Aproxima-se de forma galopante o fatídico dia do 50.º aniversário da invasão do Estado Português da Índia, 18 de Dezembro de 1961. De todas as obras publicadas sobre este facto histórico, o Livro do 1.º Ciclo de Conferências da Cooperativa Militar, intitulado Revisitar Goa, Damão e Diu, acabado de ser editado pela Liga dos Combatentes, será, seguramente, de capital importância.
Não vou justificar nem explanar as razões que suportam esta afirmação, pois, mal acabei de ler o seu prefácio, senti-me compelido a escrever este texto. De entre os vários temas abordados no rico preâmbulo da autoria do general António Ramalho Eanes, aquele que mais me tocou foi, sem qualquer sombra de dúvida, "A injustiçada Goa".
Por saber estar preparada para assumir o futuro nas suas próprias mãos, foi com conhecimento de causa que ali escreveu, acertadamente, aquele que há bem pouco tempo foi Presidente da República Portuguesa: "Outro destino merecia Goa, bem diferente do que sofreu." Goa foi injustiçada.
A sua afirmação não se fundamenta em conhecimentos livrescos ou em vagos testemunhos de terceiros, mas de experiência vivida na terra onde prestou serviço militar, razão pela qual pôde afirmar que Goa "possuidora era de uma unidade e continuidade, de uma personalidade histórica, de uma tradição própria, distintiva entre todas as tradições existentes no subcontinente indiano." Realmente, é possível que Goa tivesse feito parte do grande império de Axoka, no século III a. C. Um dos impérios nascidos da sua fragmentação foi o dos Kadambas. Jayakexi, que nele reinou em 1052 da nossa era, fez de Goa a sua capital. No século XIII vai ser apoderada pelos muçulmanos e em 1367 pelo rajá de Vijayanagar ou Bisnagar. Algures entre esta data e 1440, os goeses expulsam os seus novos invasores e tornam-se independentes.
Sempre cobiçada, volta a cair nas mãos dos muçulmanos em 1473 para vir a ser conquistada por Afonso de Albuquerque em 25 de Novembro de 1510.
Ramalho Eanes constatou pessoalmente que em 1950 Goa tinha uma numerosa elite, 37% do total da sua população. Ali se praticava uma cultura de tolerância e de respeito mútuo, pois "em coexistência legal e vivencial coabitavam comunidades tão diferentes quanto eram a hindu, a cristã, a muçulmana, a parse e outras com menor expressão".
Mas será que Goa possuía quadros técnicos suficientes e condições económicas necessárias para poder decidir o seu futuro?
A sua resposta é afirmativa: "E a verdade é que Goa possuía ou podia criar todas as condições para decidir o seu futuro e viver em paz e progresso. A numerosa elite goesa detinha lugares cimeiros em todos os subsistemas sociais (justiça, saúde, educação, fiscalidade, etc.) no tempo em que eu, alferes e tenente, servi na Índia. Possuía recursos minerais substanciais e uma agricultura sólida. Condições especiais de atracção turística possuía - geográficas, paisagistas, humanas (coexistência pacífica de várias comunidades), património erigido. Condições detinha, pois, para assegurar futuro económico sustentado." Se, conforme corrobora, a questão de Goa dizia respeito aos goeses, se ela reunia todas as condições para ser independente, se "Goa, sobretudo, mas a Pátria portuguesa também mereciam que diferente tivesse sido o destino do Estado Português da Índia", por que não se concretizou este desiderato?
Mais clara e directa não podia ter sido a sua resposta. Por causa da "incompetência geopolítica de Salazar" e da "atitude dominadora, nimbada de colonialismo e imperialismo" de Nehru.
Para o autor do prólogo, Salazar não revelou ter a grande visão política necessária em momentos capitais da história universal, razão pela qual perdeu a oportunidade de fazer de Goa o Brasil do Oriente: "Salazar poderia ter sido o autor desse diferente e inovador destino. Oportunidade teve de fazer de Goa um novo Brasil, o 'Brasil do Oriente'. Na verdade, a seguir ao termo da guerra de 1939-45, todas as condições internas e internacionais teve para meter ombros a esse propósito. Infelizmente, não soube ouvir o desejo político - o justo desejo político - de parte significativa da elite goesa. Não teve discernimento geopolítico para perceber a oportunidade única de responder, com correcta antecipação geopolítica, às exigências da evolução histórica do mundo."
Do seu ponto de vista, faltou a Salazar o golpe de asa para poder conquistar um lugar de relevo na história do mundo: "Salazar não quis - ou não foi capaz - de protagonizar esse gesto devido e conveniente, não teve esse golpe de asa que faz conquistar lugar de relevo na história do mundo." Todavia, para Ramalho Eanes a culpa não é só de Salazar, todos nós temos a nossa quota-parte de responsabilidade: "E a verdade é que a Sociedade Civil portuguesa, que ele colonizou e que mais amorfa, passiva, ausente do acontecer público nacional ele tornara, o não exigia."
Na verdade, os homens deixam a sua indelével marca na história universal quando nascem no momento certo e no local certo.
Outro destino teria Goa se António Ramalho Eanes tivesse sido Presidente da República Portuguesa antes de 18 de Dezembro de 1961.
VALENTINO VIEGAS, Historiador
DIÁRIO DE NOTÍCIAS(Lisboa) – 29.06.2010
Ver: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/05/o-general-eanes-e-a-queda-de-goa.html