A revolução dos serviços
Por Ejaz Ghani*
A China e a Índia estão a avançar a toda a velocidade em termos económicos. Mas a forma como estão a crescer é completamente diferente. Ao passo que a China é uma extraordinária exportadora de bens manufacturados, a Índia adquiriu uma reputação global por exportar serviços modernos. Com efeito, a Índia saltou a etapa do sector industrial, passando directamente da agricultura para os serviços.
As diferenças entre os padrões de crescimento dos dois países são assombrosas e suscitam imensas questões aos economistas da área do desenvolvimento. Os serviços podem ser tão dinâmicos como a indústria? Quem chega mais tarde ao desenvolvimento consegue aproveitar a crescente globalização do sector dos serviços? Podem os serviços ser um motor de crescimento sustentado, de criação de postos de trabalho e de redução da pobreza?
É importante debruçarmo-nos sobre alguns factos. A relativa dimensão do sector dos serviços na Índia, atendendo ao estado de desenvolvimento do país, é muito maior do que na China. Apesar de se tratar de uma região de baixos rendimentos, a Índia e outros países do Sul da Ásia adoptaram os padrões de crescimento dos países de médio a alto rendimento. Os seus padrões de crescimento assemelham-se mais estreitamente aos da Irlanda e Israel do que aos da China e Malásia.
O padrão de crescimento da Índia é impressionante porque contradiz uma lei de desenvolvimento aparentemente de ferro que se impôs durante quase 200 anos, desde o início da Revolução Industrial. De acordo com esta “lei” - que faz parte dos princípios convencionais - a industrialização é a única via para o rápido desenvolvimento económico dos países em desenvolvimento.
Em resultado da globalização, o ritmo de desenvolvimento pode ser explosivo. No entanto, no passado, o potencial de crescimento explosivo residia quase exclusivamente no sector da actividade industrial. Mas já não é isso que acontece. Temos vindo a constatar que os países com um elevado crescimento nos serviços tendem também e registar um crescimento económico generalizadamente elevado; em contrapartida, os países com um elevado crescimento económico geral registam um elevado crescimento do sector dos serviços.
É certo que a ligação causal continua a ser incerta: afinal de contas, também há uma relação positiva - amplamente aceite na economia do desenvolvimento - entre o crescimento industrial e o crescimento da economia em geral. Mas a análise que se tem negligenciado é a de que o efeito do crescimento dos serviços sobre o crescimento económico agregado parece ser tão forte, senão mesmo mais forte, como a do efeito do crescimento industrial sobre o crescimento da economia em geral.
Além disso, a evolução ao longo do tempo para uma maior quota do sector dos serviços na economia mostra que a aceleração do crescimento real nos serviços não tem sido compensada por uma redução dos preços. Não existe um foco da chamada “doença holandesa” - isto é, o preço dos serviços não diminui com o aumento da oferta.
A Índia tem uma maior quota de serviços e um crescimento mais rápido do sector dos serviços do que a China, se bem que esta última seja mais rica e tenha crescido mais depressa ao longo do tempo. Isto indica que os serviços não estão, muito simplesmente, a responder à procura interna (potencialmente mais elevada na China) nem às oportunidades de exportação.
A experiência de crescimento da Índia mostra que agora é possível uma revolução dos serviços - que servem de locomotiva ao rápido crescimento e à redução da pobreza - à escala global. Na Índia, o sector dos serviços não só liderou o crescimento da economia em geral, como também se caracteriza por uma maior produtividade laboral do que no sector industrial. Com efeito, a melhoria da produtividade no sector dos serviços na Índia é comparável ao crescimento da produtividade no sector industrial da China, ao permitir reduzir a pobreza através do aumento dos salários.
O crescimento impulsionado pelos serviços é sustentável, porque a globalização dos serviços, que representa mais de 70% da produção global, está ainda numa fase muito preliminar. Além disso, a perspectiva há muito enraizada de que não se podem deslocalizar, negociar ou adaptar (em termos de escala) os serviços já não é válida para uma série de modernos serviços impessoais, que podem agora ser produzidos e exportados a baixo custo. Os países em desenvolvimento podem, assim, sustentar um crescimento liderado pelos serviços, atendendo à imensa margem de que dispõem para recuperarem o terreno perdido e para a convergência.
A experiência da Índia dá esperança a outros países que estão mais atrasados em matéria de desenvolvimento. O processo de globalização de finais do século XX conduziu a uma forte disparidade de rendimentos entre os países que se industrializaram e penetraram em mercados globais e “os mil milhões de pessoas das bases” [“bottom billion”] nos cerca de 60 países onde os rendimentos estagnaram durante 20 anos. Foi como se os “bottom billion” tivessem tido de esperar pela sua vez para se desenvolverem, ou seja, esperarem até que grandes industrializadores como a China se tornassem ricos e deixassem de ser competitivos no sector industrial com um elevado nível de mão-de-obra.
A globalização dos serviços, contudo, oferece aos países em desenvolvimento oportunidades de encontrarem nichos além do sector industrial, nos quais podem especializar-se, ganhar escala e conquistar um crescimento explosivo, tal como nos países industrializadores. À medida que os serviços produzidos e comercializados em todo o mundo se vão expandindo com a globalização, as possibilidades de todos os países se desenvolverem com base na sua vantagem comparativa também se expande. Essa vantagem comparativa pode estar tão facilmente nos serviços como na indústria ou na agricultura.
A promessa oferecida pela revolução dos serviços é a de que os países já não têm de esperar muito tempo para alcançarem um rápido desenvolvimento. Há um novo caminho pela frente.
* conselheiro económico sobre o Sul da Ásia no Banco Mundial. Editou um livro sobre a revolução dos serviços no Sul da Ásia.
SAVANA – 21.05.2010