Por Fábio Zanini
Robert Mugabe mete medo. Quando coloca seus famosos óculos escuros, dá pavor. Cercado de dez soldados armados, então...
Mas quem o conhece diz que ele é capaz de momentos de alguma gentileza, quando as coisas acontecem à sua maneira. A autora da melhor biografia dele, a sul-africana Heidi Holland, o define como uma criança mimada: esfuziante quando consegue o que quer, insuportável quando nada funciona (o livro dela chama-se “Dinner with Mugabe”, aliás).
Ontem, deu tudo certo para ele na partida entre Brasil e Zimbabwe, no Estádio Nacional de Harare. Cerca de 60 mil pessoas ovacionando o velho ditador, prova de que ainda há respeito residual pela sua biografia de libertador do país e, sobretudo, gratidão por ele ter trazido os “Samba Boys” (curioso nome dado à selecção) a Harare.
Então, por que não tentar uma conversa? O embaixador do Brasil no Zimbabwe, Raul de Taunay, já havia me dado a dica: Mugabe hoje pode falar. Não deu outra.
Imprensa e autoridades dividiam o mesmo espaço na tribuna de honra do Estádio Nacional. Ministros, deputados, embaixadores e líderes militares se misturando a jornalistas. Mugabe sempre cercado por um perímetro móvel de soldados, que se posicionam de maneira curiosa quando ele anda. Vão abrindo espaço no meio da multidão, sempre deixando o ditador livre no meio de um círculo de um metro mais ou menos de raio.
Cheguei decidido a pelo menos tentar uma palavrinha com ele. Na chegada de Mugabe ao estádio, dei azar. Esperei dez minutos na entrada da tribuna de honra e, na hora em que decidi dar uma olhadinha no jogo já rolando, ele chegou.
Mugabe passou a partida afundado numa poltrona, ao lado de sua segunda mulher, Grace, vestida elegantemente, como se estivesse a caminho do Óscar. Ficou a maior parte do tempo imóvel, mexendo-se apenas nas raras oportunidades de ataque do Zimbabwe. Na hora do intervalo, saiu e foi para uma sala vip, junto de seus asseclas mais próximos. Novamente o segui, mas novamente a tentativa da perguntinha passou em branco.
Restava a saída do jogo. A festa havia sido óptima para ele. Mugabe tinha tudo para estar feliz da vida. Entre a tribuna de honra e sua limusine, há um corredor de não mais que
Primeiro vieram os soldados abrindo caminho. No meio do círculo, a figura inconfundível de óculos escuros caminhando lentamente, mas de maneira firme. Mugabe tem 86 anos de idade, mas poderia passar por 68. Joguei minha isca favorita, que na verdade quase nunca funciona:
-Mr. President, a question for
Ontem funcionou. Ele parou, virou para direita e assentiu com a cabeça. Entrei no perímetro de segurança, autorizado de maneira relutante pelos soldados. Fiquei a meio metro, com o braço estendido e o gravador ligado, a estranha sensação de estar colado numa das grandes figuras da África no século 20. O homem que deu ao povo zimbabueano um país independente e depois o arruinou. O último remanescente entre os libertadores africanos.
Um minuto e meio de conversa, seis perguntas respondidas. Primeiro sobre futebol, depois sobre política e sobre Lula. Respostas com voz decidida e clara.
Fomos caminhando e um único momento de fragilidade se revelou na figura que é hoje o maior símbolo do “homem forte africano”. Ao descer dois degraus, precisou escorar-se nos soldados. Mugabe não é imortal.
Essa é a íntegra da entrevista:
EU- O sr. gostou do seu time?
ROBERT MUGABE - Sim, claro! Nós demos a eles [Brasil] bastante trabalho.
EU - Qual a sensação de ter hospedado o Brasil aqui no Zimbabwe?
MUGABE - Bem, é um grande evento para nós. O Brasil, como você sabe, é um bom time, é o melhor time do mundo, provavelmente. E eles nos deram uma honra. Então estamos muito felizes.
EU - Como estão as relações entre Brasil e Zimbabwe hoje?
MUGABE - Temos boas relações. Temos relações diplomáticas, dividimos ideias, temos um bom comércio...
EU - Que tipo de ideias vocês dividem?
MUGABE - Ideias em relação, por exemplo, à agricultura, em relação a várias políticas e assim por diante. O Brasil é um país agrícola, entende? É um povo agrícola, e nós também somos um povo agrícola.
EU - O sr. vê o presidente Lula como um aliado?
MUGABE - Sim, sim, eu estive com ele no mês passado no Irão, em Teerão, nós estivemos juntos.
EU - Essa partida é um endosso ao seu governo?
MUGABE - Claro, claro, ajuda muito na imagem do Zimbabwe. Pelo menos é o que eu espero, de qualquer forma.
SAVANA – 18.06.2010