Em Matutuíne
Está a ficar cada vez mais densa a polémica em volta do anunciado projecto de construção do porto de Techobanine no distrito de Matutuíne, na província de Maputo. É que, a avançar-se com o projecto portuário, serão demolidos muitos empreendimentos turísticos. São investimentos avultados que serão deitados a baixo, e muitos trabalhadores que irão para o desemprego. Os investidores, cujos empreendimentos estão localizados na área abrangida pela construção do porto, pouco acreditam nas ditas compensações justas que estão a ser prometidas como alternativa.
Há muitas zonas de penumbra por esclarecer no processo, desde problemas ambientais, sociais e de coerência por parte das autoridades. Apenas se sabe que o estudo de impacto ambiental (submetido pelos responsáveis pela construção do porto) está nas mãos do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA).
Os empreendedores atingidos pela área do porto receiam que o Governo traga um estudo com teor diferente ao submetido pelo requerente.
A edificação do complexo portuário está orçada em sete mil milhões de dólares norte-americanos (USD 7 biliões), e as obras deverão decorrer de 2012 até 2015.
O projecto do Porto deverá ocupar uma área de 30 mil hectares, incluindo 11 mil hectares para o desenvolvimento industrial. E mais: prevê-se ainda a construção de 1100 quilómetros de linhas férreas. As previsões indi¬cam que será manuseada cerca de 200 milhões de toneladas de carga diversa por ano, com destaque para minérios e cereais.
Os investidores turísticos visados questionam por que razão o Governo lhes atribuiu títulos de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) exactamente onde agora será lugar para o porto. Não entendem igualmente por que motivo o Governo desistiu de construir o complexo portuário na ponta Dobela. “O Governo não explica os porquês”.
Sonhos que serão destruídos
O Canalmoz, que se deslocou ao distrito de Matutuine, conversou com Manuel Rodrigues, o investidor que será mais prejudicado caso o projecto portuário avance. Tem o maior empreendimento de Techobanine, e, por conseguinte, é presentemente o maior investidor da região. O seu empreendimento (que será destruído para dar lugar ao novo porto), inclui 12 casas de primeiro andar, um restaurante com 33 metros de comprimento, “palácios-praia” com cinco quartos, entre outras infra-estruturas.
É um investimento que envolveu valores de que Manuel Rodrigues prefere não falar.
Os responsáveis pelo projecto do porto já foram ao empreendimento para o mandar parar com as obras.
“Eu não vejo viabilidade na construção deste porto. Há muitos aspectos que estão a ser ignorados. Primeiro é que em Techobanine não há águas mais profundas em relação a Dobela. Segundo porque irá causar danos irreparáveis ao ecossistema marinho. A construção de uma linha férrea de 1100 quilómetros para o Botswana apenas vai servir para trazer carvão, e quando acabar o carvão, a linha deixará de ter importância. E mais, onde o Governo vai buscar 7 biliões de dólares, se diz que não tem dinheiro?”, refere Manuel Rodrigues visivelmente agastado. “Tudo é trapalhada”, opina.
Entretanto, há quem diga que o projecto foi transferido de Dobela para Techobanine, alegadamente porque em Dobela o projecto colocaria em causa alguns interesses de gente da nomenclatura política com projectos já lá instalados ou por instalar.
“Os responsáveis pelo porto foram à minha propriedade e disseram para não dar continuidade às obras”, diz o visado.
O porto que irá danificar o ecossistema
A polémica que se instalou no projecto da construção do porto de Techobanine não reside apenas na destruição de empreendimentos turísticos. Há também danos ao ecossistema marinho e não só. E os danos são avultados. Levam a questionar a tal viabilidade que o Governo tanto defende.
A Ponta Techobanine (local da construção do porto) fica na costa, no distrito de Matutuíne, numa área mari¬nha protegida por lei. São cerca de 700 quilómetros da costa. É ali onde está a Reserva Especial Marinha da Ponta d´Ouro (REM), que conserva um dos oito maiores recifes de corais do mundo. Com a implementação do projecto, os recifes de corais – siste¬mas complexos de maior diver-sidade biológica con¬cen¬trada – vão desaparecer, colocando em risco a sobrevivência de uma variedade de orga¬nismos que deles buscam alimento e protecção. Constitui também uma das impor¬tâncias dos recifes de corais, a formação de barreira contra a força das ondas do mar, evitando a erosão, bem como, uma fonte de proteínas para a dieta alimentar da popu¬lação costeira. Entendidos na matéria disseram ao Canalmoz que 60 mil metros quadrados de corais serão destruídos, porque se prevê que o projecto portuário consuma 2,5 quilómetros de frente ao longo da praia, e meio em profundidade para se poder fazer o canal com 400 metros de largura.
Outro aspecto é que o acesso ao polémico porto deverá ser feito a partir da Reserva Especial de Maputo, uma área de conservação tute¬lada pelo Ministério do Turismo (MITUR). Esta reserva encontra-se em fase de restauração. Inclui repovoamento por animais que, devido a guerra, abandonaram o local ou mesmo morreram.
Governo apela para a calma
Calma é o que o ministro do Turismo pede aos investidores visados pelo projecto portuário. Diz que o assunto está a ser analisado ao pormenor e o estudo de impacto ambiental submetido pelos mentores do projecto ainda está a ser analisado pelo MICOA. “O Governo vai saber lidar com este assunto de forma responsável”, diz Fernando Sumbana. “O porto assim como as instâncias turísticas são todos importantes para o desenvolvimento do país. Por isso, o que se pretende fazer é estudar um modo de conciliação destas duas variáveis”, disse acrescentando que “ o que vamos procurar fazer é harmonizar os projectos”.
(Matias Guente)
Canalmoz – 23.11.2010