A talhe de foice
Por Machado da Graça
Estive, recentemente, em Cabo Delgado e Nampula. Neste última província não podia deixar de visitar a Ilha de Moçambique e lá tive o prazer de conhecer o Dr. Paulo Leonardo, director do Hospital, que me convidou para conhecer.
E, ao fim de percorrer, demoradamente, as instalações, fiquei com uma impressão muito boa e muito má.
Parece contradição, mas eu explico:
Gostei muito do que vi nas zonas que estão a ser, de facto, utilizadas. É, claramente, um hospital pobre, sem nada das comodidades que se encontram nas clínicas privadas, mas tudo estava rigorosamente limpo, desde as impecáveis batas brancas de todos os funcionários com quem me cruzei, até às instalações e roupa de cama. E isto apesar de praticamente só uma torneira deitar água em todo o Hospital e, mesmo essa, de duvidosa qualidade.
Em grande parte das camas, se não em todas, estava instalado um mosquiteiro protector.
À medida de percorríamos as enfermarias o Dr. Leonardo dizia-me que uma alta percentagem dos doentes estava afectada com o Hiv/SIDA. Poderiam ter, simultaneamente, outras doenças mas, grande parte deles, sofria daquela pandemia.
No laboratório do Hospital fiquei agradavelmente surpreendido por ver equipamento com aspecto muito moderno. Duas máquinas para fazer análises, novas, que o meu hospedeiro me disse para o que serviam mas a minha memória não recorda e não ia a pensar fazer reportagem nem para isso equipado.
Só que o que vi me animou a escrever estas linhas para agradecer o trabalho que ali está a ser realizado e incentivar a sua continuação.
Se bem percebo, a instalação de ar condicionado no laboratório iria permitir um melhor funcionamento desse novo equipamento e, sem dúvida, uma muito maior duração.
No pátio uma ambulância e uma outra viatura, ambas com aspecto de estarem também a ser devidamente tratadas. Pelo menos estavam limpas, por fora, e isso é, muitas vezes, um óptimo termómetro da forma como estão a ser usadas.
Mas, dito isto, o resto é uma tristeza.
E o resto é todo aquele edifício, de aspecto imponente, monumental, em ruínas.
Quem olha de fora só vê um jardim, que já deve ter sido lindíssimo, com os canteiros ainda bem desenhados mas sem uma única planta. Ou, melhor, apenas com plantas selvagens, que mais estragam do que embelezam.
A fachada não deve ver um pincel e um balde de cal há anos e anos. O aspecto que dá, a quem passa, é de abandono e desleixo.
Ao que soube, havia, até há pouco, a ideia de transformar aquele edifício num hotel, passando o Hospital para instalações a construir, de raíz, no continente.
Disse-me o Dr. Leonardo que não era essa, agora, a posição do Ministério da Saúde. E concordo que se tenha abandonado a ideia.
As actuais instalações têm espaço, mais do que suficiente, para albergarem os serviços necessários do Hospital. Necessitam, apenas, de ser reabilitadas.
Tudo o que é alvenaria está lá e, de uma forma geral, está em estado aceitável. O desastre completo é nas madeiras e nos metais. E, sendo o chão dos andares de cima feito em madeira, isso significa que muito já desabou. Para não falar nas pinturas e outros acabamentos.
Mas não será possível encontrar parcerias para se ir reabilitando o edifício gradualmente?
A questão da fachada, por exemplo, deveria ser preocupação não só do Ministério da Saúde como também do Município e do Ministério do Turismo.
Sendo um dos edifícios mais imponentes da Ilha de Moçambique, a recuperação daquela fachada seria, logo à partida, uma valorização enorme da cidade.
Em relação ao jardim surge, no entanto, o problema da água, de que já atrás falei. E esse problema deve ser urgentemente enfrentado, por essencial ao bom funcionamento do Hospital e porque importante para a valorização do edifício através de uma fachada caiada e um jardim florido.
E não esqueçamos que a beleza também cura. Um doente que chega a um hospital bonito, bem cuidado, sente-se muito mais preparado, psicologicamente, para aceitar os tratamentos que vai receber. E isso é meio caminho andado para que melhore daquilo que sofre.
Aqui há uns anos disseram-me que as nossas duas empresas de telefonia móvel tinham pintado a Ilha de azul e amarelo. E que tinha sido difícil fazê-las retirar essas pinturas que estragavam a paisagem histórica da cidade-monumento.
Daqui lanço o meu desafio a cada uma delas, ou mesmo às duas, para ajudarem a reabilitar o edifício do Hospital da Ilha, sem imporem as suas cores. A cor ali é o branco, neutro em relação às duas marcas. Uma lápide discreta, na fachada, pode indicar o nome de quem patrocinou o empreendimento.
Ficávamos todos a ganhar.
SAVANA – 21.05.2010