Antes do mais, é obrigatório, terei de pedir desculpa a quem leu o meu texto anterior, pois induzi em erro quanto ao nº de cidadãos do Rio de Janeiro. Baseado somente em conversas que fui tendo, confundi o nº de cidadãos da Região Metropolitana Rio de Janeiro, 11 812 482 habitantes, com o nº de cidadãos da cidade, que tem bem menos, 6 186 710 habitantes, erro grave e que a companheira de leituras internetianas, Cleydia Esteves, teve a simpatia de emendar, o que reagradeço.
A segunda nota e que é importante também, nestes apontamentos que farei sobre o Brasil, é que escrevo não com a rigorosa intenção de escrever uma tese, mas sim com o ingénuo intuito de expressar o entusiasmo que me originou o Brasil, país que desconhecia totalmente e que veio reforçar algumas opiniões e levantar outras tantas dúvidas que tenho sobre o Império Português.
Sou um filho do Império, daqueles que entende bem o que Fernando Pessoa, também um Filho do Império, quis dizer quando escreveu que a Pátria dele era a Língua Portuguesa, pois, nascido que sou de Moçambique, vivente que sou de Angola, (que considero como sendo a minha terra, a minha Pátria), vivente que sou nestes últimos, demasiados, anos em Portugal, anticolonialista e nacionalista angolano, preso antes do 25 de Abril por tal, ex simpatizante do MPLA, do MPLA de Agostinho Neto, mas também de Mário Pinto de Andrade, de Lúcio Lara, mas também de Viriato da Cruz, (antes do 25 de Abril), mas também ex dirigente da UNITA e ainda hoje, lamento teimar, Savimbista, sou, na verdade, um filho do Império, branco, de famílias com raízes judaicas, republicanas, maçónicas, (uma das minorias enfim, deste Império).
Durante os combates que fiz contra a Guerra Colonial e pela Independência das ex colónias, pensei sempre, ingenuamente claro, que as Independências eram óbvias, mas que tudo aconteceria com a componente relacional deste Império a manter-se intacta com um Portugal ele também, já, diferente.
Foi por um triz que, na verdade, não se destruiu tudo e que não se desmembrou todo o Império sem que dele nada nascesse…e, ainda assim, que fazer com uma Guiné Bissau que de todo não se encontra, ou com um Timor que caminha aos solavancos, (se é que temos seja o que for a dizer sobre tal…excepto esta ideia de que somos todos nascidos de um mesmo Império?).
Alguma Esquerda e alguma Direita teimam, ainda hoje, presa que estão, também, às concepções do Velho do Restelo que tão bem Camões retrata, em fazer por esquecer esta noção – a de que Portugal não foi, durante séculos, um país, foi sim, séculos a fio, um Império, sendo impossível pensar, tanto Portugal quanto os restantes países de expressão portuguesa fora deste contexto, mesmo hoje.
Aliás sou dos que se encontra convencido que este Reino que foi Portugal foi construído já com este objectivo – o de criar um Império.
Daí o facto de Portugal ter sido um dos 3 países/reinos a mandar Filipe o Belo e o seu papa, ás urtigas aquando da destruição dos Templários…
E, na verdade, tal é a razão central que justifica que tanto Salazar como Norton de Matos concordavam com a necessidade de defender o Império, português, das ambições, imperiais também, das restantes potencias, desde o Reino Unido, à Alemanha, aos EUA e à URSS.
Alguma Esquerda , na sua lógica velho restelista, teima em assumir nesta defesa do Império, somente, o carácter burguês e capitalista de ambos, Salazar e Norton de Matos e, durante não poucos anos, alinhei com estas ideias.
Estive aliás, anos a fio, influenciado por um dos mais velho restelistas portugueses, Francisco Rodrigues Martins e devo a Darcy Ribeiro, um dos mais importantes, na minha opinião, intelectuais de expressão portuguesa de sempre, o ter iniciado uma outra forma de pensar sobre este assunto.
Foi, o Reino de Portugal, um dos dois iniciadores da 1ª Globalização, isto é do iniciar de uma visão planetária da realidade.
E, nesse processo, como em todos os processos humanos, houve sempre uma Direita e uma Esquerda.
Ora alguns imaginam que ser-se de Esquerda era defender a “entrega/abandono das colónias”, e, por isso, buscaram sempre, desesperadamente até, encontrar essa Esquerda também em Portugal, na verdade com autênticos dramas e deles posso situar o caso de José Carlos Rates, um dos primeiros secretários gerais do PCP, 1923/1929, imposto pela Internacional Comunista ao referido partido e que defendendo a entrega/venda das colónias aos outros fortes Impérios, para pagar as dívidas do “Estado português”, se passou de armas e bagagens em 1931 para o lado salazarista.
Falharam, falham, redondamente.
Citarei, somente a título de exemplo, duas daquelas pessoas do Império que, esses sim, foram de Esquerda, mas da Esquerda do Império, na minha opinião – Francisco de Sousa Coutinho e Eugénio Ferreira.
O primeiro foi um dos que procurou, numa Angola que ainda nada tinha a ver com a República de Angola, (1764-1772), construir um processo de desenvolvimento económico social completamente de fora do esclavagismo e da economia esclavagista, então dominante e que fizeram de Angola, a que nada tinha a ver com a actual, uma efectiva colónia do Brasil, para onde eram enviados os escravos que enriqueceram, as elites do reino, os brancos, os mulatos e os negros, de então.
O segundo, já na fase da Angola de hoje, que procurou, e foi conseguindo, ajudar a construir, com as elites caluandas sobretudo, os instrumentos que deram origem ao MPLA, e à Independencia surgida em 1975. Comunista republicano, esteve na construção do Estado Angolano de hoje, até morrer.
Ambos inexistem na historiografia, angolana e portuguesa dos dias de hoje, claro.
Porque saiem, claramente, da visão anglófona, a do império britânico de raiz burguesa, ou da visão francófona, a do império francês, de raiz também burguesa…pois, na verdade, o Império Português nasce em período histórico bem anterior, e determinado por razões mais ideológicas que económicas.
E é sem dúvida Darcy Ribeiro quem analisa tal matéria de forma genial.
Brasileiro que é, claro.
Tive a oportunidade de visitar aquele percurso que a minha irmã e o meu cunhado denominaram de a rota do Barroco – Ouro Preto, Mariana, São9 João del Rei, Tiradentes, e Congonhas – e esse percurso em especial permitiu-me reflectir um pouco mais sobre esta ideia de Império.
Ao visitar as igrejas destas cidades/vilas, a Matriz de Nª Senhora da Conceição, de São Francisco de Assiz, etc, em Ouro Preto, a Catedral da Sé, etc, de Mariana, a Igreja matriz de Santo António, em Tiradentes, “a segunda Igreja mais rica de ouro do Brasil”, a Basílica do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas, entendi o que significou a diferença entre os Impérios, burgueses, inglês e francófono e o português.
A riqueza e a monumentalidade destas Igrejas, como, alias, o Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, para citar somente alguns exemplos, o ouro aí visível, reflecte um outro estar completamente diferente do estar burguês dos outros Impérios.
Esta monumentalidade e esta riqueza, faustosa, absurda quase, e centrada sobretudo nas Igrejas, releva o carácter Teocrático do Império Português, que Darcy Ribeiro tão bem releva, em primeiro lugar e também a forte dependência deste Império Português para com a Igreja do Vaticano, que, com os santinhos, ocos, que serviram para carregar, clandestinamente, ouro para fora do Brasil, permitiram, sem dúvida, que o Vaticano tenha beneficiado talvez mais que o reino português com a exploração do ouro brasileiro…
A par com esta monumentalidade, demonstrativa de um outro tipo de colonização de ocupação, pois deixou lastro monumental, cultural, de raiz europeia/portuguesa no Brasil, a colonização de ocupação originou o aparecimento de lideranças brasileiras, como Tiradentes, que assumiu, em 1789 note-se, a par com Thomaz Antônio Gonzaga, o Cônego Luís Vieira, etc, a necessidade da Independência do Brasil, face a Portugal.
Mas é perante as riquezas das referidas Igrejas que se entende, em boa parte, para onde foi a exploração mineral, de ouro e prata, do Brasil. E não foi somente para Portugal, nem, assim, pôde originar o desenvolvimento deste país, (e do Brasil por se concentrar em actividades de mero luxo), pois foi desviado para o Vaticano, o que, aliado, à perca, em tecnologia e poderio militar, da parte portuguesa da “Invencível Armada” por erro crasso de Espanha que ocupava então Portugal, e às ocupações francesas e inglesas no reino português/europeu, ao tempo das chamadas Invasões Francesas, que originaram um delapidar escandaloso das riquezas de Portugal, por parte de uns e outros, franceses e ingleses, mostram as origens do fracasso imperial português e, explicam, bastante bem diga-se, as raízes do Republicanismo e do seu particular Laicismo e anti catolicismo.
Conhecedor que era de Angola, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, directamente, e de Moçambique, pelo que a família ainda conta, não tinha a percepção da tipificação da ocupação de colonização portuguesa do Brasil.
Mas tendo visitado este país, que em tantas pessoas e coisas se aproxima tanto de Angola, sobretudo da Angola colonial, entende-se que um país com cerca de 1,5 a 5 milhões de pessoas, entre 1500 e 1900, como era Portugal, dificilmente conseguiria estabelecer colónias de ocupação em tantas partes do Planeta e que se tenha especialmente concentrado em uma delas, o Brasil, onde deixou o que não deixou nas restantes partes do Planeta, onde predominava uma lógica colonial de comércio estrito.
Na altura do findar das Invasões Francesas não terá sido fácil perceber-se que depois de 3 séculos, já, de colonialismo de ocupação, a presença da corte portuguesa tornou óbvia a necessidade de um outro estatuto para o Brasil, que D. João VI até entendido, criando, ou recriando, o Reino do Brasil, mas que nem entre os Liberais portugueses, nem entre os liberais brasileiros foi percebido e as clivagens constitucionais só podiam originar o grito de Ipiranga e o surgimento do Império do Brasil.
Isto é, mais uma vez, enfim, logo à primeira vez, a Esquerda portuguesa não entendeu o Império e perdeu o Brasil, de facto o verdadeiro centro, à época, do Império português, precisamente, na minha humilde opinião, por não conseguir aceitar que o reino de Portugal já não era, não podia ser, o centro do Império.
Joffre Justino
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