Leia aqui a parte em que o autor se refere ao Massacre de Wiriamu:
Veja agora um comentário a esta obra:
Os trabalhos académicos que tratam de assuntos de história imediata têm o problema de se confrontarem com os testemunhos vivos, com a necessidade de verificação da realidade no terreno, onde permanecem vestígios e também testemunhos de pessoas que viveram os acontecimentos.
Pedro Ramos Brandão não conhece a realidade moçambicana. Nota-se em alguns erros de pormenor. Na fotografia da página 161 apresenta uma imagem de Nampula a que chama de «vista de Lourenço Marques». Na página 209 fala de prisão de «Manchava» para se referir à prisão da Machava.
Na página 155, ainda em relação a fotografias, comete um erro que denota ignorância profunda das realidades históricas da luta de independência de Moçambique: apresenta uma imagem de um grupo de gente a ser treinada para a guerrilha da Frelimo e apelida-os de «tropa moçambicana». A tropa moçambicana é outra coisa; são as forças armadas de Moçambique, que não estão representadas naquele grupo de gente armada de paus e de imitações de espingardas.
São pormenores, dir-me-ão. São pormenores para o leitor desatento.
Mais grave é a tentativa de limpar a imagem dos militares portugueses que estiveram envolvidos nas operações de genocídio de Wiriamu e Mucumbura, uma realidade que já foi objecto de trabalhos de história bastante bem documentados. Julgava eu que era uma matéria arrumada. Mas não.
O autor da «Igreja Católica e o Estado Novo em Moçambique» faz tábua rasa dos livros preexistentes e escreve: «O massacre existiu efectivamente.» E acrescenta: «Contudo, a culpa moral não pode ser imputada directamente aos militares.» E porquê? «Durante as actividades» – deve subentender-se que actividades foi a expressão púdica encontrada pelo autor para se referir aos actos de barbárie de esventramento e de assassínio de mulheres, crianças e velhos indefesos – ouvia-se a voz de um agente negro da PIDE que dizia e insistia no «mata», «mata». Segundo Pedro Ramos Brandão, houve oficiais portugueses que solicitaram clemência, mas a caridade dos oficiais portugueses era ultrapassada pela voz do agente da Pide a dizer mata. Ou seja, o autor pretende fazer acreditar que companhias de tropa-comandos altamente especializadas e com traquejo neste tipo de guerra se deixavam influenciar por um agente da Pide que, ainda por cima, era negro!
Não era assim. Não é nada «sabido» que «era assim que as coisas funcionavam no início dos anos 70». Nem «o poder da Pide junto dos militares tinha aumentado exponencialmente». Nunca foi tão conflituosa a relação entre a Pide e as Forças Armadas, como nos anos 70. A Pide tinha o seu próprio corpo de milícias que não era controlada pelas Forças Armadas; as Forças Armadas tinham o seu próprio corpo de «inteligência e contra-informação». O papel dos agentes da Pide que acompanhavam as unidades em acção era limitado a informações e pouco mais. Bastava ter lido a documentação militar relativa à época ou consultar gente que esteve ligada à inteligência militar portuguesa, caso do general Pezarat Correia, para saber da persistência de um conflito entre a Pide e as Forças Armadas em todo o Ultramar português.
Pedro Brandão Ramos contribui para a visão apologética da história: de um lado os maus que são o Estado Novo (desaparecido), a Pide (de má memória) e talvez os administradores coloniais (mortos ou na reforma). Do outro lado estão os bons que são os militares (que continuam no activo), os juízes e os procuradores (que estão por aí) e os bispos (que acabaram as suas vidas activas em dioceses metropolitanas). Todos somos igualmente culpados.
O livro «A Igreja Católica e o Estado Novo em Moçambique» tem um único capítulo que traz matéria nova para o debate sobre o papel da Igreja em Moçambique: os extractos do Diário de D. Sebastião Soares de Resende. Só por isso, o livro vale a pena ser lido. A evolução do bispo ao longo dos anos é curiosa e permite perceber também como evoluiu um sector importante da Igreja Portuguesa em Moçambique
ANTÓNIO PACHECO
Título: Igreja Católica e o Estado Novo em Moçambique
Autor: Pedro Ramos Brandão
Editora: Oficina do Livro/Notícias Editorial
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