MUEDA, na província de Cabo Delgado, a terra dos mártires de 16 de Junho de 1960, clama por um desenvolvimento rápido. A energia de Cahora Bassa, cujos sinais de chegada ao distrito já são visíveis, é aguardada com enorme expectativa e esperança pelos residentes locais, sobretudo entre os sobreviventes e combatentes da luta de libertação nacional. Aliás, estes entendem que o mais importante foi a independência nacional, o resto vai sendo gradualmente resolvido.
Maputo, Sábado, 19 de Junho de 2010Notícias
Tratou-se de uma homenagem de Estado, em reconhecimento do papel desempenhado pelos mártires de Mueda para a unidade dos moçambicanos contra a dominação estrangeira. A vila, com poucas infra-estruturas e carências das mais elementares, tornou-se ainda mais pequena para acolher tanta gente que para ali se deslocou para prestar tributo àqueles que serviram de fonte de inspiração para a unidade em torno do ideal da independência nacional.
As cerimónias centrais consistiram na deposição de uma coroa de flores no memorial erguido em homenagem aos mártires, inauguração do Centro de Interpretação do Local Histórico, visita à exposição temática sobre o massacre, apresentação de actividades culturais e do drama do acontecimento e realização de um comício popular.
O MASSACRE DE MUEDA VISTO POR ALGUNS SOBREVIVENTES
Andrásio Richardi Ntundu tinha 14 anos quando ocorreu o massacre de Mueda. Ele vive actualmente em Pemba. Segundo afirmou, o que aconteceu no dia 16 de Junho de 1960 foi uma barbárie, uma brutalidade.
“Eles mataram pessoas indefesas. O povo, sob liderança de Fasutino Vanomba e Shibiriti Waduvane, somente exigia independência. Mas para os portugueses, isso era um abuso, uma ofensa. Dispararam indiscriminadamente contra os presentes. Éramos muitos aqui no pátio. Eu e outros conseguimos fugir, mas muitos tombaram”, disse.
No entanto, para aquele sobrevivente, o massacre de Mueda impulsionou a unidade dos moçambicanos, pois dois anos mais tarde, os três movimentos nacionalistas conseguiram fundir-se, sob a liderança de Eduardo Mondlane, e formaram uma só força, a Frente de Libertação de Moçambique.
Andrásio Ntundu afirmou que Mueda é um lugar histórico de grande dimensão e simbolismo. Por isso, gostaria de ver a vila em franco desenvolvimento. “Estou satisfeito por estarmos independentes. Porém, ainda nos ressentimos de algumas dificuldades como carência de água, energia eléctrica, escolas e hospitais. Julgo, no entanto, que com a promessa da energia eléctrica de Cahora Bassa, a vida vai mudar aqui em Mueda”, disse.
Para Januário Macai, 75 anos, os mártires de Mueda não morreram em vão. O objectivo pelo qual o seu sangue foi derramado tornou-se uma realidade a 25 de Junho de 1975, com a proclamação da independência nacional.
“O objectivo principal foi alcançado. O resto está sendo concretizado gradualmente. O país é vasto e as necessidades são enormes. As necessidades não são somente de Mueda, mas sim de todos os moçambicanos. Somos um país pobre e estamos neste momento engajados no combate à pobreza. No entanto, gostaria de ver um desenvolvimento particularmente rápido de Mueda, pois foi a chama da unidade. Gostaria de ver mais infra-estruturas, mais estradas, mais água e energia. A energia aqui na vila é com base em gerador”, anotou, descrevendo o massacre como tendo sido um acontecimento impiedoso perpetrado pelas autoridades coloniais portuguesas contra um povo indefeso.
Baltazar Félix Nchilema, 70 anos, disse ter presenciado o massacre, pois também havia se deslocado ao pátio da administração para ouvir o que o então governador colonial de Cabo Delgado iria dizer sobre a independência.
“Tudo isto aqui (pátio da administração) estava cheio de gente. Os nossos líderes eram Vanomba e Shibiliti. Quando eles foram presos, o povo começou a reagir. Eles vinham falar com as autoridades coloniais portuguesas sobre a independência. O governador ordenou que os soldados disparassem contra nós. Muitos morreram aqui mesmo e outros fugiram. Eu fui um deles que fugiu”, disse.
Baltazar Nchilema manifestou-se satisfeito por hoje viver num país independente e poder decidir sobre os seus destinos. Afirmou que antes do massacre de Mueda, os moçambicanos, particularmente os residentes de Mueda, não tinham conhecimento do sofrimento a que outros estavam sujeitos.
“Só sabíamos que os makondes é que sofriam. Não tínhamos conhecimento de que o sofrimento era extensivo a todos os moçambicanos. Os portugueses obrigavam-nos a produzir algodão e sisal. Era um sofrimento terrível”, contou.
Disse que os jovens têm a tarefa de continuar a construir um país próspero, onde não haja divisão, pois a semente da liberdade já foi lançada. Tal como os seus predecessores, Baltazar Nchilema pediu para que o Governo faça tudo o que estiver ao seu alcance para que Mueda tenha um desenvolvimento rápido.
Constâncio Estanislau Djomba, 68 anos, também esteve presente naquele dia fatídico. Também se recorda de que o local onde ocorreu a carnificina estava abarrotado de gente e que a ordem de matar saiu do governador.
“Eu estive aqui. Muita gente morreu. Eu tinha na altura 19 anos. Quando começaram a falar lá dentro, nós cá fora escutávamos. Antes do massacre, Vanomba e Shibiriti, que vinham da Tanzania, falavam com as pessoas nas aldeias sobre a liberdade. Eles diziam que os portugueses deviam deixar de nos humilhar na nossa própria terra. Numa dessas aldeias, na madrugada de 16 de Junho, Shibiriti disse-nos que iríamos a Mueda e que os portugueses podiam matar-nos, mas o movimento reivindicativo não devia desaparecer”, afiançou.
Constâncio Djomba considerou que o massacre de Mueda irrigou a unidade dos moçambicanos para a independência. Disse que o país está hoje livre da dominação colonial, possui a sua própria soberania e identidade e os moçambicanos são donos do seu próprio destino.
“Vencemos a abelha e hoje estamos a comer o mel da independência. Mueda é um lugar histórico. Mas não basta dizermos que é um lugar histórico. É preciso que o Governo invista nesse mesmo lugar histórico. Precisamos de água, de energia eléctrica, de hotéis, de hospitais, enfim, precisamos também de desenvolvimento. Se houver a energia de Cahora Bassa, as coisas poderão mudar aqui", disse.
Por seu turno, Luís Miguel Magunga, 66 anos, recorda-se de o governador colonial ter dito às pessoas que estavam concentradas no pátio da administração naquele dia que iria aumentar os preços dos produtos dos camponeses para melhorar as suas vidas e que deviam respeitar a bandeira portuguesa.
“Nós recusamos. Dissemos que não era isso que queríamos ouvir. Queríamos ouvir falar da independência. Houve muita confusão, depois que Vanomba e Shibiriti foram algemados e ele ordenou que os soldados abrissem fogo. Eu consegui fugir com a minha bicicleta. Outros que conseguiram fugir deixaram as suas bicicletas. Muita gente morreu”, afirmou.
Luís Miguel Magunga disse sentir-se satisfeito e bastante honrado por estar livre e poder contar hoje a história do massacre de Mueda, cinquenta anos depois.
Tal como outros sobreviventes e combatentes da luta de libertação nacional, Luís Magunga está esperançoso de que com a energia de Cahora Bassa, Mueda vai mudar de face.
- Felisberto Arnaça