(Poeta JOSÉ Craveirinha (1922 / 2003) segurando a foto da esposa Maria de Lourdes)
in memoriam, 6 Junho 1924 - 8 Outubro 1979
Por JOÃO Craveirinha ©
I
Num dia mais que outro, cinzento,
o Sol com seu brilho mais intenso, chorou!
Minha verdadeira Mãe partiu!
Partiu sem tempo de dizer a - Deus
na ex-estrada antiga da circunvalação,
ex-Caldas Xavier, rebaptizada Marien Ngouabi
(ex-poderoso congolês de Brazzaville).
Nessa estrada, no passeio fatal
vinda das comprinhas
a morte em jeito de ciclista
A, colheu,
minha Mãe, Maria de Lourdes
partiu sem tempo de dizer a - Deus!
II
Num quase país MussaMbique
ex-demitido de muita acção solidária,
minha verdadeira Mãe-coragem (não a de Brecht)
mas minha Mãe, partiu,
sem tempo de dizer a - Deus!
III
Lá fora, no hospital ex-Miguel Bombarda
José, o marido-poeta, o Zequinha e o Stélinho, filhos,
o tio Shafurdin, diplomata revolucionário,
todos perfilados na dor, do silêncio circunspecto
no mais profundo desalento
estupefactos na dor súbita,
eu, seu filho (adoptivo na ideologia solidária e no afecto)
Olho petrificado minha Mãe (ex-tia) Maria
no seu leito final do hospital, à máquina ligada.
Ajeito-lhe o lençol e a coberta,
no seu sono de olhos abertos
(o último da família a vê-la,
respirando artificialmente),
fecho seus olhos surpresos
de Mãe no desespero
órfã de seus filhos,
Viúva antecipada de seu poeta-marido!
IV
Agora sem Mãe passados estes anos todos
A quem me vou aconselhar?
A quem vou acompanhar aos domingos de tarde
às suas matinés-estreias, do Teatro Manuel Rodrigues,
digo, ex-Cinema de L.M., na av. 24 de Julho,
ver o Marcello Mastroianni, Stefania Sandrelli, Daniela Rocca?
V
Para quem irei desenhar os trajes
de folclore evoluído, da Associação Africana
Que minha tia-Mãe, Maria de Lourdes, tão bem costurou em 1962,
Sob a “batuta” pioneira do poeta Zézé, seu marido,
na pesquisa antropológica e reabilitação
dos ritmos e danças da Marrabenta, da Zucuta,
do (i)n’Phena, xiParatuana, xiGubo, et cetera?
Sim, para quem vou desenhar esses trajes
adaptados dos ancestrais baNto?
VI
Ahh… tempos ingratos do esquecimento
dum “MussaMbique”d’hoje
onde se vive num país
de cidadania arrependida
de tantos ex - quase excomungados
na imbecilidade colectiva
assumida gloriosamente, no dinheiro fácil,
aí me ergo e me reforço na memória da lucidez
da minha verdadeira Mãe (ex-tia) Maria de Lourdes
e recuo no tempo desse implacável país colonial, e digo:
Kani Mambo Mãe Maria, eternamente grato,
por teres sido minha Mãe no passado, presente e futuro,
e sempre de verdade – MÃE - nos maiores momentos de minha aflição! !
(assinado: JOÃO Craveirinha, simplesmente mais um teu filhozito junto aos maninhos Stélio e Zeca)
Lisboa, 8 de Outubro de 2010 – JOÃO Craveirinha © (inédito)