Editorial
Estamos de novo entre a espada e a parede.
Quando a esperança de finalmente vermos o País a tornar-se o espaço por que também ambicionavam os que não chegaram se quer a ver a Independência – ou porque foram excluídos do movimento de libertação e assassinados, ou porque tombaram no percurso, em luta ou por força do destino inevitável – o País entrou numa tremenda Guerra Civil que alguns, na sua eterna teimosia e de ego exasperado, insistem em dizer que se tratou de uma ‘guerra de desestabilização’ confundindo uma coisa com a outra, isto é confundindo a conjuntura regional e internacional com o que se passava – internamente, entre moçambicanos – suscitado pela discriminação dos que não pensavam da mesma maneira como os que estavam no poder, e também porque os desavindos entendiam que os que estavam no poder não eram as autoridades legítimas por não terem sido sufragadas. Entre outras razões, como campos de reeducação, operação produção, etc., que foram aumentando a pressão da “panela”…
Os moçambicanos sofreram na guerra de libertação nacional, mas a Independência foi finalmente reconhecida. Valeu a pena lutar. A conjuntura acabou por proporcionar o entendimento entre os beligerantes.
Com o primeiro advento da Paz, com a Independência Nacional, quando se supunha que tinha sido conquistada a liberdade, foi o que se viu. Uns em nome da sua razão fizeram e desfizeram dos outros, até que um dia os outros começaram também a fazer e desfazer.
Lamentavelmente vimo-nos envolvidos em guerra por todos os lados e uns contra os outros. Houve nessa altura quem defendesse a guerra para se conquistar a paz. Mas só quando os mediadores conseguiram sentar à mesma mesa ambas partes beligerantes – cada uma sustentada pelas convenientes tendências internacionais – é que finalmente foi possível levarem-nas a entenderem-se. Finalmente, a Paz chegou a 04 de Outubro de 1992, na capital italiana, promovida pela Comunidade católica de Santo Egídio e outras pessoas de boa vontade, nacionais e estrangeiras.
Só quando o País chegou ao limite das suas forças, finalmente chegou-se ao entendimento de Roma, que nos devolveu a esperança.
A teimosia custou caro.
Nasceu, contudo, uma alma nova a Moçambique.
Todos voltámos a acreditar que era possível construir um País mais justo para todos, obviamente sem igualitarismos absolutos e naturalmente com uns mais ricos do que os outros, mas com mais justiça social. E pensámos que teríamos uma gestão do Estado respeitadora do bem público e que proporcionasse mais oportunidades a todos. Não é bem isso que temos hoje, como nos disse sempre a Oposição e como nos acabam de confirmar figuras da própria Frelimo do gabarito de Graça Machel e Jorge Rebelo.
Volvidos 18 anos pós Acordo de Paz entre a Frelimo e a Renamo estamos mais ‘crescidos’, mais desenvolvidos, há mais moçambicanos a viverem melhor do que antes, há mais carros, há mais luzes, há mais bicicletas, há mais telefones, mais jornais, mais televisões, mais muita coisa, mas há menos industria, menos agricultura e o Estado, por via do Governo, continua a investir todos os anos nas mesmas coisas que pouco duram depois de construídas de raiz ou reparadas. E assim se alimentam negociatas.
Estamos mais próximos dos vizinhos e do mundo, mas também é verdade que não só esta dita democracia deixa muito a desejar, como as coisas estão-se a pôr muito complicadas para quem não tem os bolsos a transbordar de dinheiro.
Vamos sempre dar ao mesmo e aos mesmos. São sempre os mesmos a embrulhar isto.
O País está de novo metido entre varas.
A 05 de Fevereiro de 2008 foi dado o primeiro aviso. De lá para cá os transportes públicos e os privados semi-colectivos não melhoraram. A vida de quem tem de usar estes meios vai de mal a pior.
Fizeram-se apelos para que não se fizessem intervenções administrativas na economia, por forma a que ela pudesse ir-se ajustando às circunstâncias.
O Poder era o objectivo de alguns e o País foi deixado para depois. O resultado está hoje à vista. Tudo pelo Poder, um grupo de pessoas a quererem ficar com tudo e agora até dentro do Partido Frelimo as coisas estão a arder.
Um governo de autistas, que não quer ouvir, insiste em fazer do País a sua machamba e dos seus apaniguados. Criam fundos para que todos contribuímos com os nossos impostos e outras obrigações fiscais, mas criam também sistemas para os abocanharem. O dinheiro nunca chega a quem deve.
O mesmo e sempre os mesmos acumulam todos os dias, aos milhares, aos milhões usando cantilenas políticas em que os mais distraídos vão acreditando até que um dia explodem.
Falam de combate à pobreza absoluta, mas quando quem está habilitado a avaliar os resultados o faz, o que vemos é que a pobreza está a aumentar em vez de diminuir.
Falam de ‘Revolução Verde’ e no fim não há resultados que comprovem a utilidade do insistente discurso com que um punhado tem estado a tentar adormecer os outros moçambicanos.
Pesquisas “sobre a situação e sobre a evolução da pobreza em Moçambique, tanto pesquisas baseadas em dados estatisticamente representativos (Alkire & Santos, 2010; de Vletter et al., 2009; Cunguara & Hanlon, 2009; Metétier, 2006; MPD, 2010), como pesquisas qualitativas, através de estudos de caso e reportagens narrativas (Paulo et al., 2008; Halon, 2007; Serra, 2010), são unânimes num ponto: a pobreza continua muito elevada em Moçambique, cronicamente resistente e com sinais para aumentar, em vez de diminuir”, escreveu o investigador do IESE, Prof. Dr. António Francisco.
Depois da revolta de 1 a 3 de Setembro, outro economista moçambicano, o Prof. Dr. João Mosca, alertou já também para a possibilidade de ocorrerem novos episódios violentos em Maputo caso não se encontrem, a curto prazo, soluções que atenuem a pobreza urbana em Moçambique cujas causas disse serem “muito mais amplas do que a questão dos bens essenciais”. Não hesitou em afirmar que a “situação de pobreza urbana é muito grave, o desemprego é altíssimo, há muitíssimos desempregados, e não é de admirar que possam surgir novos momentos de violência e de perturbação, sobretudo em Maputo e Matola”.
Um outro conceituado economista e investigador, o Prof. Dr. Carlos Nuno Castel-Branco, chegou também já a chumbar o discurso de Guebuza sobre o alegado combate à pobreza e a dizer objectivamente que “a Pobreza da população gera a riqueza de alguns”.
“Quando estão à procura do voto popular até parecem ‘farinha do mesmo saco’, mas logo que se fazem eleitos é vê-los fugirem dos governados como se estes tivessem peste bubónica ou sarna”, opinou a propósito da miséria que atinge a esmagadora maioria dos governados o técnico agrário e comentarista do Canal de Moçambique, Noé Nhantumbo.
O Alto-Comissário do Reino Unido, em Moçambique, Shaun Cleary, chegou já também a dizer que Moçambique é um caso “paradoxal”, porque, por um lado, é um exemplo de sucesso (em termos de crescimento económico), mas, por outro, é “ainda um dos países mais pobres do mundo”. Referindo-se aos “distúrbios” de 1 a 3 de Setembro opinou que “demonstraram, de forma trágica, a necessidade de se procurar novas formas de abordagem, e prestar maior atenção aos mais pobres”.
Um estudo recentemente publicado na Inglaterra, pela ‘Chatham House’, considera também que “o ritmo do processo de redução da pobreza em Moçambique parece estar a abrandar”, o que pode estar “associado ao declínio das normas de governação democrática e política.”
No mesmo estudo intitulado “Equilibrando o Desenvolvimento, a Política e a Segurança” – da autoria de Jeremy Astill-Brown e Markus Weimer – o primeiro, um ex-diplomata britânico com 22 anos de experiência ao serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido – lê-se que “há indicações de que o espaço democrático tem estado a ser monopolizado, à medida que um elemento da elite do partido principal, a FRELIMO, vai consolidando a sua retenção política e económica do poder, em prejuízo dos elementos reformadores do partido e também de outros grupos da oposição, o que tem um impacto potencial sobre a segurança (humana).”
“Distribuição desigual da renda é a origem das manifestações do início de Setembro”, considerou também o Grupo Moçambicano da Dívida que chega a defender mesmo que “o crescimento do fosso entre ricos e pobres, que se agudiza no país, deve constituir preocupação para os moçambicanos, os quais devem buscar soluções para reverter as tendências actuais”.
Agora, para justificar o fracasso do “cavalo de batalha” do presidente da República e chefe do Governo, Armando Guebuza – o célebre e repetido propósito de combater a pobreza absoluta – o Governo diz que “a pobreza aumentou porque a população também aumentou”.
É como se os vários estudos e relatórios – que estão a provar que a estratégia de combate à pobreza, elaborada e implementada pelo Governo de Guebuza ainda não está a resultar ou fracassou em absoluto – fossem todos meros disparates.
Há cada vez maior número de pobres em Moçambique, como demonstram, para por termo às dúvidas, os números do próprio Instituto Nacional de Estatística.
Na proposta do Plano Económico e Social (PES) para 2011 que já está na Assembleia da República (AR), agora o Governo apresenta quanto cresceu a população nos últimos anos para justificar o porquê da manutenção da pobreza em níveis gritantes. E nós perguntamos: é isto o combate à pobreza absoluta?
Quando o Governo alega que o aumento da pobreza se deve ao crescimento efectivo da população não estará a querer brincar com a nossa inteligência?
Afinal o governo não sabia que o País tem de crescer economicamente mais do que cresce a população?
Se perguntamos não cabe a nós responder. Ficam as questões como contribuição para reflexões que começam a tornar-se pertinentes. (Canalmoz / Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 29.10.2010