EDITORIAL
Desde que assumiu a Presidência da República, em 2005, que Armando Guebuza tem se distinguido por um modelo de governação a que se convencionou chamar Presidência Aberta.
Embora o conceito não seja totalmente novo, uma vez que ele já vinha sendo praticado de forma relativamente mais limitada pelo seu predecessor, Joaquim Chissano, Guebuza tornou-o na sua marca registada, e desde 2005 que não se conta o número de Presidências Abertas até aqui realizadas.
No topo da agenda presidencial nestas visitas está o contacto directo com o povo, a fiscalização do nível de implementação dos programas do governo, e ainda como está a ser utilizado o Fundo de Investimento de Iniciativas Locais, disponibilizado pelo governo para o financiamento de actividades que se espera que venham a alterar o actual quadro de pobreza nos distritos.
Uma das características principais nos encontros que o Presidente tem mantido com as populações dos locais por onde passa é o convite que faz ao público para se dirigir ao pódio e apresentar as suas preocupações.
É um exercício de governação participativa, que deve ter os seus méritos. As presidências abertas são replicadas a todos os níveis da administração pública, dentro da filosofia de que os dirigentes públicos devem sair dos seus gabinetes climatizados e entrarem em contacto com a realidade prevalecente nas suas respectivas áreas de jurisdição. Assim, somos bombardeados todos os dias com notícias do Primeiro Ministro a visitar este e aquele local, de governadores provinciais a visitarem distritos, fazendo-se acompanhar da totalidade dos seus elencos, de ministros a deslocarem-se às províncias, etc.
Por aquilo que as pessoas têm dito, sempre que se lhes dê oportunidade, fica claro que há muita crença na ideia de que o Presidente da República irá resolver todos os problemas que lhe são apresentados.
Possivelmente uma crença e expectativas exageradas, se tivermos que tomar em conta o facto de que não será sempre humanamente possível o Presidente da República resolver todos os problemas.
O que revelam as presidências abertas é um sistema rígido de administração pública, excessivamente centralizado, em que os canais de resolução de problemas pontuais se revelam atrofiados, e os processos de tomada de decisões se tornam ineficientes. Se há governadores provinciais e administradores distritais, que também realizam as suas governações abertas aos seus respectivos níveis, porque é que as pessoas terão que esperar pelo Presidente da República para apresentar questões locais que deveriam ter sido apresentadas aos seus respectivos dirigentes?
O efeito desta situação é que os problemas apresentados ao Presidente da República tornam-se esquecidos logo que este e a sua comitiva partem para a próxima etapa da visita. Os problemas ficarão à espera da próxima visita presidencial, e a frustração substitui-se à expectativa e optimismo de curta duração, transformando-se no descontentamento generalizado que depois se corporiza no ambiente de desconfiança que é a característica geral do relacionamento entre o povo e o governo.
Há uma nova forma de fazer as coisas que seria importante considerar seriamente. Um sistema eficaz de administração pública deve funcionar no sentido inverso, ou seja, da periferia para o centro, numa situação em que a periferia dita a agenda da governação e exerce uma pressão gentil sobre o centro, este que de forma criativa deve saber interpretar as acções a serem levadas a cabo.
A periferia não deve ser um mero receptor de mensagens e ordens superiores sobre o que deve fazer para resolver os seus problemas. A periferia deve ser um actor activo para a identificação e resolução desses problemas, recorrendo aos níveis superiores apenas em situações em que todas as soluções locais tiverem sido esgotadas. A luta contra a pobreza deve centrar-se na capacidade de ao nível local as pessoas poderem tomar decisões sobre o seu próprio futuro, incluindo a possibilidade de serem elas a determinar quem é que a esse nível está à altura de as governar.
SAVANA – 21.05.2010