ECONOMICANDO
Por Joao Mosca
Este artigo apresenta alguns elementos de reflexão sobre eventuais medidas económicas de médio prazo. É opinião quase consensual que as medidas imediatas da governação e a serem revistas em finais de 2010 não são incorrectas. As dúvidas são principalmente quatro:
• Qual o montante e de onde vêm os recursos para valores tão elevados a subsidiar.
• Se haverá entendimento entre governo e agentes económicos (parece estar difícil).
• Quais os mecanismos de transferência de recursos.
• Como se fará a monitorização da implementação. As opções de decisão administrativa de preços e de fiscalização não resultam.
Antes de expor breves ideias sobre as medidas a médio prazo (até 5 anos), refere-se o seguinte:
• Os economistas, como em qualquer ciência, geralmente erram ou não são exactos nas previsões.
• Dificilmente existe consenso sobre as medidas de médio e longo prazo, porque: (1) a ciência positiva está sempre influenciada por normativismos (ideologias, politização de medidas económicas, secundarização da economia nas decisões, interesses de grupos, etc.; (2) existem variáveis políticas, sociais, da natureza e outros não imprevisíveis e que alteram qualquer exercício de simulação por mais consistente e complexo que seja.
• Todas as medidas macroeconómicas produzem sempre efeitos de sinal contrário (positivos e negativos) a curto, médio e longo prazo. No tempo, os efeitos positivos de curto prazo podem-se transformar em negativos e vice-versa. Para minimizar os efeitos negativos a médio e longo prazo, existe o princípio teórico de se tomarem tantas medidas quantos os objectivos e exige-se uma apertada monitorização da evolução da conjuntura a fim de se introduzirem medidas adicionais ou correctivas em função do comportamento da economia e da sociedade.
• As medidas anti crise comportam sempre custos sociais É necessário, que as medidas prevejam quais serão esses custos, quais os grupos sociais que mais pagarão essa factura e que medidas são necessárias para as atenuar de forma a manter a estabilidade social e política.
• É importante saber qual o ritmo e profundidade das medidas. As experiências de ajustamento com alterações rápidas e em grande amplitude dos instrumentos de gestão macroeconómica (taxa de juros e de câmbio, oferta monetária, fiscalidade, entre outras), tem vantagens e custos. Os ajustamentos lentos e suaves possuem também os prós e contras. Existe um amplo debate teórico sobre o assunto.
• É imprescindível conhecer acerca das capacidades institucionais e dos agentes económicos para a execução das medidas. São necessárias mudanças legislativas ou novas leis, alterar procedimentos administrativos, mudar regras de funcionamento, etc.
• Finalmente é necessário saber se existem recursos para a implementação das medidas e caso contrário, quais as fontes de financiamento. Não se podem tomar decisões se consideraras restrições de recursos.
O que 1 de Setembro e quais podem ser os objectivos imediatos da política económica? A médio prazo parece sensato procurar-se atenuar as causas e os motivos das manifestações. Em resumo foram: instabilidade macroeconómica (derrapagem do metical) e aumento dos preços de bens e serviços de primeira necessidade e os principais actores foram os mais pobres dos pobres (desempregados citadinos).
Consequentemente sugerem-se políticas por objectivos, principalmente as seguintes:
• Estabilização macroeconómica, principalmente a inversão da inflação para níveis tão baixos quanto possível, principalmente através de:
-Redução do défice público com medidas radicais do lado das despesas (gastos não essenciais, cortes nos salários elevados, ajudas de custo, viagens, benesses de dirigentes, etc.), aumento das receitas através de maior eficiência da máquina fiscal e combate à fuga ao fisco, evitando-se o aumento da carga fiscal pelos efeitos negativos sobre as empresas e os empregados. Com resultados a médio prazo, é necessário começar desde já com a reestruturação do aparelho de Estado, modernizá-lo, qualificá-lo em recursos humanos competentes e efectivar a descentralização e desconcentração com maior alocação de recursos humanos e financeiros nos distritos (80% do orçamento do Estado localiza-se em Maputo).
- Aumento das taxas de juro colocando-as um pouco acima da inflação e maior cuidado na concessão de créditos dentro de limites de oferta monetária que façam retrair a inflação. Direccionar o crédito para as actividades concordantes com os objectivos de meio prazo.
- Não aumentar salários nominais sem correspondência com a produtividade, excepto para os escalões mais baixos.
• Politicas sociais e para a redução do desemprego:
- Medidas que gerem emprego em pequenas e micro iniciativas empresariais com créditos bonificados, investimentos públicos, redução de procedimentos para a constituição de micro empresas, etc.
- Reforçar a prestação de serviço nas cidades, eventualmente subsidiados e desde que beneficiem os mais pobres (mais e melhor saúde, educação e transportes).
ß Melhorar a eficiência nas cadeias de valor da energia e da água de modo a evitar aumentos dos preços aos pequenos consumidores nos subúrbios.
• Politicas de aumento da produção de bens alimentares, concentrando os recursos, incentivos e as acções públicas nas zonas agro-ecológicas de maior potencial produtivo, com experiência produtiva, acesso aos mercados e tecido produtivo mais desenvolvido, evitando a repartição politizada dos recursos. Para o amento da produção alimentar são necessários serviços direccionados aos pequenos produtores (são os que produzem mais de 90% destes produtos) localizados nessas zonas, como a comercialização, venda de insumos, micro finanças, extensão rural, capacitação das instituições locais, etc. Paralelamente, é fundamental reforçar a investigação socio-económica do meio rural e da produção alimentar e, sobretudo, assegurar a transferência de tecnologia e do conhecimento já existente.
Pode-se esperar a médio prazo por um aumento do excesso da procura devido à baixa elasticidade da produção comparativamente com o comportamento da demanda. É cauteloso equacionar maiores importações de bens alimentares essenciais para fazer baixar os preços desses bens, mesmo que em prejuízo das importações de outros bens não essenciais através de sobrecargas aduaneiras e fiscais.
Por outro lado, sugere-se que se evite a excessiva adminitrativização nas decisões económicas, ter cuidado com a fiscalização/policiamento dos preços pelas possíveis distorções dos mercados e comportamentos não económicos dos empresários.
Finalmente e não menos importante, é fundamental moralizar a política através do combate sério contra a corrupção, medidas drásticas contra a promiscuidade entre politica e negócios, despartidarizar o Estado e recuperar os melhores técnicos moçambicanos colocando-os nos centros de decisão e execução das politicas públicas. O mérito, a competência avaliada, o desempenho e o profissionalismo são os critérios básicos para a valorização nas organizações.
Conforme referido no início, estas são apenas algumas ideias, mas possivelmente essenciais no quadro de pacotes mais amplos de medidas anti crise. Podem não ser consensuais e seguramente que não são as mais indicadas em economias estabilizadas. De qualquer forma, estas ou outras medidas profundas são necessárias. Terá o governo coragem de as tomar? Se sim, será parte da solução. Caso contrário, teremos um governo que faz parte do problema. Esta pergunta final surge porque o que foi sugerido ou outras medidas anti crise, não são na sua maioria concordantes com a política económica praticada até ao momento.
PS: Este é o último artigo da coluna Economicando. A decisão foi tomada há cerca de dois meses com informação ao SAVANA. O autor pensa ter terminado um ciclo. Foi um exercício de cidadania desinteressado e totalmente independente. Outras formas de cidadania são e continuarão sendo praticados pelo autor. Ficou prometido regressar nos princípios de 2011, eventualmente com uma coluna com um conceito diferente. Até lá, ocasionalmente, pode acontecer a publicação de algum artigo.
Os meus agradecimentos aos leitores e ao SAVANA. Igualmente aos que por qualquer motivo não apreciaram o Economicando ou algum dos textos publicados.
SAVANA – 24.09.2010