Por navegação em águas moçambicanas sem autorização
Ministro dos Negócios Estrangeiros explica os contornos do caso e nega que haja uma crise diplomática entre os dois países
A Polícia da República de Moçambique (PRM) deteve, no fim de semana último, quatro cidadãos estrangeiros, dentre os quais um diplomata afecto à Embaixada do Malawi em Maputo, como adido militar. Os quatro estrangeiros foram detidos quando viajavam num barco que navegava ilegalmente, no rio Chire, na província da Zambézia. Devido ao facto de beneficiar de imunidade, o diplomata já foi solto, mas os restantes cidadãos estrangeiros continuam detidos.
A embarcação em causa pertence a um cidadão sul-africano. Foi interceptada pelos agentes de controlo fluvial, no distrito de Megaza, sem documentos para navegar no rio Chire.
Segundo a agência de Informação Portuguesa, LUSA, a embarcação vinha de Marromeu, Zambézia, e transportava três malawianos, entre os quais o adido militar da Embaixada do Malawi em Moçambique, além do dono.
Este acontecimento vem condimentar a velha disputa existente entre os dois países, pela navegação do rio Chire – que atravessa os dois países. O Malawi está sem acesso ao mar e quer, através do rio Chire, penetrar até ao rio Zambeze para atingir o oceano Índico, facto que lhe é negado, até agora, por Moçambique.
As relações entre Moçambique e Malawi têm sido marcadas por vários momentos de tensão. Para além da disputa pela navegação dos rios, no início do mês em curso, empresários malawianos, citados pela imprensa do seu país, acusaram o Governo de Moçambique de “sabotar a economia do Malawi”, ao restringir o tráfego na ponte Samora Machel, na cidade de Tete, devido às obras de reabilitação do empreendimento que decorrem actualmente.
A versão do Governo moçambicano
Ontem, o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Oldemiro Baloi, falou da detenção do adido militar malawiano, no final da 38ª sessão do Conselho de Ministros e disse que o incidente não vai afectar as relações entre os dois países.
Aliás, o ministro desdramatizou toda a disputa pela navegação nas águas fluviais de Moçambique que permitiriam o Malawi, país do Hiterland, ter acesso à costa marítima, ao Oceano Índico, mais propriamente ao Canal de Moçcambique, passando pelo Chire e navegando ainda pelo Rio Zambeze até ao Chinde.
O chefe da diplomacia moçambicana disse que a iniciativa da navegação internacional do rio Chire foi apresentada pelo governo de malawiano, em 2005. No ano seguinte, 2006, o Malawi apresentou um estudo de viabilidade ambiental financiado pela União Europeia (UE), no qual se dizia que o projecto não era viável e propunha mais um outro estudo aprofundado, que ainda não aconteceu.
Em 2007, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, os governos de Malawi, Moçambique e Zâmbia assinaram um memorando de entendimento para a realização do tal estudo de viabilidade recomendado.
Em 2008, os governos dos dois países lançaram o concurso público para o qual esteve apenas a concorrer uma empresa descrita pelo ministro como “não idónea” para a realização dos trabalhos em causa. A empresa, cujo nome não nos foi revelado, “não tinha escritório, o que à priori mostrava que não era idónea para a realização do estudo em causa”, disse Oldemiro Baloi.
Porém, com o apadrinhamento de Malawi, em 2009 a empresa ficou com a responsabilidade de fazer o trabalho. Até o início de 2010, a empresa ainda não tinha iniciado os trabalhos, o que levou que fosse dado um ultimato para que a mesma efectuasse os trabalhos em 21 dias, o que também não aconteceu, pois a mesma não tinha condições, explicou o ministro.
Vendo que os seus intentos se tinham frustrado, segundo Oldemiro Baloi, o Malawi organizou fundos (cerca de 3 milhões de dólares) financiados pelo BAD, e encomendou unilateralmente a realização do estudo de impacto ambiental. Porém, o ministro disse não acreditar, pela lógica das coisas, que o BAD tenha desembolsado o valor em causa.
O ministro disse ainda que enquanto o processo estava a ser tratado a nível bilateral, em 2007, o Malawi já iniciara a reabilitação de infra-estruturas locais integradas no projecto, o que o ministro achou inconveniente, se ainda se desconheciam os resultados do estudo.
Interesses económicos por detrás do impasse
“Numa altura em que se fala tanto das mudanças climáticas, não podemos desrespeitar questões ambientais”, disse o ministro para justificar o “não” de Moçambique ao projecto de Malawi. Entretanto sabe-se que questões de de interesse estratégico de Moçambique estão por detrás deste impasse.
O Malawi importa e exporta mercadorias a partir dos portos moçambicanos de Nacala e Beira, usando igualmente os corredores de Desenvolvimento do norte e da Beira, para escoar produtos.
Os ganhos de Moçambique provenientes das importações e exportações de Malawi, são de extremo valor económico para o país e o Governo não está disposto a abdicar disso, o que aconteceria se autorizasse a navegação nas águas fluviais nacionais. Navios de carga passariam a entrar directamente para o Malawi e a atracar no porto de Sange, localizado no Lago Niassa, do lado de Malawi.
No sábado passado, na inauguração do porto de Sange, no Malawi, o presidente malawiano, Bingu Wa Mutarika, disse que o seu país pretende construir uma linha-férrea que ligue aquele país ao Zimbabwe e que passe pela província moçambicana de Manica. Entretanto Oldemiro Baloi disse ontem que o Governo ainda não foi comunicado dessa intenção malawiana.
Este não é o primeiro incidente que envolve militares malawianos. Neste caso foi um adido militar. Em 2009, um grupo de militares malawianos atacaram um posto policial moçambicano na província do Niassa, mas até ao momento não se sabe do desfecho do caso. Outros casos de violação das fronteiras nacionais, seja por via terrestre ou fluvial, são frequentemente reportados.
A crispação entre os dois países não é assumida oficialmente pelos dois governos, mas sabe-se que as relações não estão nas melhores condições. (Egídio Plácido e Redacção)
CANALMOZ – 27.10.2010