaram e bem. O IDC e o Banco de Desenvolvimento da África Austral (DBSA) na África do Sul e BNDES do Brasil são 100% bancos do Estado e são bem geridos. Acho que pelo menos se deve estudar a criação desse banco em Moçambique. Creio ser fundamental para o desenvolvimento do empresariado e para o fomento das riquezas nacionais. É claro que é preciso assegurar uma gestão rigorosa, sem interferência política e/ ou externa. Eu estou convencido que esta é a intenção do nosso Governo quando tiver meios: criar um banco de desenvolvimento. Esteve no Plano Quinquenal passado.
Mas não foi implementado….
É o problema de recursos. Mas a vontade está lá.
Mas os sete milhões destinados aos distritos não podem ser usados para alavancar o projecto de um banco de desenvolvimento?
Não sei. Alguém tem que estudar isso.
Mas está claro que as taxas de reembolso são extremamente baixas. Os critérios para financiamento não estão bem claros…Não é o caso de colocar este dinheiro num circuito bancário?
Não sei se é bem assim. Acho que merece um estudo. De qualquer forma os sete milhões com todas as dificuldades de gestão que isso acarreta, foram uma contribuição importantíssima para a dinâmica económica local. Portanto, se os fundos foram confiados ao Zacarias, ao Tobias ou o Mascarenhas, esse é outro assunto... os critérios de alocação podem e devem ser melhorados e isso depende muito da gestão local. A verdade é que essas pessoas que receberam esses fundos investiram ou adquiriram bens no mercado. Isso activou a procura de bens e serviços, o que por sua vez accionou indústrias e comércio para fornecer esses bens. A dinâmica está lá. Outro debate é como é que se pode gerir melhor.
Para muitos a filosofia está correcta. É preciso ver como é que se pode recuperar o dinheiro emprestado.
Não tenho dúvidas. A filosofia está correcta. Aliás, a agenda 2025 apontou numa direcção similar. O MARP aponta como sendo uma boa iniciativa. O debate sobre a gestão visa tornar mais eficiente o sistema de recuperação dos capitais emprestados. Confio que isso já esteja em processo de correcção. Mas o caminho é este. Não há dúvida. O Estado é promotor do desenvolvimento. Não é só regulador... eis um bom exemplo.
SAVANA – 23.04.2010