MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Meu caro Artur
Espero que estejas bem de saúde. Do meu lado tudo bem.
Só que ando completamente baralhado com esta guerra da informação económica.
O que é que eu quero dizer com isso? Quero dizer que estamos a ser sujeitos a um bombardeamento intenso de informações económicas contraditórias.
Por um lado temos o Governo, e as organizações e órgãos de informação dele dependentes, a informar constantemente sobre os enormes progressos da nossa economia. Por outro lado temos outro tipo de organizações, e outro tipo de órgãos de informação, a dizer-nos que as coisas não só não estão a melhorar como, pelo contrário, estão a piorar muito.
Por exemplo: quando o Presidente Guebuza vai a qualquer província, o respectivo governador faz o seu relatório e indica níveis de crescimento económico que nunca são inferiores a dois dígitos e, por vezes, são dígitos gordos. Só que o país, no seu todo, que é o conjunto dessas províncias, cresce a apenas um dígito, e já não é nada mau.
Que alguém me explique estas matemáticas a ver se eu entendo...
Andamos há anos e anos a dizer que se está a combater a pobreza mas, há poucos dias, o sociólogo Carlos Serra citava um relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, dizendo que a pobreza não está a desaparecer e, pelo contrário, na zona Centro até se está a agravar.
Isto só pode querer dizer que o tal combate à pobreza pouco mais é do que discurso político, sem correspondência em acções concretas porque, senão, ao longo destes anos todos, outros resultados haveria a apresentar.
De resto, um simples olhar para o furo onde a maior parte da população aperta o cinto permite ver que as coisas estão muito longe de estarem a melhorar.
Mas onde os números começam, verdadeiramente, a assustar é quando o porta-voz do Banco de Moçambique, Waldemar de Sousa, nos vem dizer que a inflação até Dezembro deverá chegar aos 17%. Isto se compararmos com os 9,5% que o Governo tinha previsto no seu Plano Económico e Social. É uma diferença demasiado grande para não a considerarmos como alarmante. Ou as contas no Plano tinham sido muito mal feitas ou as coisas correram muito pior do que o Governo previa. Ou as duas coisas juntas.
E a tensão social que vivemos, com picos nos primeiros dias de Setembro e, agora, com a ameaça de greve nos serviços de saúde, é termómetro claro da gravidade da situação. E, quando sabemos que há sectores das Forças Armadas que não recebem os seus salários há quase um ano, a ideia surge, forte, de que estamos a brincar com coisas sérias.
E, talvez o mais preocupante, esta sensação de que quem nos governa não faz ideia de como nos fazer sair do buraco em que estamos metidos. Que gastam demasiado do seu tempo, e do nosso dinheiro, a resolver os seus respectivos problemas de enriquecimento pessoal e demasiado pouco a encontrar saída para a pobreza colectiva.
E se concordo com quem defende formas de comunicação entre governantes e governados mais “samorianas”, não posso deixar de acrescentar que também os objectivos da governação devem ser mais “samorianos”, isto é menos egoístas e mais virados para o bem comum. Porque melhores meios para atingir os mesmos maus fins não me parece que funcionem durante muito tempo.
O Governo aprovou, para levar à Assembleia da República, o projecto de Orçamento do Estado para 2011.
Estou curioso de ver se se vão repetir os disparates crassos, como foi a verba atribuída, este ano, ao SISE.
Se o que precisamos, para levantar a cabeça, é produzir, isso tem que vir reflectido no OE através do reforço das áreas produtivas, à custa das claramente improdutivas e não das sociais ou culturais.
Esperemos, meu caro Artur, que os acontecimentos violentos deste mês tenham chegado a tempo de influenciar a elaboração do próximo OE. Porque se isso não acontecer, tenho muito medo que, no próximo ano, os pneus voltem a arder.
Um abraço para ti, do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 24.09.2010