Crónica de: António Nametil Mogovolas de Muatua
EM LIBERDADE, OS MOÇAMBICANOS CONSTROEM O SEU PAÍS (1)
Como nasceu esta reflexão
Inspirei-me num dos programas diários do mês de Julho de 2010 da TVM denominado “Ver Moçambique” que trouxe para os nossos écrans a população da Vila de Nametil discutindo o futuro económico e social do seu Distrito. Em liberdade absoluta, homens, mulheres e jovens davam a sua sincera e modesta quota-parte de opinião acerca dos possíveis caminhos a serem seguidos pelos agentes económicos e autoridades governamentais, locais e gentílicas para catapultarem Mogovolas para a senda do desenvolvimento económico e social. Aquelas gentes naquele programa da TVM sem nunca terem estudado economia, deram-nos uma valiosa reflexão sobre a disciplina de Desenvolvimento Económico.
2. Introdução
Sou avesso a citações, primeiro porque não sei fazê-las como mandam as regras académicas do bem e do bom escrever e também porque é um recurso auxiliar literário que, quando mal feito, me soa a plágio, sendo por isso que eu tenha maior pendor para o mero parafraseamento e daí que, comungando, mas sem citá-lo, com Amartya Sen, Economista, nascido na Índia aos 03 dias de Novembro de 1933, Prémio Nobel de Economia de 1998, que faz a advocacia de primeiro ter que haver liberdade para que o desenvolvimento verdadeiro aconteça. Segundo este insigne economista e pensador, se o Homem não for livre jamais poderá ser agente e fazedor do seu próprio desenvolvimento.
Primeiro tinha que ser concluída a independência da terra para que, em liberdade política, o Homem moçambicano começasse a equacionar o processo de construção do modelo sob o qual alicerçar-se-ia o seu desenvolvimento económico verdadeiramente nacionalista, intrínseco e auto-sustentado. Só com o povo moçambicano independente é que este poderia ser dono da plenitude do seu destino, incluindo o económico, pois ninguém iria pensar por ele, preparar-lhe e impor-lhe soluções para cuja concretização ele não tivesse dado a sua quota-parte de compartição.
Apenas com o advento da independência os moçambicanos – sem olharmos para a sua origem étnica, social, nem a sua condição académica – começaram a pensar na construção da sua economia para seu próprio benefício e definiram, com a clareza de que é seu principal apanágio, uma meta a ser atingida: a independência económica.
LIBERTAÇÃO POLÍTICA PARA INDEPENDÊNCIA ECONÓMICA (2)
E depois de muito sacrifício, sangue, lágrimas, suor, mas acima de tudo com muita esperança no porvir, a Independência Nacional chegou num dia de muita chuva, mas era tanta a gente que ela mal conseguia molhar o chão.
Mas ela, a chuva, naquela noite de 25 de Junho de 1975, no Estádio da Machava, na capital do país, furou a muralha da multidão e conseguiu molhar o chão moçambicano para abençoá-lo. E foi assim por Deus e por todos os nossos bons espíritos abençoados que nós, os moçambicanos, começamos a reconstruir o nosso futuro no nosso país.
… No começo parecia ser o caos…
… Mas o caos não aconteceu….
… E o caos jamais acontecerá – para alegria de todos nós e desgosto dos sectários ideológicos do colonialismo – porque com a mesma determinação de quem, com rudimentares canhangulos, venceu a criminosa operação Nó Górdio, contando, mais uma vez com as nossas próprias forças, nossa inteligência e o nosso génio criador, encontramos os antídotos e as estratégias mais adequados para levar de vencida mais este novo obstáculo…
… E a economia começou a funcionar.
No dia 25 de Junho de 2010, com pompa e merecida circunstância, nós, o povo moçambicano, comemorámos os nossos 35 anos desta bem sagrada e muito sofrida independência nacional. Com o advento da nossa independência nacional foram criadas as condições indispensáveis para o povo tomar o timão na condução dos destinos de Moçambique. Fizemos as nossas políticas de desenvolvimento. Escolhemos a nossa opção política sob a qual o modelo de desenvolvimento económico iria acontecer. E a opção escolhida foi a melhor possível e a mais consentânea com o contexto político nacional, regional e internacional vivido naquele tempo. O imperialismo atacava-nos com inusitada ferocidade. O conflito sino-soviético atingira o seu rubro. Os jovens rapazes libertadores da nossa pátria amada tinham que saber coexistir ante todas aquelas vicissitudes sem hipotecar a nossa liberdade nem conspurcar a linha política definida pelo povo, através da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Neste contexto, sui generis, a economia, fruto de os seus fazedores serem livres, desabrochou. Em 1975, rezam as estatísticas oficiais, que o PIB da República Popular de Moçambique tinha apenas conseguido alcançar 71% do de 1973, considerado como sendo o melhor ano económico do colonialismo em Moçambique. Porém, graças ao esforço feito pelos moçambicanos, em liberdade, o PIB de 1980 conseguiu atingir 80% do de 1973.
Os nossos detractores ficaram preocupados com o escândalo que era o sucesso económico protagonizado pelos analfabetos, inexperientes e ditas crianças grandes – assim nos tratava o Professor Doutor António de Oliveira Salazar – que careciam, consequentemente, de eterna protecção.
Era em nome desta eterna protecção que nos era negada a nossa independência. A agressão ideológica e até militar contra o nosso país não tardou: ondas de sabotagem contra unidades económicas começaram a ser encorajadas e perpetradas, ataques terroristas efectuados contra nós pelo exército de Ian Douglas Smith, Primeiro-ministro do regime internacionalmente ilegal da Rodésia do Sul sucederam-se com maior intensidade após o saudoso Presidente da República Popular de Moçambique, Marechal Samora Moisés Machel, cumprindo uma determinação das Nações Unidas, ter declarado, no dia 01 de Março de 1976, o encerramento das nossas fronteiras com aquele país, vagas de operações comerciais ilegais tais como açambarcamento, sobre e subfacturações começaram a ser feitas. Era preciso reagir com a habitual serenidade dos moçambicanos para derrotar esta nova forma de o nosso inimigo de sempre nos atacar.
EM LIBERDADE, OS MOÇAMBICANOS CONSTROEM O SEU PAÍS (3)
O primeiro Governo da República Popular de Moçambique, composto por jovens inexperientes nesta nobre e delicada arte de governar um também jovem país, adoptou a estratégia de se juntar às massas populares de onde foi beber a sua inspiração e criatividade.
Os indicadores de crescimento macro-económico apresentados pelas estatísticas dos últimos quinze anos antes do 25 de Abril de 1974 (1958 a 1974) não podem nem devem ser confundidos com desenvolvimento económico porque o povo trabalhador e camponês não era livre e aqueles poucos que pensavam que eram livres viviam na mais completa alienação cultural e política, contentando-se com as migalhas que caiam da mesa do grande banquete colonial realizado em sua própria terra. Os indicadores de crescimento registados pelas estatísticas daquele tempo, embora reflectindo a realidade, não queriam significar desenvolvimento extensivo ao povo, porque: a) foi um exercício concretizado pelo regime colonial em reacção à ameaça ideológica gerada pelos movimentos independentistas das colónias em geral e das africanas em particular – Gana, antiga Costa do Ouro, tornou-se independente aos 06 dias de Março de 1957; b) era riqueza obtida pelos colonos através da utilização da mão-de-obra forçada ou mal remunerada; c) o povo não era envolvido nem consultado na elaboração dos programas de desenvolvimento; d) era uma economia com grande envolvimento de estrangeiros (portugueses, sul-africanos e agentes económicos de outras nacionalidades); e) era uma economia de periferia; f) era uma economia altamente dependente de produtos intermediários importados para a agricultura e para o seu emergente parque industrial; g) as Balanças Comercial e de Pagamentos (havia um complicado problema dos “atrasados” relacionado com transferências de divisas para Portugal) da ex-colónia eram, geralmente, deficitárias, absurdamente, até em relação à metrópole colonizadora; h) a criação da então chamada “zona do escudo”, que contribuiria para a estabilidade da moeda portuguesa e, consequentemente, do tesouro português foi um factor agravante daquele crónico défice da Balança de Pagamentos da ex-colónia de Moçambique; i) marginalização da maioria da força de trabalho dos benefícios do crescimento económico; j) o mercado de trabalho, de bens de consumo e de capitais era dominado pela economia sul-africana, que era muito maior e relativamente melhor desenvolvida.
EM LIBERDADE, OS MOÇAMBICANOS CONSTROEM O SEU PAÍS(4)
Constrangimentos em vias de serem ultrapassados
Muitos e multifacetados foram e são os constrangimentos enfrentados e ultrapassados por Moçambique. Para além do analfabetismo que ultrapassava, em 1975, a desoladora marca dos 90% do povo moçambicano que não sabia ler nem escrever em português nem em nenhuma outra língua nacional ou estrangeira – um povo deseducado é um povo cego – Moçambique enfrentou, durante 16 anos, uma das guerras de desestabilização mais atrozes da era moderna, o nosso país foi devastado por calamidades naturais (cheias, secas e pragas de gafanhotos), a nossa terra bem-amada é vitimada por doenças endémicas mortíferas, tais como a malária, cólera, tuberculose, HIV/SIDA.
O povo moçambicano, através do seu Governo, inspirado nas orientações e directivas da FRELIMO, estudou as melhores políticas e adoptou as estratégias mais práticas para que, a médio e longo prazo, aprendendo no dia-a-dia, os obstáculos, atrás enumerados, fossem (e vão) sendo eliminados.
O povo moçambicano, sempre a aprender no dia-a-dia prático, encontrou formas de silenciar as armas que teimavam em protagonizar o genocídio fratricida e a partir de 1992, os homens e as mulheres desde país, independentemente, da sua filiação partidária e do seu credo religioso (países há que, infelizmente, em nome da religião, materializam inexplicáveis guerras civis), começou, em paz, e em regime pluripartidário, a dar a sua quota-parte de contribuição na gestão de Moçambique. A guerra, causa impeditiva principal da implementação criativa das
Directivas Económicas e Sociais, foi acabada. E sem a guerra os programas de médio e longo prazo para a educação, saúde, e dos sectores sociais foram sendo equacionados como suportes indispensáveis à formulação do nosso modelo económico de desenvolvimento. Tal como foi modelo de governação da FRELIMO desde as zonas libertadas, o povo foi aprendendo a governar o país governando. Os erros cometidos de boa fé porque era preciso avançar foram sendo paulatinamente corrigidos. O país avança rumo ao desenvolvimento. A marcha é irreversivelmente contínua. O povo aprendeu a retirar do seu vocabulário revolucionário a palavra obstáculo ou dificuldade ou impossibilidade para em seu lugar criar esta outra bem mais mobilizadora que é o desafio. Para os moçambicanos só há desafios e oportunidades.
O povo tem a sua visão do futuro que quer para si. Com o Governo mais a sociedade civil compendiou o caminho que pretende seguir num documento revolucionário e inédito denominado “A Agenda 2025”. Esta agenda é programática, é realista, é ambiciosa sem ser dogmática. Ela, sem conflituar (nem plagiar) com os ODM – Objectivos do Desenvolvimento do Milénio – das Nações Unidas, aponta caminhos. Ela apresenta metas. Ela preconiza formas de aquelas metas e caminhos serem materializados em tempo desejável. E o povo, mais uma vez em liberdade, está envolvido em mais esta nova batalha que é a de edificar um país desenvolvido.
WAMPHULA FAX – 24.08.2010 ( e semanas anteriores)
NOTA:
O amor do Autor a Moçambique parece ser grande, mas parece ainda maior o que tem à FRELIMO. Basta atentar neste parágrafo: “O povo moçambicano, através do seu Governo, inspirado nas orientações e directivas da FRELIMO, estudou as melhores políticas e adoptou as estratégias mais práticas para que, a médio e longo prazo, aprendendo no dia-a-dia, os obstáculos, atrás enumerados, fossem (e vão) sendo eliminados.”
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE