Comentário de: António Nametil Mogovolas de Muatua
Com alguma legítima surpresa, lí o artigo em que um certo amigo quase escriba da Corte manifestava a sua estranheza pelo facto de o nosso Patriarca em política, o impoluto Jorge Rebelo, se insurgir contra os xiconhocas de hoje, que, infelizmente, pululam um pouco por todo este país e o corroem que nem o caruncho fazendo estragos nas entranhas do caule das árvores indefesas. O caruncho, tal como o corrupto locupletando-se do património alheio, quanto mais grosso for o caule e frondosas forem as suas ramagens e folhas, com maior voracidade ele o ataca até à sua morte lenta mas inexorável.
Eu não quero falar da pessoa do Jorge Rebelo que, por ser humano, tem, natural e obviamente, os seus inevitáveis “pecados” e muitas limitações. Eu quero, sim, discutir as ideias e a postura política, corajosa e modernamente, assumida pelo militante do Partido Frelimo Jorge Rebelo.
Não é porque alguma vez o Homem tivesse pensado que a caverna era o melhor sítio para ele viver que vai “jurassicamente”(¹) recusar-se a sair dela para novas e modernas casas que ele, no seu “bom evoluir” paulatino pelos milénios, vai construindo.
Se naquela recuada era histórica o Homem pensava que a caserna era o abrigo de luxo “topo de gama”, não é justo que se lhe obrigue hoje a continuar a considerar aquele tugúrio como sendo o mais adequado em pleno 2010.
O Homem, porque pensa, evolui com as novas ideias por ele intercambiadas neste planeta em que a globalização está cada vez mais disseminada graças aos meios tecnológicos da era “bit” que ele usa como sua ferramenta de sobrevivência, trabalho e de comunicação.
O pior que o Homem pode tentar fazer é aprisionar o pensamento de outro Homem a cânones pré-estabelecidos e considerados, em dado momento, como sendo os mais perfeitos.
O pensamento do Homem nunca é perfeito, porquanto está sempre em movimento rumo à almejada perfeição.
A Frente de Libertação de Moçambique, aos 03 de Fevereiro de 1977, no III Congresso evoluiu qualitativamente para Partido Frelimo de orientação marxista-leninista. Este salto na sua qualidade intrínseca crismou
aquilo que na prática já estava acontecendo, porquanto no pós-independência a dinâmica da gestão nacional começou a exigir um partido do jaez do que foi criado. A Frente de Libertação de Moçambique, se teimosamente continuasse como tal, corria o risco de ser uma força retrógrada, conservadora e não progressista como era, na altura, desejo de muitos moçambicanos.
Se compulsarmos a História, sem surpresa, confirmamos o que ora precedentemente venho tentando argumentar: “a roda da História não anda, felizmente, para trás e nem pára no tempo”. Ela evolui, dialecticamente, de estágios menos desenvolvidos para outros mais avançados. E isto não é teoria lírica nem meramente académica: a criança, que é uma amálgama de milhões de células em equilíbrio biológico, evolui, incessantemente, dos estágios inferiores para os superiores e vai até ao infinito, que deve ficar para além da morte, essa forma ainda pouco estudada da vida dos seres vivos.
Não obriguemos o Partido Frelimo, que é uma célula social com vida própria a anquilosar no tempo.
Não obriguemos o Partido Frelimo, que é feito por homens, a ser refém dos seus erros (muitos deles cometidos de boa fé) protagonizados no passado.
Se Dom Afonso Henriques não tivesse traído a sua mãe, Dona Urraca, não fundaria o Condado Portucalense e hoje não teríamos um país chamado Portugal, mas sim (e talvez) mais uma Província do Reino de Espanha.
Se a Frente de Libertação de Moçambique, o Movimento Popular para a Libertação de Angola e o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde não tivessem cometido a rebeldia de terçar armas contra o colonialismo, continuaríamos até hoje Províncias de Portugal no Ultramar.
Os exemplos seriam infinitos, mas o que pretendo com eles recordar é que o pensamento humano jamais ficará estagnado no tempo porque a humanidade alimenta-se do progresso trazido pelo bom pensar e este (o progresso) nunca se materializa ficando-se estanque em posições já ultrapassadas.
E é progressista combater os corruptos, tal como o foi combater os reaccionários, os anti-independistas e os xiconhocas no pós-independência.
O corrupto que hoje se combate é tão pernicioso para o Povo como o foram os contra-revolucionários durante a luta de libertação nacional.
Assim sendo e por diante, não obriguemos Jorge Rebelo a pensar em 2010 como pensava em 1974, porque hoje ele tem que resolver os problemas do presente para todos podermos avançar de modo harmonioso e sem descontentamentos de maior monta contra a governação do partido político no poder em Moçambique, a Frelimo.
Mais ainda, este Jorge Rebelo que hoje tentam crucificá-lo está a defender os mesmos ideais que sempre foram mostrados ao Povo pela Frelimo (Frente e Partido) como sendo os mais positivos: o trabalho, a unidade, a vigilância, a incorruptibilidade, a transparência, a solidariedade, o internacionalismo, a moral, a ética, o patriotismo, etc.
Sinceramente, não vejo porque o vilipendiam! Com franqueza, não vejo porque apedrejam esta nossa velha reserva moral nacional! Com todo o respeito que tenho para com os meus compatriotas que contra ele esgrimem as suas espadas, não vejo aonde é que o velho Jorge Rebelo falhou nas críticas que até hoje fez ao comportamento de algumas pessoas influentes do nosso glorioso partido Frelimo!
É verdade que o partido Frelimo é feito de pessoas e estas são naturalmente portadoras de muitas fraquezas e por este mesmo motivo é que se faz importante, de tempos a tempos, reciclar essas mesmas pessoas acerca da necessidade de observarem sempre uma conduta tendencialmente imaculada de vícios mundanos e cuja proliferação é prejudicial ao desenvolvimento harmonioso do Povo.
Talvez ele esteja sendo criticado por ter, subjectivamente, exaltado os valores morais e éticos-profissionais e de incorruptibilidade material e financeira característicos de algumas figuras da nossa arena político-governamental.
Mas que não seja por este posicionamento, tal como disse, subjectivo, que se vai tirar mérito às suas ideias de 2010, às suas críticas ao mau comportamento de hoje de alguns camaradas e dirigentes da Frelimo, ao, aparente, mau exemplo que estes responsáveis mais velhos e de mais prestígio estão a dar à nossa juventude.
Por isso mesmo, deveríamos saudá-lo pela coragem que o Jorge Rebelo tem tido de se “infiltrar” (no sentido positivo do verbo) no seio dos jovens e seria nosso dever patriótico municiá-lo com mais ideias para ele melhor contribuir para a educação dos nossos filhos. E nunca desmotivá-lo com insinuações eivadas de intenções inconfessáveis do género: “lembre-se, camarada, a esta hora o povo não deve ser agitado contra os Governantes, salvo se existirem outras agendas”.
Por outro lado, gostaria de recordar que “o templo não faz a igreja” mas, sim, o contrário. A ecclesia (²) é que faz o templo. Com isto quero dizer que não são dogmas – ainda que bem arquitectados – que farão desenvolver o pensamento humano requerido para que o partido Frelimo se desenvolva de forma paulatina e irreversível.
O pensamento de Jorge Rebelo está actual e o partido Frelimo servir-se-á dele, também desta vez, para fazer escola e encontrarmos todos os moçambicanos (porque é desejo de todos nós) os caminhos mais hábeis e realistas de extirparmos do nosso seio essa “pandemia social” que é a corrupção lesiva do património do Povo.
Penso que não é nobre lançar epítetos ao pensamento de Jorge Rebelo, tentando pô-lo contra os outros dirigentes de cúpula do nosso Partido Frelimo.
As manifestações, infelizmente violentas dos dias 1, 2 e 3 verificadas em algumas cidades do país, foram protagonizadas principalmente pelos jovens.
Jorge Rebelo – desempenhando um papel socraticamente (³) didáctico – aproxima-se dos jovens e com eles discute, sem reservas, nem demagogias, nem tergiversações, a vida do país, tentando com eles equacionar recomendações para estancarmos mais esta crise na vida nacional.
Por isso, companheiros, unamo-nos a Jorge Rebelo e tentemos com ele encontrar caminhos não violentos para resolvermos esta vergonha nacional que é a corrupção, possível mãe geradora ou agravadora dos erros de governação, potencialmente conducentes à insatisfação do Povo e desta para situações de desmando como a que o país viveu nos tristemente célebres 3 primeiros dias do Setembro negro de 2010.
[¹] Neologismo inventado a partir do filme “o parque jurássico” que conta a história da era em que os dinossauros ainda e também habitavam o planeta
[²] Ecclesia é uma palavra latina, que quer dizer "igreja", actualmente, mas que significou, originalmente, "curral" ou "abrigo de ovelhas". Trata-se de uma palavra muito difundida no Cristianismo, em que os fiéis são chamados de "ovelhas", que são cuidadas pelos "pastores". O conjunto dos cristãos que se reúnem regularmente em uma igreja também é chamado de igreja, assim como o total dos cristãos de uma mesma seita (Fonte: Internet. 27/10/10)
[³] Sócrates, filósofo da Grécia antes de Jesus Cristo, educava a sociedade através da juventude com quem partilhava as suas ideias publicamente.
WAMPHULA FAX – 28.10.2010