“O público, como todos os soberanos,
como os reis, os povos e as mulheres,
não gosta que se lhes diga a verdade”.
Alexandre Dumas
Novamente grande discussão por causa do Orçamento para o ano que vem.
Ameaça de crise política, previsões de catástrofe, dialética em catadupas. Não passamos disto. Aliás o orçamento não é a causa, é apenas o pretexto. Podia ser outra coisa qualquer.
Vejamos:
O sistema político democrático – como é entendido no Ocidente e em Portugal – assume na sua doutrina, que os Partidos Políticos (PP) são “estruturantes” da Democracia. Ou seja sem PP não há Democracia. Não vamos hoje discutir este “entendimento”, mas observar o comportamento dos ditos partidos, um nome, aliás, assaz infeliz.
Devemos começar por fazer uma pergunta e responder-lhe; para que servem os PP, qual o seu objectivo primordial? Pois o objectivo número um – e ao qual todos os demais se subordinam – é tomar o Poder e mantê-lo.
Como o Poder – nas democracias – é legitimado pelo voto popular, segue-se que a maioria, senão a totalidade, do esforço de qualquer PP se resume a tentar convencer o eleitorado a votar no seu programa e nas suas figuras de proa.
Se os partidos existentes que se reclamam da doutrina marxista-leninista – que prevê a via revolucionária para a tomada do poder (na verdade qualquer via…) – se dedicam à subversão da sociedade ou do Estado e mantêm capacidades para serem usadas nesse âmbito, é assunto de especulação, normalmente à boca pequena, pois raramente estes temas são abordados nos liberalíssimos órgãos de comunicação social.
E, de facto, se o objectivo primeiro dos PP, não fosse conseguir o Poder, não se justificava a sua existência. Manter o Poder é, a seguir, a tarefa fundamental, pois permite alargar a sua influência e distribuir lugares e prebendas pelos seus filiados (de que existe uma sofreguidão insaciável), condição sine qua non para garantir alguma lealdade canina nas hostes, sem o que despontarão “tendências”, “dissidências”, “alas críticas”, “renovadores”, etc., sempre efusiva e democraticamente saudadas, mas que constituem uma dor de cabeça que enjoa qualquer dirigente partidário, só de pensar nelas.
Ora quem está no Poder, não o quer abandonar e, por isso, fará tudo por lá se manter. A primeira coisa que faz é ocupar o maior número de lugares possível; depois tenta arranjar maneira de condicionar a comunicação social e arranjar uma parafernália enorme de propaganda e relações públicas; na sequência distribuem negócios pelos amigos, verdadeiros ou putativos – isto é fundamental para garantir apoios e aumentar os réditos do saco azul partidário; a seguir começam a mentir - leia-se Alexandre Dumas – até porque as pessoas, de um modo geral, gostam que se lhes minta (só aceitam a verdade em tempos de catástrofes extremas…). O início das promessas começa aqui. Como é preciso garantir o voto, é só facilidades, mais direitos, mais obras, mais subsídios, quiçá a lua. Ninguém quer ouvir falar em sacrifícios, deveres, trabalho, disciplina, organização, hierarquia, restrições, etc.
A partir daqui a economia definha, os costumes relaxam-se, o crime aumenta, a corrupção instala-se. As crises internacionais e os “azares” que sempre acontecem, agravam o descalabro.
Finalmente, como não sabem fazer mais nada senão isto – o sistema parece que não se regenera – começam a pedir dinheiro emprestado. A partir daqui está tudo estragado e é uma questão de tempo para ser o próprio regime a ser posto em causa.
Vejamos agora os partidos que estão na oposição. Como o objectivo é, recorda-se, chegar ao Poder, têm que ser contra (até por princípio!), o governo em funções, suportado por um ou mais partidos; têm que o desacreditar, apresentar soluções diferentes, etc.
Tudo isto resume-se, por norma, numa política de bota abaixo e em fazer demagogia, abusando das promessas. Quem tem meios para isso, provoca greves, cortes de estrada, manifestações nas ruas e campanhas de propaganda. Os mais fundamentalistas põem bombas.
Quando, após mais uma campanha eleitoral, longa, desgastante e cara (e com o uso e abuso, as pessoas já não as suportam!), a oposição chega ao Poder, faz exactamente o que os anteriores fizeram com algumas nuances de circunstância, ou novidades de marketing. A seguir pede mais dinheiro emprestado.
Andamos nisto desde 1820, com um intervalo de 48 anos, e várias guerras civis, pelo meio.
Quando o dinheiro emprestado, normalmente usado no pagamento da dívida e não em investimento reprodutivo, atinge uma certa soma, o descalabro financeiro passa do endividamento na razão aritmética, para a geométrica e a seguir para o crescimento exponencial. Ora nenhum partido está em condições de inverter esta tendência não só porque é contra a lógica de funcionamento do sistema (como se pagariam as promessas?), como a oposição não permitiria. Só haveria “solução” se houvesse um amplo consenso partidário e aceitassem governar juntos. Ora isso é, justamente aquilo que, novamente, a lógica do sistema mais repele, porque uma vez (por hipótese), isso conseguido, deixariam de ser necessários os partidos… Os tais que são estruturantes da Democracia.
Como casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão, e a fome é má conselheira, diz o povo, não o Dumas, podem os leitores fácilmente ajuizar, onde é que tudo isto se arrisca a descambar, após uma palete de confusões e desgraças, que hão-de suceder no entretanto.
Pôr as barbas de molho talvez não fosse má ideia.
João J. Brandão Ferreira
TcorPilAv.(ref.)