JOÃO MANUEL ROCHA
Académicos destacam potencial "diplomático e político" da comunidade, vista como interessante por "ter lá dentro" Brasil, Angola e Portugal
Austrália, Indonésia, Luxemburgo, Suazilândia, Ucrânia. Subitamente foi como se o mundo descobrisse a importância da CPLP e os candidatos à adesão enquanto observadores fizessem fila para entrar numa organização em cujas virtudes poucos tinham reparado nos 14 anos que leva de existência. Cedo se percebeu que as situações são diversas entre si, com a Austrália a dizer que o único "pedido oficial" que fez foi para o seu embaixador em Brasília assistir à cimeira que hoje decorre em Luanda. Mas o essencial ficou: a comunidade de países lusófonos tornou-se atraente.
Motivações económicas? Também. Embora o interesse possa ser mais político, a crer nas opiniões de académicos ouvidos pelo PÚBLICO, segundo as quais as vontades de adesão são - como afirma Fernando Jorge Cardoso, do Instituto de Estudos Estratégicos - sinal de que a CPLP "não é uma coisa com tão pouca importância como normalmente dão a entender muitas análises".
"Quando nós começamos a receber esta atenção e este nível de interesse por parte de países que, a priori, não pareceria terem afinidades, interesses tão óbvios, isso deve alertar-nos para aquilo que a CPLP pode significar", disse à Lusa o secretário executivo da organização, Simões Pereira, quando começou a polémica sobre a provável adesão como membro de pleno direito da ditadura da Guiné Equatorial, até aqui observador, como o Senegal e a ilha Maurícia.
Suazilândia e Ucrânia formalizaram já o pedido para serem observadores, o Luxemburgo, tal como a Austrália, solicitou um "convite especial" para estar na cimeira de Luanda e a Indonésia vê com bons olhos a participação numa organização em que foi incentivada a envolver-se. "A ideia de trazer a Indonésia e a Austrália para observadores da CPLP existe há algum tempo. Foi em primeiro lugar su- gerida por Timor-Leste e Portugal. Recentemente, o Presidente Ramos Horta voltou a referi-lo em Xangai. Apreciámos a simpática recomendação e estamos a considerá-la", disse num depoimento escrito o embaixador de Jacarta em Lisboa, Albert Matondang, que lembra a influência do contacto com os portugueses de Quinhentos no idioma indonésio.
O interesse do Luxemburgo é explicado pelo seu embaixador em Portugal, Alain de Muyser, pelo facto de "um quinto da população [do seu país ser] luso-falante" e pelas "historicamente excelentes relações bilaterais com todos os países da CPLP, principalmente Portugal e Cabo Verde, em matéria política e económica". A organização "tem um papel crescente no plano regional e internacional. O nosso interesse é ter um enviado especial junto da CPLP para poder compreender melhor os seus fins e objectivos, que para nós não podem ser apenas a defesa da língua".
Adelino Torres, professor do Insti- tuto Superior de Economia e Gestão, encontra no interesse pela CPLP também razões comerciais e económicas - de acesso a mercados para escoamento de produtos e obtenção de matérias-primas -, mas considera que a grande vantagem para os países que se associam é terem "um pé em mais uma plataforma com acesso directo à União Europeia, através de Portugal, e à América Latina, através do Brasil, mesmo que seja como observadores". "É atraente porque é uma placa giratória entre Europa, África e América Latina. É mais um sítio onde têm voz."
Cláudio Ribeiro, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atribui a atracção da CPLP ao facto de ela facilitar o "diálogo e proximidade política" com o Brasil - que adquiriu um peso muito importante nos fóruns internacionais - e também com a União Europeia, através de Portugal. "Com um custo baixíssimo, que é favorecer a promoção da língua portuguesa, você tem um canal de diálogo diferenciado", diz este especialista em relações entre Brasil e África, segundo o qual a discussão sobre a abertura da CPLP pode "[ajudá-la] a definir-se melhor".
Investigador em Economia do Desenvolvimento e Assuntos Africanos, Adelino Torres discorda da adesão como membro efectivo da Guiné Equatorial - um "regime de facínoras, assassinos e ladrões que têm petróleo, profundamente fascista" - e considera mesmo que com a passagem de países não-lusófonos a membros perde-se "a própria razão de ser" da comunidade. Em seu entender, "a CPLP, que não deve assentar apenas na língua, terá todo o interesse em que haja [novos] membros como observadores, porque [isso] pode fortalecer a sua zona de influência. Mas apenas como observadores".
Contra a corrente
Fernando Jorge Cardoso, para quem a atracção da organização reside no facto de "estarem lá dentro o Brasil, Angola e Portugal", tem uma perspectiva bem diferente e defende, se necessário for, uma mudança de estatutos para "aceitar quem não fale Português" e pretenda ser membro efectivo. "É perfeitamente normal e prova de crescimento da CPLP", afirma.
O director do Instituto de Estudos Estratégicos discorda dos que "querem puxar a CPLP para uma comunidade de negócios ou económica" e olha para ela como "organização internacional que pode ter uma actuação diplomática e política interessante", que oferece "vantagens políticas, de influência" aos seus membros. Na CPLP "não há um fundo, um orçamento, os países não entram para beneficiar disso", ao contrário, refere, do que acontece, por exemplo, na Commonwealth, à qual Moçambique aderiu por motivações políticas mas também por razões económicas.
Contra a corrente, e apesar de condenar a ditadura da Guiné Equatorial, Fernando Jorge Cardoso é favorável à sua entrada na comunidade lusófona. "Pegando no interesse claro das elites no poder, os países da CPLP devem aproveitar para impor condições de entrada: não uma entrada imediata mas a prazo, desde que seja adoptada uma política de abertura", que passe por acções como a "verificação da situação dos presos políticos" e a in- trodução de medidas que levem a "mais direitos". "O contrário disto é dizer: "Não entra porque é mau"... E vai continuar mau".
Marcolino Moco, primeiro-secretário executivo da CPLP, entre 1996 e 2000, vê com agrado o interesse de novos países. "Penso que é um bom sinal, aliás, em conformidade com as tendências do nosso tempo. Veja-se que as congéneres Commonwealth e Francofonia acolhem estados lusófonos como Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau. O que é necessário é não perder-se a própria fisionomia", disse ao Novo Jornal, de Luanda._._,_.___
PÚBLICO – 23.07.2010