DOIS navios adaptados para o transporte misto – passageiros e mercadorias - vão assegurar, a partir do próximo ano, a ligação entre os vários portos nacionais naquilo que constitui o primeiro passo para a retomada da cabotagem na costa moçambicana. Para a concretização deste projecto o Executivo já desembolsou cerca de seis milhões de euros na compra dos barcos agora em processo de fabricação no estrangeiro.
Apesar de ser banhado por uma longa extensão de costa (mais de 2 700 quilómetros) dotada de infra-estruturas portuárias, Moçambique não usa a cabotagem facto aliado a uma combinação de factores nomeadamente a rigidez da legislação marítima em vigor por um lado, e por outro, a paralisação das empresas vocacionadas, na sua maioria privatizadas pouco depois da guerra.
O Ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula garantiu há dias o nosso jornal que, neste momento, existem muitas companhias estrangeiras interessadas em assegurar a cabotagem no país, no entanto, entende que o primeiro passo nesse sentido deverá ser dado pelo Estado por via da empresa Transmarítima, uma companhia já enraizada no transporte marítimo, em Moçambique.
Na segunda parte desta entrevista cujos excertos transcrevemos a seguir, o governante fala de um plano ambicioso que o Governo elaborou para a ligação em linha férrea, entre o sul e o norte de Moçambique para além do programa de transição do sistema analógico para o digital que no seu entender poderá ser um processo penoso para os moçambicanos: siga o texto.
NOTÍCIAS (NOT) – Moçambique possui mais de 2 700 quilómetros de costa, no entanto, nada ou quase nada é transportado por via marítima. Que planos existem neste sector?
PAULO ZUCULA (PZ) - O transporte marítimo é um problema sério e de certa forma contraditório para os moçambicanos. É que para um país tão pobre como o nosso que pode ter grandes transacções comerciais não faz sentido não poder estar a aproveitar o mar. É preciso lembrar que já usamos o mar com muita força, mas depois passamos por uma fase de guerra, privatizações e algumas dessas privatizações não foram boas, e isso reflectiu-se no transporte marítimo que ficou praticamente paralisado.
Nós, neste momento, estamos a tentar fazer três coisas: uma é pôr os portos secundários a funcionarem. Portanto, não devemos olhar para os portos grandes, onde já estamos a trabalhar nas dragagens. Entendemos que os portos secundários como Quelimane, Xai-Xai e Inhambane devem funcionar para pequenas cargas de modo a se reactivar estes meios de transportes.
NOT – O que existe de concreto?
PZ - O Governo, através do Ministério dos Transportes está num processo de aquisição dos primeiros dois navios de pequena cabotagem. Não se trata de um plano porque já pagamos e os barcos estão a ser fabricados.
NOT – Está a dizer que o Estado é que vai assegurar esse serviço?
PZ - Numa primeira fase, para a gestão dos barcos vamos colocar a Transmarítima e para isso teremos que modificar a gestão da Transmarítima. A ideia não é o governo fazer o transporte, mas sim iniciarmos a actividade, porque muitas vezes, o sector privado não quer arriscar. Então, nós queremos dar o primeiro passo para reduzirmos o risco. Já estamos a pensar com o sector privado para também entrar no negócio. Estamos em contactos com uma empresa portuguesa, uma empresa italiana e outra brasileira que querem fazer a cabotagem. Portanto, quando já tivermos os barcos a funcionar vamos falar com as empresas para ver se podem entrar.
O que deve ficar claro é que não são só três empresas que querem explorar a cabotagem em Moçambique, são muitas companhias, mas o problema da maioria delas querem exclusividade no sentido de que basta conceder a licença não podemos deixar outras trabalharem.
NOT – Qual tem sido o entendimento do Governo em relação a isso?
PZ - O nosso entendimento é que não podemos fechar o caminho marítimo para um operador. Temos é que encontrar uma outra forma de dar confiança às empresas para andarem, mas no próximo ano, nós vamos iniciar o transporte normal de pequena cabotagem nos portos mais pequenos até Nacala e Pemba com esses dois navios até que, paulatinamente, consigamos introduzir o sector privado.
NOT – A legislação marítima tem sido apontada como um entrave para este sector. De que maneira o governo olha para questão?
PZ - Para trazer o sector privado, uma das coisas que temos que fazer é ajustar bem a lei do mar porque a legislação está bem clara sobre como é que um barco pode ser registado como de bandeira de conveniência nacional. Agora, a nossa lei diz hoje que a empresa internacional que traga carga do estrangeiro para o porto nacional não pode fazer a cabotagem. Portanto, o navio vem e chega num porto como Beira deixa a carga e volta ou até pode navegar para Maputo, mas será só para deixar a carga e nunca fazer o carregamento. Então, nós entendemos que temos que flexibilizar algumas leis como a Libéria fez para permitir que empresas que usem a nossa bandeira de conveniência possam fazer também a cabotagem ao longo da costa moçambicana. Estamos a trabalhar nisso.
A outra coisa fundamental é que tu para motivares uma empresa de transporte marítimo tens que ter a indústria naval com capacidade para a reparação de barcos e melhor ainda para a reparação. Também estamos a trabalhar nessa área. Estamos a trabalhar com um estaleiro no âmbito da cooperação com Portugal e se tudo der certo poderá se criar uma empresa mista com um agente nacional para tomarem conta de alguns estaleiros nacionais, primeiro, para reparar e depois para fabricar barcos nem que seja para recreio para começar.
NOT – Há algum estudo comparativo sobre os ganhos que este tipo de transporte traria para a economia?
PZ - Não, mas em termos de custos temos que reconhecer que o transporte no mar é mais barato. No entanto se um navio anda vazio, as perdas também são muito grandes. Portanto, os custos que estamos a ter em algumas cidades como Pemba têm a ver com o transporte. Mesmo aqui em Maputo, é só ver por quanto é que se compra o feijão produzido em Lichinga. Então, é verdade que a questão do transporte, armazenamento e processamento é um problema que fomenta a pobreza. Nós temos que baixar os custos transportando mais barato.
NOT – Enquanto, tempo se terá os navios em Moçambique?
PZ - Os navios estarão em Moçambique, o mais tardar no início do segundo trimestre de 2011, ou seja, entre Março e Abril teremos os dois barcos em Moçambique. Já pagamos seis milhões de euros e são barcos mistos que vão levar carga e pessoas. Isso vai permitir que aqueles que quiserem viajar de férias dum ponto para o outro possam levar os seus carros.
EQUACIONA-SE FERROVIA LIGANDO SUL E NORTE
Para muitos pode ter parecer simplesmente utópico, quando se fala duma linha férrea para ligar Maputo a Cabo Delgado, no entanto, Paulo Zucula reitera que isso não se trata de um simples sonho e chega a avançar que o ano de 2011 vai ser crucial para o projecto. São suas as declarações que seguem:
- A ideia é que se ligue Maputo e Cabo Delgado. Para muitos isto pode parecer um sonho irrealizável, mas é bom se saber que agora já estamos a negociar o troço entre Mutarara e Mutuale, é uma linha que atravessa a província da Zambézia e termina em Nempula ligando o Corredor de Nacala.
Portanto, se os projectos petrolíferos darem certo no Norte vai se facilmente negociar uma linha que sai de Mutuale em direcção a Mocímboa da Praia porque esta é a parte que parece que a linha vai ser mais viável.
Não se trata de ser o primeiro, mas é onde se vê que há viabilidade económica porque há projectos em “pipeline” que vão cria massa de carga para circular.
NOT - Quando é que esses projectos começam a ganhar corpo?
PZ - Já existem alguns memorandos de entendimento e neste momento estão em curso estudos. Na semana passada houve uma reunião de logística de carvão e os chineses tem muito interesse nesse troço, há um grupo de moçambicanos que tem os seus parceiros estrangeiros que também tem interesses. Então, a nossa ideia é fazer. É preciso deixar quem tem dinheiro fazer e podemos chegar a conclusão de que podemos deixar fazer para operar e entregar mais tarde ao Estado.
Significa que este troço que me referi anteriormente poderá ser o primeiro a ser feito. Não vou precisar aqui datas, mas o meu optimismo me diz que até ao final de 2011 vamos ter o estudo certo sobre o traçado da linha, sobre o que vai custar, onde estarão os projectos que vão suportar a viabilidade. Uma vez isso feito é mais fácil avançar.
A seguir teremos um outro bocado que vai ligar Dondo à Linha do Limpopo e o outro implicará a ligação entre a linha do Limpopo e o Botswana. A mesma Linha do Limpopo estará depois ligada a Catuane na zona de Matutuíne onde vamos construir um Porto de águas profundas.

TRANSIÇÃO DE SISTEMAS PODE VIR A SER PENOSA
Por decisão da União Internacional das Telecomunicações todo os países deverão emigrar do sistema analógico para o digital. Porque Moçambique não deverá ser uma ilha já começou a preparar-se para esta transição que para muitos não será algo pacífico tendo em conta as implicações que poderá trazer. Perguntamos ao Ministro Zuzula que passos já foram dados com vista a materialização deste objectivo em face do que respondeu:
PZ - Em breve vamos levar esta questão ao Conselho de Ministro onde vamos decidir sobre a opção, sobre qual é o sistema que será usado e qual vai ser a transição. É preciso dizer que esta é uma decisão internacional, mais concretamente a União Internacional das Telecomunicações de que o mundo todo tem emigrar dum sistema para o outro.
NOT - Que implicações se podem esperar?
PZ - Isso vai afectar os órgãos de comunicação de rádio e televisão. Estamos a falar de afectar, mas na verdade vai haver melhorias, contudo queremos dizer que vai ser uma transição penosa provavelmente, porque isso implica o uso de adaptadores. Nós temos estado a discutir até agora, dos três a quatro sistemas que o mundo está a adoptar desde o Europeu até ao Japonês, coreano e o chinês.
NOT – Quais são as opções mais próximas?
PZ - Os sistemas mais próximos são o japonês e o europeu. São opções quase muito similares, mas a diferença está na economia de escala. Enquanto o sistema europeu é usado por muito mais gente e muito mais países o sistema japonês ainda está em poucos países, mas está-se a expandir e nós vamos ter que fazer uma opção para entregar o Governo de modo a ter elementos para ir discutir ao nível da SADC.
NOT – Porquê na SADC?
PZ - O ideal seria fazer uma opção como região para não afectar as nossas trocas comerciais. Portanto, para nós a opção mais correcta é tentar fazer com que toda a SADC tenha a mesma opção, obviamente que não devemos esperar que todos concordem, para esta é a nossa maneira de ver as coisas e vamos tentar influenciar que toda a região económica da SADC tenha a mesma opção e só assim é que estaríamos melhor servidos.
- Rogério Sitóe e Titos Munguambe