Os apelos para uma segunda época ainda mais produtiva, lançada a 10 de Abril passado, sobretudo no domínio das hortícolas, foram obedecidos que nem uma ordem, de tal forma que todos estão à espera apenas que os campos alagados estejam completamente livres das águas pluviómetricas que ainda restam para a conclusão da colheita.
O vale de Messalo, distrito de Muidumbe, onde se situa o regadio de Nguri, e cuja reabilitação está a ser negociada com investidores, continua exemplo de produção em mais de uma época. O verde volta a despontar, a partir de covas de onde, uma vez mais, crescerão plantas de milho, formando um manto que se estenderá até à desembocadura do rio Messalo, junto à sede do posto administrativo de Quiterajo.
Em Mueda, nada está tremido, apesar de pequenos sinais não muito encorajadores nas regiões de Ngapa e Negonano, em virtude da queda irregular das chuvas, segundo nos afiançaram as autoridades da área, naquele distrito a Norte de Cabo Delgado.
Em Macomia, acompanhados por Armando Antumane, técnico extensionista, seguimos pela estrada que leva ao posto administrativo de Mucojo. O propósito era visitar o campo de produção de arroz, localizado na aldeia Napala, cerca de 24 quilómetros da sede do distrito. A ideia era testemunhar a tal produção intensiva, através da lavoura mecanizada, introduzida no quadro do programa do Governo integrado na “Revolução Verde”.
A Quatro quilómetros da estrada principal para o interior, localiza-se uma aldeia sazonal de produtores de arroz. Estamos a falar de Rerene, com 310 palhotas de campanha. Aqui, todos estão neste momento aflitos, surpreendidos com os níveis de produção, temem que lhes apodreça nas mãos, tendo em conta que entre eles há quem ainda tenha a produção da campanha anterior.
Gomes Momade Biché é da sede do posto administrativo de Mucojo, mas em cada campanha transfere-se para Rerene, desde que aquela aldeia foi criada, há 8 anos. “Este ano não sabemos o que fazer com tanta comida! Não há clientes”, diz, secundado pelos seus confrades, Assane Assane, Jamal Ansumane e Sumail Ali.
QUEM TEM FOME VENHA PARA AQUI!
OS níveis de produção em alguns distritos da província de Cabo Delgado são tais que os camponeses receiam que a mesma se estrague por falta de compradores. Por essa razão, apelam aos agentes económicos e a singulares para que “visitem” as suas machambas para comprar comida.
João Fernando Nauela é um produtor em Rerene. Encontramo-lo a concluir a construção de uma vedação para defender a sua produção: Tantos sacos de arroz que ele próprio diz não saber quantificar.
Ele é natural do distrito meridional de Namuno, de onde saiu em 1958 para nunca mais voltar. Estamos a falar de uma distância de cerca de 325 quilómetros que separa as duas regiões de Cabo Delgado. Fixou-se em Mucojo e quando se “descobriu” a região produtiva de Rerene, foi dos primeiros a abraçar o desafio.
Hoje, João Nauela diz que há na mesma província, regiões que precisam de comida, incluindo pessoas do seu próprio posto administrativo, Mucojo, e convida: “quem tem fome que venha para aqui. Estamos é preocupados não pela fome, mas por ter muita comida. A área para a produção está aqui. Quem semeia ventos colhe ventos e quem semeia arroz, como nós, colhe arroz”.
O problema da falta de compradores é denominador comum de todos os produtores da região onde Rerene se localiza. Os camponeses clamam por uma intervenção de agentes económicos sérios, que negoceiem com eles e “que não sejam ladrões que nos venham roubar, através dos preços a aplicar. Que venham buscar o milho e o arroz de uma só vez”, afirma João Nauela.
Numa outra aldeia, Namicure, encontramos sacos de milho e celeiros repletos deste cereal. Vimos, por outro lado, os donos das palhotas a dormirem ao relento, porque o interior das casas está cheio de sacos de milho e arroz. Não resta espaço para mais nada. O receio neste momento é que se a produção não for comprada e permanecer por muito tempo nos celeiros, os ratos poderão tomar conta dela. Por isso, cada uma vai ensaiando a melhor forma de conservar os produtos.
Zacarias João Mmule vive na vila de Macomia, mas quando chega a época da lavoura transfere-se para Namicure. Diz nunca ter conseguido tanta produção como na presente campanha e justifica pelo facto de os elefantes terem lhes poupado desta vez. O homem até perdeu as contas dos sacos de milho que produziu.
Amisse Bichehe Saco Vazio é um outro produtor de Namicure. Faz a sua actividade nesta região há quatro anos, mas esta é a primeira vez que consegue estes níveis de produção.
“É o primeiro ano que a produção atinge estes níveis. Deus é que sabe. Mas o problema é que não há ninguém para comprar. Que venham para aqui com camiões para evacuar esta comida, mas também não a três meticais o quilo, mas sim, a cinco meticais. Não queremos ser roubados e para isso já combinamos”.
MOBILIZAR CONSUMO DE VEGETAIS
O DIRECTOR distrital dos Serviços de Actividades Económicas de Montepuez, Raúl Messo, assegura que não há motivos de alarme naquele ponto de Cabo Delgado, apesar de nalguns pontos se ter registado certa irregularidade das chuvas. Lamenta o facto de os vegetais continuarem a não fazer parte da dieta alimentar na região.
A área projectada, 128.000 hectares, foi lavrada e os camponeses estão à espera dos resultados finais da colheita para determinar as reais quantidades conseguidas nesta campanha.
À semelhança de Macomia, em Montepuez houve intensificação da lavoura mecanizada, tendo sido delimitada uma área e entregue para a produção de milho e arroz, fundamentalmente.
“No posto administrativo de Mapupulo, entregamos em Nicuapa, 29 hectares, na aldeia 25 de Setembro 10 hectares, igual área em Linde e em Nropa, 12 hectares para o cultivo de feijões e milho, totalizando 61 hectares, agora em processo de colheita”, explica Messo.
No quadro do Plano de Acção de Produção de Alimentos, conhecido pela sigla PAPA, em Montepuez foi distribuída semente melhorada aos produtores, que se comprometem a trabalhar 1.050 hectares de milho.
A produção de vegetais vai ocupar uma área de 225 hectares. Contudo, as entidades ligadas à Agricultura e à Saúde continuam preocupadas pelo facto de o consumo de vegetais continuar a não fazer parte dos hábitos alimentares da população local, apesar de a região ter um grande potencial de produção neste domínio.
“Muitas pessoas vendem vegetais mas poucos comem. Ainda é preciso fazer campanhas de sensibilização para o seu consumo. Há que continuar a mobilizar e explicar às populações sobre as vantagens de uma dieta que inclua vegetais”, sublinhou.
Num outro desenvolvimento, o director das Actividades Económicas de Montepuez revelou que o seu distrito vai comercializar, na campanha lançada há dias, 40.506 toneladas de produtos diversos, o que representa um aumento em comparação com o ano transacto em que conseguiram 38.880.
“Esperamos que não se repita o que aconteceu no ano passado em que comerciantes tiveram problemas de se desembaraçar dos excedentes em tempo útil. Por isso, apelamos, mais uma vez, a todos os agentes económicos a virem a Montepuez. Eles encontrarão o que querem comprar aqui”, sublinhou.
MAIOR RESPONSABILIDADE PARA PEMBA-METUGE
É histórica a ligação entre o distrito de Metuge, do outro lado da baía e a cidade de Pemba, principalmente em termos de vegetais, de tal modo que, qualquer flutuação nos rendimentos daquele distrito, reflecte-se à mesa dos habitantes da capital provincial de Cabo Delgado.
Em resposta aos apelos governamentais para a necessidade de um investimento numa segunda época, Metuge respondeu, tendo lançado sementes numa área para o cultivo de 393,5 hectares de milho, feijões (nhemba, preto, manteiga) batata-doce, repolho, couve, tomate, alface, pimento, cebola, quiabo e beringela.
O director das Actividades Económicas daquele distrito, Manuel dos Santos Mateto, diz que urge praticar a agricultura de conservação, sendo um dos sistemas de produção agrícola, na medida em que ajuda os camponeses no combate às ervas daninhas e na redução do número de regas diárias e das sachas, bem como no aumento dos níveis de produção e produtividade.
Para a campanha agrícola do segundo ciclo, o distrito de Pemba-Metuge planificou 402 hectares de culturas diversas, prevendo produzir 603.6 toneladas. Para isso, os camponeses neste ponto de Cabo Delgado receberam da direcção provincial de Agricultura semente de hortícolas, feijões e batata-reno. No entanto, os camponeses não precisaram de ajuda no que diz respeito à semente de milho, pois recorreram aos excedentes da safra anterior.
- Pedro Nacuo