“Só que o Governador do Banco de Moçambique se esqueceu de que o Metical só não viveu esta mesma situação no ano passado porque o FMI injectou no nosso país 180 milhões de dólares.”
Esta semana, o governo cedeu à pressão das gasolineiras: anunciou aumentos nos preços da gasolina e do gás, e deixou em “banho maria” os preços do gasóleo. Gasolineiras e governo estão, assim, numa espécie de trégua de uma disputa cuja maior factura será, seguramente, paga pelos consumidores. Afinal, ao contrário de 2008 e 2009, não há eleições em perspectiva e, logo, não há necessidade de o Banco de Moçambique dar o “jeitinho” de maquilhar a economia para vender a nossa tão orgulhosa estabilidade à comunidade internacional.
O desenlace nos combustíveis foi também a consequência previsível de um dossier que ameaçava escaldar, entre o executivo e as gasolineiras. Sem muito por onde escolher, o governo como que atira uma primeira bomba à espera do seu impacto, com os aumentos na gasolina e no gás. A verdadeira bomba deverá vir com os aumentos no gasóleo e em toda a cadeia que irá (já está) despoletar, na economia. Afinal, o gasóleo representa ¾ do negócio das gasolineiras e arrasta ainda consigo o temerário factor transportes semi-colectivos.
Até agora, e é bom que se diga - o Governo aguentou o dossier combustíveis com medidas de gestão de impacto duvidoso - de algum facilitismo e populismo até, por que não o dizer? - como subsidiar as gasolineiras. E os números apresentados pelo ministro da Energia, esta semana, são assustadores: o governo deu a módica quantia de 147 milhões de dólares às gasolineiras, em apenas um ano, não para resolver um problema, mas sim para o adiar por... um ano. Preço demasiado elevado para o resultado.
E o resultado é que, 147 milhões de dólares e um ano depois, o governo tem exactamente o mesmo problema em mãos: o combustível disparou no mercado internacional, o metical desvalorizou-se e as gasolineiras voltam a cair-lhe em cima, reclamando perdas e suplicando por novos aumentos nos preços ou... por outros subsídios. Os brasileiros chamam a isto “chover no molhado”. Uma solução fácil demais para ter dado certo.
O governo diz que não estão programados novos subsídios para as gasolineiras. Nem podiam estar. O que o governo tinha a gastar de subsídios para 2010 esgotou... em Março e sabe-se lá como, agora, vai suportar os subsídios aos transportadores, com os aumentos que em breve vai fazer no preço do gasóleo.
Digam o que disserem, mas para uma economia como a nossa, gastar 147 milhões de dólares a subsidiar as gasolineiras, em apenas um ano, é dar dinheiro ao desbarato. Não fica nenhuma obra feita. Pior: mostra que temos um governo que pensa o curto prazo numa área tão sensível quanto dispendiosa para a economia.
Hoje, tal como na crise similar vivida em 2005, o governo volta ao chavão dos combustíveis alternativos. Fala da necessidade de abraçarmos os biocombustíveis e o gás natural comprimido. O primeiro problema é que só se lembra disso cada vez que é pressionado pelas gasolineiras e pela necessidade de ajustar os preços dos combustíveis.
De 2005 a 2010, o melhor que o Governo fez em matéria de uso do gás foi converter 5 autocarros dos TPM e pouco mais. Nem as próprias viaturas do Estado foram convertidas, sinal evidente de que o governo nunca acreditou, de facto, que o gás fosse a solução do problema dos clombustíveis, no país.
O segundo problema está na estrutura de usar o gás como alternativa ao gasóleo. Para além dos custos de conversão, há a capacidade real do país de infra-estruturar postos de abastecimento, por todo o território. Para o cidadão se sentir estimulado a fazer a conversão, precisa de perceber que não se está a meter num beco sem saí, que irá encontrar a necessária correspondência logística para reabastecer o seu carro, onde quer que vá. Não pode, como agora, ficar com a sensação de estar a trocar um problema real (o do elevado custo do combustível), mas resolúvel, por um problema incerto (de ter que dar muitas voltas para reabastecer ou ter limitações de circulação por receio de não encontrar muitas alternativas para o reabastecimento.
Até agora, o governo pouco ou quase nada fez para esclarecer a sua estratégia - se é que a tem - de de massificação da migração para o uso do gás. Ademais, parece estranho que Moçambique, integrado numa comunidade regional em processo de integração, de quebrar fronteiras, esteja a agir a solo, numa área -transportes - com grande influência na circulação de pessoas. O que vai acontecer se, sozinhos, avançarmos para a utilização do gás, se nenhum outro país da região o usa?
Para além dos combustíveis, esta semana subiram preços da luz, água, gás, de muitos produtos alimentares e o metical atingiu um dos níveis de desvalorização, face ao rande e ao dólar, de que não há memória nos últimos 20 anos. E o Governador do Banco de Moçambique, que ainda há pouco alardeava estabilidade para a economia e garantia ter reservas suficientes para aguentar qualquer choque externo, agarra-se, agora, à crise financeira internacional para explicar o descalabro em que está mergulhada a nossa moeda.
É uma explicação demasiado simples para a dimensão do problema, ainda mais vinda do responsável pela Política Monetária do país. Aliás, uma das descobertas mais chocantes do moderno sistema económico é que a “teoria económica” é uma coisa que não existe mais.
Diz Ernesto Gove que a solução é aumentar a produção e a produtividade. Parece demasiado elementar para o Governador do Banco de Moçambique o afirmar agora. Só que o bom do Governador se esqueceu de que o Metical só não viveu esta mesma situação no ano passado porque o FMI injectou no nosso país 180 milhões de dólares. Nessa altura, com o dinheiro fácil na mão, ninguém se lembrou de apelar ao aumento da produção e da produtividade. Pelo contrário, alardeámos uma estabilidade que sabíamos efêmera, artificial e fictícia.
Este ano ao primeiro muro no estômago, sem as injecções do FMI, a nossa estabilidade foi-se abaixo, a economia está a abanar, a inflação é tremenda, os preços estão a aumentar por todos os lados, muitas empresas e empregos estão em risco.
Estamos a pagar o preço do nosso irrealismo, da falta de disciplina na gestão da coisa pública numa economia baseada em medidas cosméticas, onde apelámos ao aumento da produção e da produtividade, quando a máscara da nossa maquilhagem já não pode mais.
Não nos lembramos, porém, de mexer nas despesas, que são, por exemplo, as Presidências Abertas do Chefe de Estado, tão regularmente replicadas por governadores, ministros e presidentes de municípios, como se as suas instituições não tivessem representações pelo país.
E, entretanto, temos compromissos assumidos, que não constam do Orçamento do Estado e que temos de honrar: como pagar 150 milhões dos Jogos Africanos de 2011, encontrar em algum lugar 245 milhões de euros para realizarmos a nossa parte no capital do Banco de investimento com Portugal, pagar as compensações aos transportadores com o aumento que, agora, o governo vai fazer no preço do gasóleo, uma vez tendo já esgotado a provisão de 40 milhões de dólares feita no Orçamento do Estado para este item.
E como sempre faz, a Assembleia da República vai ficar a assistir ao governo a fazer as modificações que lhe apetecem ao Orçamento do Estado, como se fosse um assunto que não lhe diz respeito. Definitivamente, temos um sistema em que o nosso governo manda. E a Assembleia obedece... ou pelo menos não atrapalha.
O PAÍS – 07.08.2010