A talhe de foice
Por Machado da Graça
Do rio, que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.
Bertolt Brecht
Há dias, conversando com um amigo, ele comentava a grande quantidade, e qualidade, de análise sobre a situação nacional a que foi possivel assistir nos debates televisivos. Isto comparado com a mediocridade das declarações oficiais, incapazes de analisar as causas dos acontecimentos e reduzindo as consequências aos aspectos de violência e vandalismo, deixando de lado o significado político e económico do protesto.
Comentava esse meu amigo que alguns dos nossos ministros, individualmente, um a um, até produziam reflexões interessantes mas, em conjunto, era aquela tristeza... Pouco mais tiveram a dizer para além de que está tudo no plano quinquenal, como se este fosse um livro sagrado, indiscutível. Pelo qual, como acontece muitas vezes nesses casos, se justificou o uso pela Polícia de armas de guerra com as quais foram mortos 13 cidadãos.
A resposta às críticas sobre a carestia de vida foram todas atiradas para a situação internacional. Para esses nossos iluminados dirigentes não existe culpa nenhuma no seu cartório doméstico. Esquecem-se, no entanto, que, das 3 subidas de preço deste início de Setembro, só uma se pode atribuir à conjuntura internacional, a subida do pão. As outras duas, electricidade e água, são assuntos internos.
Cahora Bassa é nossa, como o governo se fartou de gritar, e a àgua de Maputo e Matola vem do Umbeluzi, igualmente nosso. Não se trata, portanto, de subidas a que não possamos fugir, mas sim de subidas derivadas de opções políticas e económicas do executivo.
Ora é precisamente a essas opções que eu creio que temos que ir procurar muitas das causas dos actuais acontecimentos.
A propósito recordo que o actual Orçamento Geral do Estado, elaborado pelo presente governo, atribuiu as percentagens mais altas da distribuição do nosso dinheiro à Presidência da República (733 553 000 Mt) e aos Serviços de Informação e Segurança do Estado – SISE (689 717 700 Mt). Só a título de comparação o Ministério da Agricultura recebeu 125 328 000 Mt.
No primeiro caso imagina-se que fosse para pagar os rios de dinheiro que deve estar a custar a Presidência Aberta do Chefe de Estado, sempre a saltitar de um lado para o outro, com o seu cortejo de 6 helicópteros, alugados fora do país. E, recorde-se, esta verba não inclui a segurança do Chefe de Estado. Essa está num orçamento separado.
No segundo caso não se chega sequer a perceber para que serve tal verba dado que estamos num país em paz com o exterior e sem graves problemas de segurança internos. De resto, quando algo acontece neste sector, como foi o caso da semana passada, a ideia que dá é que o SISE, tal como acontece muitas vezes com os maridos enganados, deve ter sido o último a saber.
Mas, ao tentar desviar a nossa atenção para as causas externas da revolta popular, o Governo está-se a esquecer que as pessoas não estão de olhos e ouvidos fechados. É visível a forma como os membros do Governo e os dirigentes do partido Frelimo vivem, as mansões opulentas onde moram, os carros de luxo em que se deslocam, as regalias de todo o tipo a que têm direito, muitas vezes ultrapassando os já enormes salários.
Ainda recentemente foi noticiado que o Presidente do Conselho de Administração de uma empresa pública (os Correios, se bem me lembro) decidiu aumentar o seu salário para o dobro do muitíssimo que já ganhava. Alguém lhe chamou a atenção para a crise? É claro que não. Para essa camada de pessoas a crise não existe. A crise só existe quando se fala de melhorar a situação dos pobres. Para os já ricos há sempre mais e mais...
Há dias um jovem adulto afirmava que a revolta popular só veio confirmar a frase de Samora Machel, segundo o qual as crianças são flores que nunca murcham. De facto, segundo esse jovem, as crianças do tempo de Samora não murcharam e saíram agora à rua para lutar pelos seus direitos e por uma vida melhor.
É verdade, acrescento eu, que pelo meio das belas flores de jardim apareceram umas tantas selvagens, com picos agressivos, mas, há que reconhecer, nem umas nem outras estavam murchas...
P.S. – Já depois de este texto estar escrito surgiram as medidas do Governo para fazer baixar o custo de vida.
Medidas que são completamente de louvar.
Só me revolta que tenha sido necessário morrerem 13 pessoas, sido feridas muitas outras, e ter havido as destruições que houve para o Governo descobrir que era possível fazer aquilo que, antes, garantia a pés juntos que era impossível...
Título roubado a Geraldo Vandré
SAVANA – 10.09.2010