SÃO JOSÉ ALMEIDA e ANA RITA FARIA
Akira Miwa, embaixador extraordinário plenipotenciário do Japão em Portugal, explica como os investidores portugueses podem ser parceiros dos japoneses em Angola e Moçambique
Assinalam-se hoje os 150 anos sobre a assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Comércio entre Portugal e o Japão, uma potência mundial onde os portugueses foram os primeiros europeus a chegar. Uma relação que o embaixador em Lisboa, Akira Miwa, destaca e apresenta como um privilégio de relacionamento que torna Portugal mais interessante como porta de entrada para a Europa e em África.
Como podem ser melhoradas as relações Portugal-Japão?
Como se sabe, a assinatura do tratado é de há 150 anos, mas o relacionamento entre os dois países é mais longo. Havia contactos desde o século XVI, o ano exacto é 1543, quando os primeiros portugueses chegaram a território japonês. É a chegada dos europeus. Visto do Japão, este é o primeiro contacto do Japão com um país europeu. E trouxe um impacto muito grande sobre a cultura e a sociedade japonesa. O que é mais impressionante sobre o relacionamento nesse século foi a intensidade com que houve intercâmbio entre as duas culturas. Impressionante. O livro de Luís Fróis sobre a sua estada no Japão que durou mais ou menos 30 anos na segunda metade do século XVI é impressionante. É tão detalhado. Para conhecer a história e a vivência do Japão na segunda metade do século XVI não há nada escrito por japoneses tão detalhado e tão rico sobre a nossa história.
E hoje como se volta a essa intensidade nas relações entre Portugal e o Japão?
Temos de começar por relembrar o que aconteceu. Que tipo de relacionamento é que nós tínhamos? E vamos intensificar o intercâmbio em benefício mútuo. Numa relação entre Japão e França, Japão e Espanha não podemos lembrar o passado. Mas entre Portugal e Japão é especial. Por isso, estamos a preparar tantos eventos culturais e a embaixada portuguesa em Tóquio também.
O Japão hoje tem uma fortíssima comunidade no Brasil. Vão aproximar-se da CPLP?
Isso é a nova fronteira para o Japão e Portugal. Porque não cooperamos nos outros países de língua portuguesa, por exemplo, no continente africano, para ajudar ao seu desenvolvimento económico e social? A cooperação entre Japão e Brasil já começou - por exemplo, o apoio para construir hospitais em Angola e Moçambique conduziu a que o Japão pode apoiar financeiramente e os governos africanos construírem. Mas o Japão não pode oferecer médicos e enfermeiras capazes de falar português. Assim, há a ajuda financeira do Japão com a ajuda técnica e de meios humanos do Brasil. Porque não participam também os portugueses?
Esse triângulo seria para investir em África?
Sim. Em Moçambique e, em especial, em Angola, um país do futuro, muito promissor, onde muitas empresas japonesas, portuguesas e brasileiras têm interesse em fazer investimentos. No Japão há algumas empresas que estão a procurar parceiros para fazer investimento em Angola. No Brasil, temos já facilidades nesse domínio, devido à forte comunidade japonesa no país. Mas, no caso de Portugal, não haverá também alguma empresa portuguesa que se interesse por investir em Angola juntamente com uma empresa japonesa? Tanto o sector privado como o Governo português devem saber muito mais sobre Angola e ter contactos que os japoneses não têm.
Deveria haver um acordo de cooperação entre os governos português e japonês que estimulasse os sectores privados dos dois países a investir?
Acho que o papel a ser desempenhado pelo Governo seria facilitar, mas, antes disso, tem de haver interesse real manifestado pelo sector privado de Portugal. Se não, é difícil imaginar a chegada de empresas japonesas para procurar e localizar parceiros portugueses.
Portugal continua a não ter o cenário mais propício para atrair investidores?
Como o Governo português está bem consciente e o sector privado também, as indústrias que dependem muito de um custo laboral baixo foram sobretudo para a Europa de Leste. Para atrair novos investimentos fora da Europa, seja da China ou do Japão, tem de ser algum sector que não dependa muito de baixos custos laborais. A energia solar, as energias renováveis são um bom exemplo. Aqui, o que é importante não são os custos de trabalho, mas a existência de nova tecnologia. Veja-se o caso do carro eléctrico. Se um construtor como a Nissan quisesse fazer uma fábrica de automóveis na Europa, iria construí-la num país onde houvesse um grande número de compradores de carros. Em Portugal tem de haver outro factor de atracção, porque o país é pequeno. Contudo, é precisamente por ser pequeno que tem a possibilidade de construir rapidamente uma infra-estrutura económica e social para a introdução do carro eléctrico. Portugal aproveitou o tamanho do país e da economia para funcionar como um teste, tornando-se o primeiro país da Europa a ter o carro eléctrico. Seria difícil fazer o mesmo noutro país como Alemanha ou França.
PÚBLICO – 03.08.2010