M. Margarida Pereira-Müller
Após 40 anos, voltei à Beira. O aeroporto da Beira continua pequeno, tal como era em 1971. O nosso primeiro destino era a Gorongosa.
Como estaria agora essa maravilhosa reserva que eu visitara quando tinha apenas 12 anos?
No caminho, passámos vilas, aldeias e quintais de palhotas. Do meio dalgumas palhotas saía o fumo das comidas a serem preparadas. À beira da estrada, grande actividade comercial: em bancas de adobo ou simplesmente no chão, vende-se fruta, legumes, madeira, capulanas, vassouras, tigelas, enfim, tudo o que é necessário. Cruzavam-se connosco ao longo das estradas homens, mulheres, crianças transportando tudo à cabeça ou nas suas bicicletas: jerricãs amarelos de água, feixes de lenha, sacos de carvão, galinhas ou cabras vivas, fruta, cadeiras, etc.
Mesmo ao cair da noite, à hora do encerramento, chegámos aos portões de entrada da Reserva da Gorongosa. O Sr. Bonde Escova, funcionário ainda do tempo dos portugueses, recebeu-nos com toda a correcção e cortesia.
Sente-se o esforço que o governo está a fazer com a ajuda da Fundação Greg Carr para tornar a colocar a Gorongosa no circuito das grandes reservas naturais de África. Foram recuperados antigos funcionários, novos estão a ser recrutados e formados, há preocupações ambientais. Mas foi necessário começar da estaca zero. Do fulgor e da riqueza dos anos 70 com uma das mais densas populações de vida selvagem de toda a África, incluindo os big five, e mais de 500 espécies de pássaros resta o local.
Na época colonial, o histórico acampamento de Chitengo tinha piscinas, bar e clube nocturno, uma estação de correios e um posto de abastecimento de combustível, urgências, loja de artesanato e um restaurante.
Durante a guerra civil, praticamente tudo se perdeu: as casas foram abandonadas, os animais foram caçados para alimentar quem tinha fome — mas também para alimentar a cobiça dos caçadores furtivos. Outros fugiram. 95 % dos animais de grande porte desapareceram e os ecossistemas foram alvo de grande pressão. Dos 2200 elefantes que havia, sobraram 108. Dos 500 leões nem um. Dos 14 mil búfalos,
três mil zebras, 5500 bois-cavalos, 3000 hipopótamos, praticamente tudo desapareceu. Mantiveram-se os macacos, os inhacosos e os crocodilos.
Actualmente, nos 4000 km² do Parque Nacional da Gorongosa e graças ao esforço de repopulação da Fundação Carr já existem quase duas dezenas de zebras, três centenas de elefantes, três centenas de hipopótamos e búfalos, além de muitos animais de pequeno porte. No parque vêem-se milhares de facoceros, inhacosos (pivas), imbabalas, oribis, impalas, cudos, crocodilos, galinhas de mato, pala-palas, elandes, macacos comuns, macacos de cara preta, alguns cabritos cinzentos. Até vimos um gato serval e, para espanto de Alfredo Macadona, o guia que nos levou no último dia à famosa Casa dos Leões (sem leões, para muita pena nossa), um grupo de bois-cavalos (gnus), dos 180 que foram reintroduzidos em Setembro de 2007, vindos da África do Sul.
Também o acampamento do Chitengo está a ser recuperado para receber turistas. O restaurante, de arquitectura bem africana totalmente aberto nos lados, serve todas as refeições e snacks. Os bungalows têm ar condicionado. Novos bungalows estão a ser construídos. Entre as 22h e as 5h30, a vida faz-se à luz de velas… e sem ar condicionado, pois os geradores são desligados.
Bué Maria
Depois do mini-safari, fomos com o guia Adolfo Macadona até Bué Maria para ver o pôr-do-sol - que não vimos por estar tudo encoberto. A natureza tem dessas partidas e não está ali para satisfazer os caprichos momentâneos dos turistas.
Mas vimos belas alamedas de palmeiras boraço, as palmeiras africanas (Borassus aethiopiuma ), cuja resina (sura) se pode beber sem problemas até três horas após ter sido recolhida — mas que começa a fermentar passado esse tempo e fica um delicioso vinho, o famoso vinho de palma. E vimos alamedas de acácias xanthophloea, tão ricas em tanino que são utilizadas na elaboração de tintas e produtos farmacêuticos – e a que Livingstone deu o nome de “yellow fever tree”.
E ficámos a conhecer a bela e romântica história de Bué Maria, a mulher que se apaixonou sem ser correspondida e que ao carpir as suas mágoas num dos rochedos foi levada por um turbilhão de vento que por ali passou.
Cascatas de Murombodzi
Estando na reserva aproveitámos para fazer uma caminhada pela Serra da Gorongosa, indo até às cascatas de Murombodzi.
Grande parte do desenvolvimento do ecoturismo centra-se na Serra da Gorongosa – uma fonte vital de água para o parque e habitat natural para muitas espécies raras de aves e plantas.
O PNG está a trabalhar com as comunidades que aí vivem para proteger a serra, formando guias e cobrando taxas de entrada na serra, cujo valor é depositado numa conta bancária gerida pela comunidade. Os turistas que optem por fazer caminhadas na serra estarão a contribuir directamente para o negócio do ecoturismo e oferecer à comunidade local uma alternativa às queimadas agrícolas destrutivas.
Do acampamento do Chitengo até à Vila da Gorongosa são aproximadamente 40 –50 minutos. No final da vila, sai-se da estrada nacional e mete-se por uma picada, muito estreita, somente com a largura do jipe, ladeada de machambas de milho e de mapira! De quando em quando cruzam-se connosco homens que vão trabalhar as suas machambas, mulheres que vão lavar a roupa ou buscar água ao rio e crianças a caminho da escola com o seu banquinho à cabeça – é que a escola é só um lugar, uma casa se a comunidade tiver posses ou a sombra duma árvore frondosa. Cada criança tem de levar não só os cadernos, os livros e as canetas, mas também o banquinho ou a cadeira para se sentar; caso contrário senta-se no chão.
Connosco foi o Sr. Castro, um jovem guia, muito solícito e motivador. Deixámos o carro no quintal do Sr. Esteves, o encarregado do régulo de Murombodzi que tem por tarefa por função gerir o livro de visitantes da cascata e recolher os 100 meticais da entrada no regulato.
A caminhada de aproximadamente
A quantidade de água que cai cheia de força e energia pelos diversos patamares rochosos é tal que o barulho mal nos deixa ouvir o que os outros dizem. Com a ajuda do Sr. Castro trepámos até ao último patamar e tomámos um revigorante duche debaixo das cascatas. A força é tal que quase nos derruba. A água é límpida, cristalina, fresca. Saindo debaixo do caudal e dando um passo em frente, tivemos um espectáculo inesquecível: um arco-íris de 360º connosco no meio!!!!! Fantástico! Respirámos fundo e ali ficámos a embeber toda a magia africana.
In MAIA HOJE – 25.06.2010