Por: Manuel Bernardo
“(…) Há sempre uns patrioteiros que surgem no final destas coisas e penso que será também um sinónimo de senilidade. Penso que não faz nenhum sentido, nem da parte do Lobo Antunes, como ex-combatente, nem da parte destes militares. Neste caso, na patetice, estão bem uns para os outros”
Coronel Matos Gomes à Lusa, em 23-8-2010.
As afirmações deste oficial que, na minha opinião, não tem qualquer autoridade moral ou ética para discorrer sobre estes temas, soam a falso e estão cheias de grande dose de provocação para ambas as partes. Tal atitude mantém-se mais á frente, quando declara que”basta assistir às cerimónias do 10 de Junho para ver desde as histórias que os combatentes contam uns aos outros, até os discursos – aquilo é tudo um folclore lamentável.”
Parece que Matos Gomes, aproveitando uma polémica sobre a Guerra em Angola, desencadeada pelo escritor António Lobo Antunes, vem pôr em causa os encontros de combatentes, que se realizam no Dia de Portugal, junto ao Memorial dos Mortos da Guerra do Ultramar, que ele e os do seu grupo político designam de colonial. É escandaloso este tipo de ingerência de indivíduos com cultura de esquerda em comemorações de grande significado nacional, para a denegrir e atrevendo-se mesmo a inventar, através do Município de Lisboa, a ideia de implantação de um denominado “Monumento ás vitimas da Guerra Colonial”. Não se apercebem do ridículo da sua posição… Pois querem maiores vítimas do que os combatentes mortos pela Pátria, e cujos nomes estão lá inscritos no Restelo? Não viram que tais encontros têm sido patrocinados e apoiados por todos os Presidentes da República desde a sua inauguração (Mário Soares, Jorge Sampaio e, agora Cavaco Silva)? Achará ele bem chamar patetas e senis aos seus camaradas de armas, que também se bateram com valor e galhardia nas terras africanas?
De facto Matos Gomes foi um bom combatente, nos “Comandos”, em Angola, Moçambique e Guiné, entre 1967 e 1974, onde foi condecorado com duas medalhas de Cruz de Guerra (1.ª e 2.ª classe) e com a medalha colectiva da Torre Espada por feitos em combate. Só que, nos pós-25 de Abril, fez a sua “opção de classe” e derrapou para os braços da esquerda revolucionária (à esquerda do PCP).
O seu procedimento dentro do Regimento de Comandos em 1975, em pleno “Verão Quente” é significativo, pois esteve ligado aos elementos que, nesta Unidade, desencadearam uma sublevação militar armada, em finais de Julho, para retirarem o comando ao Coronel Jaime Neves. Como tal não teve qualquer sucesso e no seguimento da divulgação e apoio das principais unidades militares ao “Documento dos Nove”, Matos Gomes viria a demitir-se das suas funções neste Regimento, ao mesmo tempo que dava uma entrevista ao “Le Monde”.
Destacam-se as afirmações utópicas e caricatas produzidas na altura: “A esquerda revolucionária é muito mais homogénea no Exército do que na sociedade civil. Estamos a aprender política e recusamos divisão em seitas opostas” “As ideias do grupo de oficiais (onde ele se incluía) ligados ao documento do COPCON são simples: «Defender o poder popular e a independência nacional. Ganhar o Povo, atacando os seus problemas quotidianos, dando-lhe ao mesmo tempo ocasião de fazer experiências e aprender a política fora dos partidos».
Dois meses depois, em pleno confronto de posições com os militares moderados e os partidos democráticos (PS, PSD e CDS), e cinco dias antes do 25 de Novembro de 1975, viria a assinar, juntamente com outros oficiais, como Mário Tomé, Durand Clemente e Cabral e Silva, um designado “Manifesto dos Oficiais Revolucionários”, dirigido aos soldados, marinheiros, classe operária e povo trabalhador. Seria lido por um dos subscritores na manifestação promovida pelos sindicatos da cintura industrial de Lisboa, num varandim dos jardins do Palácio de Belém (Praça Afonso de Albuquerque) e na presença do então Presidente da República, General Costa Gomes.
Querendo deitar mais achas para uma guerra civil, que se previa ir ser brevemente desencadeada, este ridículo, fanático e irrealista documento iniciava assim: “O processo iniciado em 25 de Abril de 1974 chegou ao momento do avanço decisivo para o socialismo (…).” E mais à frente podia ler-se: “O que a burguesia não pode suportar é a imparável movimentação dos soldados que, organizando-se autonomamente, souberam recusar a hierarquia militarista dos falsos democratas e colocar-se resolutamente ao lado do povo trabalhador. (…)” “Só o armamento dos trabalhadores e a sua organização com os soldados, formando um exército revolucionário, pode impedir a organização da burguesia e o perigo da intervenção estrangeira. …) Tal texto apelando à violência e à anarquia, terminava deste modo, seguido dos slogans revolucionários do costume: “Nós estamos com o Poder Popular Armado, com os Soldados, com os militantes revolucionários, até à vitória final, até à tomada do poder.”
Só os burros é que não evoluem…
Como afirma o Coronel José Morais da Silva, Matos Gomes, ex-oficial dos “Comandos”, tornou-se num escritor conceituado sobre assuntos relativos à Guerra do Ultramar. Não sem antes, após o 25 de Novembro, ainda ter vindo a declarar publicamente, no extinto semanário “Tal e Qual” e também num livro do jornalista Sousa Duarte, que “a luta armada tinha de (ou devia) continuar”. Nas décadas de setenta/oitenta Matos Gomes teria um percurso, idêntico ao de José Saramago. Este, como estamos lembrados, seria o sub-director do “Diário de Notícias” que, concluiado com o seu partido (PCP), promoveu ao despedimento político de algumas dezenas de jornalistas deste jornal. O coronel de Cavalaria que estamos tentando retratar, após as aneiras feitas durante o PREC e da travessia do deserto, à Saramago, apareceria a escrever alguns artigos moderados na imprensa lisboeta, enquanto prosseguia sua carreira militar. Depois dedicou-se à escrita, publicando cinco romances, de 1982 a 1999. O primeiro, intitulado “Nó Cego”, ligado à sua experiência militar, na operação “Nó Górdio”, em Moçambique, seria o mais foi salientado pelos comentadores…
Entretanto, e nomeadamente com o apoio do descolonizador apressado (Moçambique) Aniceto Afonso, viria a seguir um interessante percurso ligado à investigação da história militar mais recente. Daí o rótulo de Morais da Silva, de “escritor conceituado”… O rótulo de patetas e senis que nos atribuiu, por termos violentamente criticado o escritor Lobo Antunes, tal como o fez a este autor, julgo que acaba por ser um “tiro no pé”… Julgando-se superior a esta “ralé”, acaba dizendo asneiras grosseiras que, em certa medida, lhe faz ofuscar o mérito demonstrado nos seus trabalhos literários publicados… E ainda por cima, como diria o meu amigo Luís, sendo oficial de Cavalaria do QP, reformado… Enfim, querendo demarcar-se de Lobo Antunes e dos seus críticos, acaba ele próprio por fazer publicamente declarações medíocres, já que se envolve em “fantasias e delírios”, semelhantes às utopias ridículas que o empolgou e praticou, nos longínquos tempos da revolução portuguesa de 1974-1975.
E sobre o subtítulo atrás referido, com a frase atribuída a Mário Soares, recordo a quadra que julgo ter sido dedicada a este político pelo Coronel José Caniné, e que os combatentes do Ultramar poderiam igualmente endereçar a António Lobo Antunes e Carlos Matos Gomes:
Nasceu burro, evoluiu,
Mas teve azar o casmurro,
Melhorar não conseguiu,
Evoluiu… pr´a mais burro!
Faro, 27 de Agosto de 2010 Cor. Manuel Amaro Bernardo
..........................................
Glórias perdidas In “Correio de Manhã” de 27-8-2010
Pobre Lobo Antunes.
É por estas e por outras que não há Nobel para ninguém. Aqui há uns tempos, o nosso António disse umas coisas muito feias sobre a tropa. Tirando os 150 homens que ele viu morrer ao seu lado (ou seriam 150 mil?), o escritor confessou ainda que a malta chacinava mulheres a crianças a eito, tudo para acumular pontos e zarpar, em classe executiva, para zonas mais amenas. Os antigos combatentes não gostaram, ameaçaram, pediram explicações. Lobo Antunes balbuciou as suas desculpas metafóricas e depois recolheu à toca. Fez mal. Tivesse Lobo Antunes a escola Saramago e o episódio seria o início da glória. Começava com o próprio a confessar-se perseguido pelos militares, tal como o outro era perseguido por Cavaco e Sousa Lara. Continuava com o exílio forçado, por razões de integridade física e psicológica (as Berlengas, por exemplo, ajustavam-se ao universo suburbano do artista). Finalmente, e com o alarme activado em Estocolmo, era só passar pela cidade e recolher o prémio como ”mártir da liberdade”, uma categoria que a Academia Sueca confunde com literatura.
João Pereira Coutinho