Por: Jorge Ferrão
Nampula celebra mais um aniversário. O quinquagésimo quarto do seu curto percurso. Não se distingue, por vezes, aniversário da cidade com o da província. Uma sem a outra não sobreviveria. Aliás, nem importa. As razões para comemoração sim, pois elas não rareiam. De entre louvores e desmerecimentos, virtudes e vicissitudes, amores e sabores, geometricamente, tudo é proporcional. Vivemos e convivemos, medianamente, com as benfeitorias e as mazelas, as igualdades e os sem número de diferenças culturais, religiosas, cívicas e ideológicas. Esta é a cidade das tolerâncias.
Edificada como cidade militar e de expansão belicista, o espaço cosmopolita converteu-se ao longo dos anos e, devido aos contornos geográficos, num respeitável entreposto comercial. Os seus automatismos e ajustamentos conjunturais e sem substrato estrutural. De militar, por exemplo, sobra a dedicada Academia.
Nas redondezas, um exército acantonado nas casernas. O comércio ou comerciantes, empreendedores, há muito inverteram o formal em mercados negros.
Os imigrantes e ambulantes são agentes de mudança. Não sei bem definir um e outro, mas asseguro que sua capacidade modificou os termos de troca ou a troca dos termos. Na cidade, agora imigrada ou refugiada, o típico comércio de amendoim torrado se confunde com outros amendoins, vendido no mesmo papel de jornal, porém, mais escondido. Um mercado em estonteante ebulição e mutação.
Mais recentemente, com a mercantilização da formação, a cidade almejou academizar-se. Na corrida contra o tempo oficializaram-se espaços de ensino e formação. Por despreparo, a cidade desacompanhou esta dinâmica.
Nem o atento mercado das mãos livres cuidou do essencial. Escasseiam as bibliotecas e os livros, o teatro e as peças, os cinemas, o desporto médio e universitário e até, o debate científico. Do político, nem se fala! Convenhamos, o mais importante tem sido formar. Os custos são assuntos de outra índole. Regozijamo-nos, todavia, com alguns resultados alcançados. No xadrez profissional assistimos à substituição de técnicos médios ou básicos por licenciados, executando funções similares. Caixas bancários, retalhistas, grossistas e até oficinas, se transformaram em postos de canudo. Os mestres vão engrandecendo o exército.
Mas a cidade vibra. Não tanto pelo futebol nem pelos shows musicais, mas, muito a despeito da luz no fundo que se cristaliza nas mentes. Sabemos todos, invariavelmente, que o amanhã será melhor. Porque teria de ser diferente? Os mais sensatos e atrevidos advogam e sonham com a segunda cidade do país.
Vivemos endiabrados com os semáforos que ninguém respeita, com os anúncios do Millennium Challenge, com a Vale Moçambique sem rios doces, enfim, com os fosfatos, ferro, novos portos e aeroportos, uma Nacala-a-Velha feita nova, e essa estrada adiada sine die para Cuamba. Ou não seriam estas, razões de sobra, para se multiplicarem as bicicletas e motorizadas para nos desenvolvermos?
A cidade resplandece de capital humano. Massa crítica. Pelas esquinas, trancos e barrancos, os especialistas avolumam-se. Existem-nos para quase todas as áreas de saber e dessaber.
Seguramente, se tira pouco ou nenhum proveito de suas presenças. Aliás, nem os especialistas desfrutam dessas oportunidades. Por isso, algumas vezes debatemos a cadeia de valor da fruta e, na hora da refeição, a sobremesa servida é de fruta enlatada. A interacção desta massa crítica com a máquina de gestão municipal e do bem público é esporádica. A cada galho seu pássaro – adágio popular que ainda faz muito sentido!
Este aniversário pode acontecer sem surtos de cólera. Um presente que entra ano, sai ano; preenche as páginas interiores de um jornal que não nos pertence.
Falando em jornais, retomo a proposta de um velho amigo. O maior presente que a cidade poderia alguma vez receber, seria um jornal impresso localmente. Não importa a sua periodicidade semanal, se diário ou de outra natureza. Este Jornal, para evitar divagações, poderia ser o Notícias de Nampula. Seria a oportunidade do jornal de maior circulação inovar e ensaiar a descentralização. O número de jornalistas, em Nampula, aparenta ser razoável. O universo de assinantes idem.
Então, por que razão, somos obrigados a ler um diário com dois ou mais dias de atraso? Porque teremos de anunciar postos para guardas para todo o país, se apenas os concorrentes são locais? Se a Sociedade Notícias assim o determinar, teremos, então, no quinquagésimo quinto aniversário da cidade, o Jornal Notícias de Nampula como projecto-piloto, de mérito e bem-sucedido. Oxalá, esta proposta vingue! Assim saberíamos das chuvas com e sem cólera, bateríamos o pé para se extinguir com o comércio vegetal da estação dos CFM, terminaríamos com o secretismo da estada para Cuamba e, ainda cantaríamos vitórias de uma eventual equipa de futebol, reforçada, no Nacional de Futebol. Com um jornal seríamos, de facto, a segunda cidade.
WAMPHULA FAX – 20.08.2010