SR. DIRECTOR!
Senhor Philipe Gagnaux, sem as lutas de libertação nacional de Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe seriam ainda hoje parte de um Portugal uno e indivisível, com a missão civilizadora e com a missão divina de expandir a fé e o império desde que nasceu sempre andou de braços dados com Deus.O senhor Gagnaux deve saber, se é que não sabe, que o fundador do instrumento unificador (Frelimo) do povo moçambicano foi-lhe fechada a porta de uma independência negociada, porque na política colonial portuguesa não estava prevista a autodeterminação dos povos colonizados e muito menos a sua desvinculação da tutela portuguesa através da independência.
Numa situação do panorama perplexo e incerto do fim da II Guerra Mundial que economicamente empobreceu as potências colonizadoras do planeta é lógico analisar e concluir que Portugal seguisse o caminho da descolonização.
Portugal tenazmente e intransigente seguiu o mito de um Portugal uno e indivisível no cumprimento da sua missão civilizadora e a missão divina de expandir a fé e o império. Salazar e Laranjeira acrescentaram o outro mito de “Deus e pátria sempre andaram juntos desde que Portugal nasceu”.
O instrumento da expansão da fé cristã tinha que forçosamente ser a Igreja Católica Romana e a missão civilizadora tinha como tarefa obrigatória assimilar os indígenas pagãos e convertê-los ao cristianismo ocidental, já que o ser católico romano era sinónimo de civilização.
Os nomes de algumas localidades, cidades, distritos, nomeadamente João Belo, Porto Amélia, Pinheiro Chagas, Luciano Cordeiro, D. Maria II, Liceu Salazar e António Enes faziam parte de estender e criar Portugal no ultramar. A cidade capital de Lourenço Marques estava dividida em zonas com os nomes dos reis de Portugal, dos poetas e escritores portugueses e das individualidades do Estado novo de Salazar, etc.
O colonato de Limpopo era uma autêntica zona rural de Portugal continental em Moçambique, com os nomes das propriedades agrícolas a ostentar as zonas rurais de Portugal continental.
Dos países colonizadores, os britânicos é que estiveram de alerta e acompanharam as mudanças e transformações resultantes da II Guerra Mundial a partir da visita de Harold MacMillan, então primeiro-ministro da Grã-Bretanha na década de 60, quando falou no parlamento sul-africano em Cape Town a alertar os colonialistas europeus e o regime do Apartheid para se precaverem das mudanças que iriam ocorrer no continente africano “The vinds of change are blowing over the black continente”.
Os britânicos haviam libertado o sub-continente asiático (Índia e Paquistão) e libertado o Gana em 1957. Portugal e o regime do Apartheid não se mexeram, mas não escaparam aos efeitos do vento das mudanças preconizados por Harold MacMillan.
Os efeitos do sopro de ventos da mudança preconizados por Harold MacMillan na década de 60, levaram muito tempo a produzir efeitos em todo o território continental de África Negra, mas acabaram por sacudir Lisboa em 1975 e Pretória em 1994.
Depois do fracasso da grande ofensiva militar Nó Górdio do general Kaulza de Arriaga de 1970 é que os portugueses reconheceram a força e a capacidade da Frelimo. Será que a Revolução de 25 de Abril de 1974, protagonizada pelas Forças Armadas portuguesas contra o governo fascista de Marcelo Caetano foi também o golpe de Estado oportunista de mercenários sem causa?
No ano passado de 2009 li na revista “Canto 21” sobre um acordo secreto entre Pieter Botha da África do Sul, Ian Smith da Rodésia e Marcelo Caetano de Portugal. O tratado secreto do trio era de criar um estado branco no território africano a sul do rio Zambeze, território que abrange os países do Zimbabwe, Moçambique, Zâmbia, África do Sul, Namíbia. Seria um mega-território sob o controlo de brancos, precisamente a África potencialmente mais rica e desenvolvida da África Austral.
Esse plano secreto ficou desfeito com a Revolução de 25 de Abril de 1974, que colocou o parceiro do tratado secreto Marcelo Caetano fora do poder.
No rio Zambeze existem duas hidroeléctricas de Kariba Dam entre Zimbabwe e Zâmbia e a outra Hidroeléctrica de Cahora Bassa em Moçambique (HCB). A Grã-Bretanha entregou o poder às suas colónias da Rodésia do Sul e Rodésia do Norte em 1923, com a criação do estatuto de Self-Government (auto-determinação) das suas colónias. Quando se construiu Kariba Dam a Grã-Bretanha já não era potência colonizadora na zona. A Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) permaneceu portuguesa até depois de Moçambique independente. Foi preciso negociar a entrega de HCB aos legítimos donos - os moçambicanos em 2007. Portugal não reconheceu a legitimidade do povo moçambicano e o 7 de Setembro de 1974 não incluiu a independência da HCB, no pacote dos Acordos de Lusaka.
Volto a afirmar a ausência dos termos “auto-determinação e independência” na política ultramarina portuguesa. Portugal uno e indivisível. Um mito que se tornou política.- Gabriel Simbine