Queimadas descontroladas na Zambézia
Os meios de sobrevivência estão cada vez mais escassos. A população comete actos que legalmente constituem crime punível com cerca de doze anos de prisão (Código Penal, art. 464 - Fogo posto em lugar não habitado), à procura de ratazanas para comer.
A luta pela sobrevivência mostra-se cada vez mais complicada e difícil de ser vencida pelas populações da província central da Zambézia. Tudo vale quando é para garantir a alimentação, sobretudo às crianças e idosos que não têm capacidade de praticar agricultura de subsistência, com a qual vive a maioria da população desta província e do país.
Nas zonas rurais, a população desprovida de qualquer abastecimento de produtos de primeira necessidade, recorre a meios locais para conseguir algo comestível e, no caso particular, recorre a queimadas descontroladas para conseguir carne de ratazanas com vista a assegurar proteína animal para a alimentação, pese embora esta prática seja um crime de acordo com o Código Penal moçambicano.
No último fim-de-semana, a nossa reportagem escalou alguns distritos daquela província, por sinal a segunda mais habitada do País.
O mais recente estudo de avaliação da pobreza em Moçambique, da autoria do Instituto Nacional de Estatística, deixou claro que a província da Zambézia é a mais carenciada do país, onde o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza aumentou nos últimos 6 anos. Por isso procurámos ver como vivem algumas comunidades.
Nos distritos de Mopeia, Murrumbala, Nicoadala, Namacurra, Mocuba, Ilé, Alto Molócuè e Gilé, atravessados pela Estrada Nacional Número 1 (EN1), notámos claramente que a população queimou quase toda a vegetação. Por detrás das queimadas está uma razão de sobrevivência: “caça de ratazanas para alimentação”.
Entrevistámos alguns cidadãos. Na primeira versão, ainda sob um olhar desconfiado, suspeitando que éramos agentes da Polícia, disseram-nos que queimavam as matas para aumentar as áreas de cultivo. Mas, ao longo da conversa, certificados que somos profissionais de comunicação social, abriram-se e contaram a verdade.
“Não temos comida, a terra não produz nada (como produzir sem fertilizantes?) queimamos as matas à procura de ratazanas para comer, nossos filhos estão a abandonar a escola por causa de fome”, disse Carlos Mucupua, residente no Posto Administrativo de Mugeba, distrito de Mocuba.
“Todos os anos quando chega esta fase, passamos muito mal para conseguir comida e por isso todos vão à caça”. Como é difícil ver onde ficam os animais, queimamos as matas para pegá-los com facilidade”, explica.
É neste processo de caça que a população perde o controlo do fogo que se alastra pelas matas, destruindo a vegetação indiscriminadamente e, por vezes, queimando casas, culturas nos campos agrícolas e animais domésticos.
Já no famoso cruzamento de Nampevo, parámos para interagir com a comunidade. Apurámos as mesmas dificuldades. A população produz numa determinada época, mas por falta de sistema de armazenamento é obrigada a vender tudo para que os produtos não apodreçam nos campos agrícolas. Depois chega a fome e a solução é entrar nas matas para caçar, sempre com recurso a incêndios.
Já no Posto Administrativo de Alto Ligonha, distrito de Gilé, visitámos algumas comunidades e destas ficámos a saber que quando chega esta época do fim dos produtos das colheitas da época agrícola anterior, tudo quanto resta, para a sobrevivência, é comer da caça e recolecção.
Uma anciã de 65 anos de idade, de nome Antonieta Geraldo, contou-nos, com lágrimas nos olhos, a sua história.
“Nunca tive filho. Desde que o meu marido morreu, há sete anos, passo fome, porque esta gente queima tudo incluindo os meus campos agrícolas”, conta-nos a idosa. A sua história é semelhante à de muitos anciãos locais.
As queimadas são cíclicas. A população chega até a queimar os poucos espaços em volta das suas habitações à procura de qualquer animal que por sorte apareça para lhes garantir a alimentação.
Este fenómeno, para além das demais implicações ambientais e económicas, é crime definido pela lei moçambicana. O Código Penal, no seu artigo 464º (Fogo posto em lugar não habitado) diz que “a pena será de prisão maior de oito a doze anos, se o objecto do crime for: 2º. – Seara, machamba, plantação, floresta, mata ou arvoredo”.
Esta prática é considerada, também, pela Lei do Ambiente ( N. 8 do artigo 1 da Lei n. 20/97, de 1 de Outubro,) como “degradação do ambiente” e punível por pena de prisão.
Mas a questão essencial acaba por ser esta: entre o que diz a lei e a fome o que se pode escolher? (Aunício da Silva)
Na província de Maputo
Roubo de gado e queimadas descontroladas comprometem o desenvolvimento do distrito de Namaacha
Chefe do Governo distrital reconhece a persistência destes problemas
O roubo de gado bovino e as queimadas descontroladas que acontecem sistematicamente, são entrave ao desenvolvimento sócio económico do distrito fronteiriço de Namaacha, na província de Maputo.
O roubo de gado é o fenómeno apontado como sendo o mais preocupante pela população da vila. Este fenómeno acontece há anos, tanto que já virou “tradição” do distrito. Está aliado à incapacidade das forças policiais locais de neutralizar os ladrões, bem como ao facto de o distrito fazer fronteira com outros países, o que permite o crime transnacional.
Nas escalas que fizemos a esse distrito, os moradores locais apontaram a incapacidade policial de garantir a segurança dos bens dos cidadãos como sendo o grande problema que faz prevalecer o roubo de gado nesta parcela do país.
Muitos criadores de gado em Namaacha contaram este cenário de roubo, mas preferiram o anonimato por temerem severidade dos ladrões. Alguns ganharam coragem e se identificaram. Manuel Zacarias, criador em pequena escala, disse que já foi vítima várias vezes desses roubos, mas os malfeitores não foram capturados pela Polícia.
No entanto, a fonte acredita que a não captura dos malfeitores suscita a suspeita de que tem havido conivência da Polícia ou de funcionários da administração local.
Zacarias revelou que ele, tal como outros amigos, estão a desistir da criação de gado, alegadamente por não haver vantagem, uma vez que criam e depois são roubados.
“Criar gado neste distrito tem sido mau investimento. Principalmente pelo facto de não serem encontrados os responsáveis pelos roubos”, disse Zacarias.
Outro criador, Elias Machava, disse que a criação de gado tem estado a fracassar, devido a vários motivos, dentre os quais roubos de gado e abate precoce por medo de serem roubados.
“Nalguns casos, somos obrigados a abater precocemente o gado, antes que os malfeitores venham nos tirar. Portanto, vendemos pouca carne”, queixou-se.
Queimadas descontroladas
Um outro problema que martiriza a actividade dos agricultores no distrito de Namaacha, está ligado à problemática das queimadas descontroladas que devastam a produção.
Por sua vez, o administrador de Namaacha, Domingos Junqueira, que falava recentemente numa cerimónia de comemoração do dia Internacional da Mulher Rural reconheceu os problemas, tanto de roubo de gado, bem como das queimadas descontroladas que constituem os maiores problemas do distrito, pelo que tem havido má produção, situação que deixa o distrito numa recessão de produção.
A fonte revelou ainda que, de modo a reverter a situação, as autoridades locais tem estado a fazer campanhas de sensibilização junto dos agricultores.
No entanto, a mesma fonte reconheceu que estes problemas tem estado a enfraquecer o desenvolvimento do distrito, e prometeu trabalhar no sentido de acautelar a situação, mas, para tal, segundo ele, é preciso que haja participação dos próprios agricultores. (António Frades)
CANALMOZ – 29.10.2010