Numa área marinha protegida
Por Emídio Beúla
Os Governos de Moçambique e do Botswana assinaram, na última Sexta-feira em Matutuíne, um memorando de entendimento com vista ao desenvolvimento de um polémico Porto de Águas profundas em Techobanine, uma das pontas turísticas que fazem a costa do distrito que fica no extremo sul da Província de Maputo.
A Ponta Techobanine fica na costa do distrito de Matutuíne, numa área marinha protegida por lei. Foi em Julho de 2009 que o Conselho de Ministros, reunido na 14ª Sessão Ordinária, declarou cerca de 700 quilómetros da costa de Matutuíne Reserva Especial Marinha da Ponta d´Ouro (REM). A aprovação do decreto visava a protecção e conservação dos recursos marinhos e terrestres únicos da zona e promover um turismo sustentável.
Inicialmente projectado para a Ponta Dobela, o porto de águas profundas foi deslocado para Techobanine, a ponta que conserva um dos oito maiores recifes de corais do mundo. Com a implementação do projecto, os recifes de corais - sistemas complexos de maior diversidade biológica concentrada, poderão desaparecer naquela ponta, pondo em risco a sobrevivência de uma variedade de organismos que deles buscam alimento e protecção. Uma das importâncias dos recifes de corais é a formação de barreira contra a força das ondas do mar, evitando a erosão.
Outro aspecto é que o acesso ao Porto deverá ser feito a partir da Reserva Especial de Maputo, uma área de conservação tutelada pelo Ministério do Turismo (MITUR), e que ainda se encontra na fase de restauração. Escusado referir que alguns projectos deverão ser afectados.
“Seremos responsáveis”, Ministro do Turismo
“Harmonizámos o projecto e procurou-se afastar o porto dos sítios mais sensíveis”, assim se pronunciou Fernando Sumbana, Ministro do Turismo, quando o SAVANA o interpelou na tarde de terça-feira da semana passada, à sua saída do Conselho de Ministros.
Apesar de vigorosos protestos por parte de várias organizações ligadas à protecção da biodiversidade e de funcionários do seu próprio ministério quanto à decisão de construir o porto e a respectiva linha férrea de 1100 quilómetros até ao Botswana, Sumbana manifestou-se optimista, garantindo que a REM da Ponta D‘Ouro deverá prosseguir com as suas actividades em paralelo com o porto.
“Em local onde o porto vai se situar há possibilidade de mitigar qualquer impacto negativo”, disse Sumbana em referência à Ponta Techobanine, exactamente o local onde se localiza um dos oitos maiores recifes do mundo. Para todos os efeitos, diz o ministro, o comando do Governo é de que devem ser realizados estudos de impacto ambiental que mostrem que a área marinha protegida não será prejudicada pelo projecto do porto.
À insitência do SAVANA sobre os ecossistemas sensíveis que estão em Techobanine, Sumbana respondeu que “foram feitos levantamentos e concluiu-se que é possível desenvolver essas actividades com os afastamentos devidos sem criar qualquer tipo de problemas”. O ministro indicou que experiências de vários países confirmam a conclusão governamental.
“Vou-lhe dar um exemplo: em Durban há uma zona completamente industrial e comercial, mas ao lado tens as praias que são visitadas por pessoas de todo o mundo”. Para aquele governante, o mais importante é prosseguir com o espírito de responsabilidade em relação aos estudos ambientais.
“O ambiente não está para impedir o desenvolvimento”, MICOA
A directora Nacional de Avaliação de Impacto Ambiental no MICOA, Rosa Cesaltina Benedito, disse que já foi submetido ao seu departamento um estudo de impacto ambiental sobre a construção do Porto de Techobanine. Em declarações na quarta-feira da semana passada ao SAVANA, a directora precisou que o facto de se tratar de uma área marinha protegida não significa que não se pode desenvolver outras actividades na zona.
O importante, disse ela, é a concepção e implementação de planos de mitigação com vista a reduzir no máximo a destruição de ecossistemas. Questionada sobre como seria possível mitigar a destruição de ecossistemas numa ponta (Techobanine) que conserva um dos oito maiores recifes de corais do mundo, a directora reconheceu que “de facto haverá destruição de alguns ecossistemas”. Como que a minimizar os efeitos, a interlocutora afirmou que “o ambiente não é para impedir o desenvolvimento”, acrescentando que o estudo de impacto ambiental deverá indicar como será mitigada a destruição de ecossistemas naquela área protegida. O SAVANA apurou, que os proponentes do projecto já submenteram um estudo de avaliação do impacto ambiental ao MICOA, aguardando apenas pelo pronunciamento desta instituição governamental.
Que diz a Lei?
O Regulamento para Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro (Decreto 45⁄2006) fixa, no seu artigo 67, normas e padrões de qualidade ambiental e paisagística na construção de infra-estruturas. No seu número um, diz o artigo que a construção de infra-estruturas ao longo da costa deverá ser efectuada de modo a permitir que, em cada 100 metros, existam acessos livres às praias para qualquer cidadão e, em especial, para as comunidades locais. Nas zonas de protecção e nos ecossistemas frágeis, designadamente nas dunas e mangais, a construção é apenas permitida mediante a necessária obtenção de licença especial e respeito pela legislação ambiental em vigor, a construção de infra-estruturas básicas, designadamente para o abastecimento de água, energia eléctrica, linhas de fornecimento de telefone, drenagem de esgotos, serviços de resíduos sólidos, pequenas construções em material removível e outras de natureza similar.
Porém, o regulamento em referência abre excepção (número 4 do artigo 67) ao permitir a construção, desenvolvimento ou ampliação de obras públicas de reconhecido interesse para o desenvolvimento da economia nacional, com observância da regulamentação sobre avaliação do impacto ambiental, designadamente portos, estradas, linhas férreas, oleodutos, gasodutos e minerodutos.
Das águas profundas ao carvão tswana
O evento da sexta-feira marcou um importante passo rumo à concretização de um “velho sonho” que remota do período colonial. Inicialmente, o projecto tinha sido concebido para Dobela, uma das pontas de Matutuíne. Orçado em sete biliões de dólares norte-americanos (USD 7 biliões), o complexo portuário de Techobanine, cuja construção deverá decorrer de 2012 até 2015, deverá ocupar uma área de 30 mil hectares, incluindo 11 mil hectares para o desenvolvimento industrial. Com as previsões a indicarem para cerca de 200 milhões de toneladas de carga diversa por ano, a nova infra-estrutura deverá suplantar de longe o Porto de Maputo cuja capacidade de manuseamento de carga oscila entre as 10 a 15 milhões de toneladas ⁄ano. Aliás, a ideia é descongestionar o porto da capital do país e servir nas relações comerciais do Botswana com os seus parceiros. O projecto que deverá ser concessionado ao sector privado dos dois países, ainda não tem financiamentos garantidos.
Uma das atracções de Techobanine são as águas profundas, uma condição natural que deverá dispensar os onerosos serviços de dragagem portuária. Lembre-se que os portos de Maputo e Beira têm se servido de trabalhos de dragagem para garantirem a sua operacionalidade plena.
Outro interesse pelo porto de águas profundas na região sul de Moçambique é antigo. Dobela era a ponta inicialmente indicada para dar lugar ao projecto que deveria incluir uma terminal oceânica. O anunciado potencial carbonífero no subsolo tswana vem alimentando o interesse dos Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), a empresa pública responsável pela gestão dos serviços ferro-portuários, em montar a infra-estrutura de escoamento.
Os números sobre o potencial do carvão tswana são ainda indicativos, mas os CFM já consideram a viabilidade que o Porto de Techobanine teria no escoamento do minério para diversos mercados. Indicadores preliminares apontam para uma exploração de 40 milhões de toneladas⁄ano, um volume tão elevado que o Porto de Maputo não seria capaz de responder às necessidades de manuseamento. Os CFM dizem ainda que os elevados volumes de carga previstos vão exigir o envolvimento de navios de grande porte para o seu transporte, meios para os quais o Porto de Maputo não dispõe de capacidade para receber.
Com um contrato de concessão à Companhia de Desenvolvimento do Porto de Maputo (CDPM) prorrogado por mais 15 anos (2018-2033), o Porto da capital espera ver a sua capacidade de manuseamento de carga a triplicar daqui a aproximadamente 20 anos. Isto é, dos actuais 10 milhões de toneladas⁄ano, o Porto de Maputo deverá passar a processar 48 milhões de toneladas⁄ano a partir de 2032. Para a realização deste “sonho”, o Estado moçambicano e a CDPM deverão investir até 2033 cerca de 750 milhões de dólares. A empresa concessionária do Porto de Maputo detém uma participação de 57% e é constituída por três entidades, nomeadamente a sul-africana Grindrod e a DP World dos Emiratos Árabes Unidos, ambas com 48,5%, e a Mozambique Gestores com 3%. Os CFM controlam 33% do porto e os restantes 16% fazem parte da carteira de activos do Estado moçambicano.
De Dobela a Techobanine
Lembre-se que a 30 de Julho de 1999, o executivo moçambicano, os CFM e a Companhia de Desenvolvimento do Porto de Dobela assinaram um acordo de princípios para a edificação de um porto de águas profundas com uma terminal oceânica na Ponta Dobela, a aproximadamente 70 quilómetros da capital Maputo. O empreendimento tinha sido projectado para uma “zona económica especial” com perspectiva de incentivar negócios. Previsto para ser realizado em seis anos, o Porto de Dobela estava orçado em 515 milhões de dólares. Na fase de construção seriam criados cerca de 2.500 novos empregos. Uma vez operacional, a “zona económica especial” empregaria 10 mil pessoas, nos seus primeiros 10 anos.
A estrutura accionista do porto tinha sido distribuída em 60% para a Companhia de Desenvolvimento do Porto de Dobela e 40% para os CFM.
SAVANA – 23.07.2010