A talhe de foice
Por Machado da Graça
Nos últimos tempos tenho visto alguns protestos contra a produção, no nosso país, de biocombustíveis.
Os argumentos usados são, essencialmente, dois:
. Os biocombustíveis vão ocupar terra que poderia ser utilizada para produzir comida;
. As plantações de biocombustíveis vão gastar a água necessária à irrigação das plantações de comida.
. As plantações de biocombustíveis vão ocupar áreas onde hoje existe fauna e flora que devem ser protegidos.
Os biocombustíveis vão servir os carros dos países ricos.
Não sendo eu especialista nestas matérias vou-me basear apenas no que é do domínio público, e em algum bom senso, para dizer que não estou de acordo com esses protestos.
Vejamos porquê.
Sempre ouvi dizer que o nosso país tem terra arável em muito grande abundância, que não está a ser aproveitada. Que, com o número actual de moçambicanos, e mesmo com o crescimento que se prevê, continuará a haver terra mais do que suficiente para todo o tipo de actividades agricolas.
Ora o problema da competição entre terra para produzir comida e terra para os bio-combustíveis existe, de facto, nos países onde já não há terra disponível. Onde para introduzir um tipo de cultura é preciso retirar espaço para outro tipo de cultura.
Se bem percebo, isso aqui não acontece e podem-se atribuir terras para produzir os biocombustiveis sem retirar nenhuma terra à produção de alimentos. As duas coisas podem funcionar em paralelo, sem entrar em conflito.
A questão da água também me não parece um obstáculo intransponível.
A produção de biocombustíveis é negócio. E pode ser negócio chorudo, envolvendo investimentos e lucros enormes. Portanto, ao atribuir licenças para esse tipo de exploração, deve ficar claro que os investidores devem ser responsáveis por providenciar água ao seu empreendimento, fazendo barragens, canais, seja o que for que se mostre necessário, sem utilizar a água que, neste momento, é destinada à população e à produção alimentar. Pelo contrário, esses investimentos poderão, marginalmente, até fornecer à população local as quantidades de água que ultrapassarem as suas necessidades.
Já o argumento ecológico me causa maior preocupação. Sou, desde sempre, um apaixonado pela vida selvagem, frequentador assíduo de parques naturais e defensor de zonas de protecção rigorosa do ambiente, como ele existe hoje, para que os nossos descendentes possam vir a beneficiar dele no futuro.
Mas, por outro lado, percebo que o país precisa de se desenvolver economicamente e, para isso, vai necessitar de utilizar extensas áreas que hoje estão completamente selvagens. Ou com pouquíssima presença humana, palco do tal conflito homem-fauna bravia.
E, também aqui, parece-me que há espaço para todos. O que creio necessário é que se faça um estudo sério, que permita traçar fronteiras muito claras entre o que é reserva natural e o que é área para presença humana e exploração económica. Fronteiras que podem ir (se calhar devem ir) até ao levantamento de vedações que, por um lado, impeçam a fauna bravia de invadir as zonas de permanência humana e, por outro lado, não permitam a entrada de caçadores furtivos nas áreas de protecção da fauna e flora.
E penso que temos muito a aprender com os nossos vizinhos sul-africanos. Andando pela zona da África do Sul mais próxima do nosso país. Numa simples viagem pela estrada que vai da fronteira de Ressano Garcia até Mbombela (antiga Nelspruit) vemos zonas de protecção (estatais ou privadas) e zonas de plantações agrícolas, por vezes lado a lado, mas sempre com a devida vedação a separar uma coisa da outra. E com regras bem definidas sobre como se lida com um tipo de aproveitamento da terra e como se lida com o outro.
Entre nós, na maior parte do país, não existe a cultura da vedação mas, cada vez mais, vai ser necessário recorrermos a elas para podermos determinar que zonas devem ser deixadas como estão e que outras zonas podem ser atribuídas para exploração económica. Por exemplo para a produção dos tais biocombustíveis.
Já o argumento de que os biocombustiveis vão ser produzidos para os carros dos países ricos me parece um bocado demagógico e de pouco, ou nenhum, peso.
Se a produção for significativa, naturalmente passará a haver, cada vez mais, veículos moçambicanos a usar esse tipo de combustível. Temos o exemplo do Brasil onde uma percentagem significativa dos veículos funciona com o alcool produzido naquele país.
Hoje já produzimos gás natural e isso está a levar a que se comprem autocarros e outros veículos que funcionam a gás e existe já uma canalização para trazer o gás até à Matola para consumo local.
E mesmo o combustivel exportado significará divisas a entrarem no país para aumentar a riqueza nacional.
Não me parecem, portanto, correctos os protestos.
Mas, volto a dizer, não sou especialista na matéria e pode ser que haja quem tenha argumentos melhores do que os meus.
Para isso servem os debates.
SAVANA – 23.07.2010