É o que parece estar a dizer o Parque Nacional das Quirimbas, nos distritos sob a sua influência, na tentativa de “inventar” outras actividades que não lesem a biodiversidade, bem assim na introdução de hábitos que não sendo culturalmente adversos, em alguns pontos, principalmente do litoral da província, não constam das prioridades sociais, tais como, o trabalho, a educação da rapariga, entre outros que a administração daquela instituição entende que faz parte da sua responsabilidade social. O nosso jornal, integrado numa equipa de colegas de vários órgãos de comunicação social, foi monitoriar “in loco”.
Como se sabe, o Parque Nacional das Quirimbas ocupa uma área de cerca de 7.506 quilómetros quadrados, dos quais 1.522 são habitats costeiros e marinhos ( o mar, as ilhas e o Banco de S. Lázaro), sendo que a restante parte corresponde à zona terrestre, com cerca de 5.984 quilómetros quadrados, cuja responsabilidade chamou à si há mais de cinco anos, nomeadamente, conservar a biodiversidade, abundância e a integridade ecológica de todos os recursos fisicos e biológicos na área, que corresponde aos seis distritos centrais de Cabo Delgado, quais sejam, Ibo, Quissanga, Macomia, Meluco, Ancuabe e Metuge de modo que eles possam ser usufruidos de forma produtiva pelas gerações presentes e futuras.
Estamos na Escola Agrária de Bilibiza, distrito de Quissanga, onde temos pela frente três das quatro raparigas que estão ali com bolsas oferecidas pelo Parque, vindas de Quirimba, que dá nome a todo o arquipélago, com as suas 11 ilhas mais meridionais, entre as quais, Ibo, Matemo, Quisiwe e Aquela. Foram retiradas de um ambiente onde estudar não vai para lá de ter ido à escola à espera do dia do casamento, normalmente prematuro, sendo que o sonho de algum dia ser mais importante do que ser simplesmente mãe, termina.
Em muitas aldeias do litoral de Cabo Delgado, a educação, principalmente da rapariga, é um desafio que não poucas vezes deve ser feito à custa de desentendimentos de índole cultural, como é desencantar uma futura mãe e dona de casa, para interná-la numa escola onde se pretende venha a aprender a ciência e a técnica.
Mas elas estão satisfeitas, embora com alguma saudade de Quirimba e do mar que lhes viu nascer e crescer, pois Bilibiza está localizado na linha divisória entre a cultura costeira e o interior, indo para Meluco, Ancuabe ou Macomia, sendo a razão porque os hábitos começam a ser diferentes, ditados pela geografia.
Fátima Juma Nácir, Amissina Mussa e Assina Tomé Frederico, estão presentes no internato, mas a Luisa Alberto, também beneficiária da bolsa do Parque, ausentou-se por momentos.
“ Entramos aqui no ano passado, depois de o Parque ter falado com os nossos pais e nós aceitamos. É verdade que parecemos pioneiras nessa coisa de sair da ilha e ir ao continente para estudar, mas estamos a gostar, queremos ser técnicas de agricultura” dizem elas quase em uníssono.
Explicam depois que a bolsa é constituida de um valor monetário de 150,00 MT, por mês, com o qual compram cadernos e outro material escolar, para além de artigos de higiene e limpeza.
Na Ilha do Ibo encontramos três tipos de bolseiros, nomeadamente, 30 daqueles que frequentam da sexta à sétima classes, a quem se dá um subsídio de 300,00 MT/ mês, igual número da Oitava a Décima classes, cuja bolsa é de 500,00 MT por mês, para cobrir as mesmas necessidades, incluindo a aquisição do uniforme escolar. Há, no entanto, uma terceira categoria, de crianças vulneráveis, 22, a quem se distribui bimensalmente uma cesta básica constituída por arroz, óleo, açucar e algum material escolar e uniforme, uma vez ao ano.
O projecto, que está a cargo da Associação do Meio Ambiente(AMA), parceira do Parque, existe desde 2006, mas Mussuaílo Abdala, cujo pai faleceu há três anos, acaba de entrar, a 4 de Abril. A nossa fonte frequenta a 9-classe e diz que encontrou muitas vantagens, entre as quais, o facto de a partir do dinheiro que recebe, conseguir comprar uniforme e material escolar. Vive com familiares adoptados a quem ajuda as despesas de alimentação, com a sua contribuição.
Na mesma classe está Juliana Baiada, que vive em casa de seus pais no bairro de Rituto e entrou no projecto em Janeiro deste ano. Tendo pais ainda vivos, o gesto tem em vista promover a educação da rapariga, por forma a que encontre mais motivos de permanecer na escola. Fez a 8 classe com 11 valores e da tranche recentemente recebida adquiriu uma mochila, uniforme e material escolar.
Rachid Cachimo, jovem que está a executar os projectos da AMA no Ibo, como oficial de Recursos Marinhos, confidenciou-nos que a evolução do número de aderentes pode se ver do facto de em 2006, terem sido admitidos 30 alunos, para neste ano contar-se com 180, sendo que apenas em 2010, deram entrada 45 estudantes. Os requisitos, segundo a fonte, passam por serem elegíveis a nível do conselho da escola, com intervenção de lideres comunitários, entre outros.
É com isso que não concorda o jovem Mamade Falume, que enontramos na Ilha Quirimba, onde há 11 bolseiras do Parque. Ele estava a gozar o período de interrupção das aulas que houve na segunda quinzena de Abril e acha haver indícios de intransparência na concessão de bolsas, dando-se maioritariamente primazia à raparigas. Falume estuda no Ibo, tem 20 anos, conhece muito bem os seus colegas bolseiros e entende que ele está nas mesmas condições, pois estuda sem sequer ter conseguido pagar a matrícula para este ano.
“Estou na Décima classe, mas até aqui não paguei a matrícula para este ano, apenas estudo porque estão me a compreender e aqui nas ilhas há pouca gente que quer estudar. Eu vivo com a minha avó que todos os dias exige que eu contribua para a alimentação em casa, porque os meus país estão aqui em Quirimba e quando venho para aqui dizer o que a velha diz lá no Ibo, o meu pai diz para eu aguentar”.
Já em Pemba, o administrador do Parque Nacional das Quirimbas, Dr. José Dias, respondeu, por via deste jornal, à questão colocada por Mamade Falume, concordando de alguma maneira com ele, pois “ na verdade priorizamos a rapariga nas bolsas de estudo, devido essencialmente aos casamentos prematuros, que são frequentes na maior parte dos distritos abrangidos pelo Parque, mas futuramente poderemos pensar também nos rapazes”.
Ainda em Quirimba, já havianos falado com Assina Atibo, de 19 anos de idade, que nos confessou estar a namorar com um ilhéu da mesma região e que se encontra enquadrada no projecto de bolsas desde Abril do ano passado. Ela estuda na sétima classe e acabava de receber uma tranche para dois meses, Abril e Maio, no valor de 600,00 MT. Perguntamos para que serviria o dinheiro, ao que nos respondeu: comprar uniforme, Mochila e material escolar. Assina vive com a sua chará (a mulher que lhe deu nome), chamada Assina Saíde, que não faz filhos, razão porque, desde criança foi levar esta menina, da casa dos seus pais, na Ilha do Ibo, vindo viver com ela, de forma adoptiva.
“ Ela não faz filhos e sou a única criança que vive com ela desde há muito tempo. Tenho pai e mãe, mas desde criança que vivo com a minha chará, digamos, madrinha. O marido tem filhos com outra mulher, por isso o facto de eu estar a viver com ela, ajuda-a muito e penso que estou bem, mas se estudar mais e for necessário sair daqui para ir prosseguir com os estudos , não hesitarei”.
Trata-se de filhos órfãos de pais cuja morte, nalguns casos, deve-se ao conflito homem/animais bravios, outros que sofrem por causa das medidas que estão a ser introduzidas, estranhas à si, como da agricultura de conservação, machambas em bloco, que os obriga a distanciarem-se dos seus locais de residência.
DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
No bairro Rituto, Ilha do Ibo, há um grupo de interessados que formam a Associação Unida de Processamento de Ostras. Tem pela frente Faque Mamudo, que nos diz serem 11 membros(cinco mulheres e seis homens) que todos os dias lutam por aprender formas eficazes de conservação das ostras, de tal jeito que, o seu produto é consumido em algumas casas de pasto na cidade de Pemba.
Utilizando métodos acessíveis localmente, o grupo vai crescendo e já está a erguer a sua sede social. O presidente da associação não esconde os maus bocados porque passou recentemente, quando do produto de vendas distribuiram-se entre si e iam à falência, mas que se vislumbra alguma luz no fundo do túnel, que permitirá a retomada da actividade.
Na mesma ilha, duas outras associações, desta feita de caixas comunitárias, vão crescendo a cada dia que passa. Primeiro nasceu, em 2008, a associação do bairro de Kumuaba, de nome “Não há saída”. Ruquia Xande, uma das fundadoras, diz que chegados a uma determinada altura dividiram-se os fundos e a ela coube 2000,00 Meticais.
“O dinheiro que deposito na caixa resulta da venda de bolinhos, diariamente, e o dia em que mais vendi consegui 50.00 MT”. Igualmente, Luisa Salimini, do mesmo grupo, compra peixe todos os dias, pó-lo a secar e muitas vezes leva-o a Pemba, onde vende e regressa a Ibo.
“Numa dessas vezes consegui 1000.00 MT e o meu marido é pescador, quase que fazemos uma relação de interessados, eu compro o peixe que ele consegue e vou vender em Pemba, depois de secar e o dinheiro que consigo deposito na caixa. Neste momento tenho 700 Meticais depositados” diz Luisa Salimini.
O outro grupo chama-se Sidjibo. De entre 11 membros é de lá onde tiramos Atija Abdul Afido, que nos falou da sua experiência de associada à caixa comunitária, que por iniciativa incentivada pelo Parque, através dos seus parceiros, neste caso a AMA, acha que a ideia está a colar. A sede da associação é o bairro de cimento e ela alistou-se no dia 23 de Março deste ano.
A sua ficha de controle diz que pela primeira vez entrou com 45,00 MT, tendo 15,00 MT para o fundo social, no dia 14 de Abril depositou mais 100,00 MT, com o mesmo valor do fundo social. Atija diariamente vende amendoim torrado e passavam cinco dias que havia conseguido num mesmo dia, ter nas suas contas 120,00 MT resultantes desse negócio, parte do qual foi depositar na caixa.
Passeando pelos bairros da Ilha do Ibo, somos apresentados muitas iniciativas “provocadas” pela AMA, na sua qualidade de parceira do Parque Nacional das Quirimbas, com vista a dirigir as pessoas a desenvolverem-se com base nos recursos localmente disponíveis, da mesma forma que medidas visando o saneamento do meio e luta contra as doenças facilmente evitáveis, arrasta atrás de si, outros modelos de vida naquela parte insular de Cabo Delgado.
Fogões ecológicos, modalidades que introduzam o hábito de lavar as mãos( conhecido por tippy tappy) estão espalhados nas residências das ilhas do Ibo e Quirimba, porque os funcionários da AMA estão por aí todos os dias a dessiminar as mensagens de higiene e limpeza, para permitir que haja saúde, sem a qual não há desenvolvimento.
Outra experiência que impressionou a nossa Reportagem é a produção de mel, na aldeia Messumuco, parte continental do Ibo. Trata-se de uma pequena comunidade de 350 habitantes, fundada por pessoas provenientes das ilhas do Arquipélago das Quirimbas, para a prática da Agricultura de maneira sustentável. A criação de abelhas foi para esta comunidade uma alternativa encontrada para a conservação do meio ambiente e para fazer frente ao conflito Homem/animal.
Em Messumuco as abelhas são utilizadas para afugentar animais invasores, particularmente elefantes, dos campos de cultivo e zonas residenciais. As flores dos mangais e das florestas de Messumuco são fonte para a obtenção do mel, 100 porcento puro, natural e com sabor exótico.
O projecto tem o apoio da AMA(Associação do Meio Ambiente de Cabo Delgado-Pemba), com o financiamento da WWF, cuja produção é vendida na capital provincial, onde já começa a escasseiar, por causa das solicitações vindas de fora desta província.
ADMINISTRADORA DO IBO É PELO MAIOR ENVOLVIMENTO DO PARQUE
Consoderando o seu distrito, o único engolido pelo Parque Nacional das Quirimbas, a administradora do Ibo, Elsa Rodolfo, analtece os esforços empreendidos no fomento de pequenos projectos de geração de rendimento, levados a cabo pelos parceiros daquele, mas entende que há que fazer mais.
“O nossos distrito, ao contrário dos outros cinco, que estão abrangidos pelos limites do Parque Nacional das Quirimbas, é o único completamente no interior deste, vivendo portanto dentro das regras que o Parque tem, nomeadamente, muito cuidado com o ambiente, exploração de recursos condicionada, entre outros factores. Este facto leva-nos a pensar que merecíamos um tratamento não só priveligiado, mas sobretudo de um envolvimento ainda maior do Parque”.
Para Elsa, as actividades do Parque, têm a vantagem de serem complementares às acções do Governo, principalmente, no que diz respeito à educação da rapariga e à dessiminação de pequenos projectos associativos, mas repete que são bem-vindos mais projectos e de alguma maneira mais abrangentes do ponto de vista de alvos a atingir.
- Pedro Nacuo