Contrariando informações envoltas em polémica sobre a proclamação unilateral da Independência Nacional, no dia 11 de Novembro de 1975, pelos três movimentos de libertação, FNLA, UNITA e MPLA, cada um à sua maneira, ou seja, proclamando o país em duas Repúblicas, uma do Norte e outra do Sul, pelos dois primeiros, Ngola Kabangu, antigo combatente da liberdade e dirigente da FNLA, veio a terreiro revelar o que realmente ocorreu.
Numa entrevista que concedeu a este jornal, por ocasião da data que se assinala hoje, o líder da FNLA começou por acusar a antiga administração colonial de ter violado os Acordos de Alvor (Portugal), assinados em Janeiro de 1975, ao ter escolhido veladamente o MPLA, como sendo o seu parceiro privilegiado, excluindo os dois outros partidos. Ngola Kabangu alega que esta violação passou-se antes mesmo da realização da referida cimeira, durante um encontro secreto ocorrido em Argel (Argélia) entre o Presidente Agostinho Neto, do MPLA, e uma delegação portuguesa chefiada pelo major Melo Antunes.
Este encontro, avançou o político, só viria a ser descoberto pela FNLA e pela UNITA após a assinatura dos Acordos, os quais considerou de “ uma autêntica fachada” por resultarem num fracasso que descambou numa guerra civil, durante vários anos, saldando-se em elevadas mortes, mutilados, viúvas, órfãos e um número indeterminado de deslocados e refugiados para países vizinhos. “ Depois destes Acordos os movimentos desencontraram-se, embora tenha havido tentativas de procurar o caminho que nos levasse ao entendimento”.
Melo Antunes, que era considerado como o principal ideólogo do “Movimento dos Capitães” em Portugal, segundo Ngola Kabangu terá contribuído negativamente durante o desenrolar do conflito armado em Angola, alegando que após a apresentação do projecto da FNLA que deu origem aos Acordos, tudo estava a caminhar de “vento em popa”, mas a situação viria a mudar para o mal após a descoberta do “famigerado” encontro da Argélia, um dos países que apoiou incondicionalmente o MPLA, durante a guerrilha.
Proclamação da Independência Nacional
Ngola Kabangu, que disse ter sido ele mesmo a proclamar a Independência Nacional, por indicação de Álvaro Holden Roberto, à meia-noite do dia 11 de Novembro, o seu partido fê-lo em obediência aos aludidos Acordos. “ Fui eu Ngola Kabangu que em nome do saudoso Presidente Álvaro Holden Roberto, perante milhares de cidadãos nacionais e estrangeiros, proclamei Angola como país independente, contrariamente ao que se tem veiculado, mentindo o público. Devo dizer que no Uige não foi proclamada nenhuma República do Norte”, declarou.
Ngola Kabangu, companheiro e antigo confidente de Holden Roberto, reforçou que em Alvor as partes envolvidas neste histórico processo concordaram que a 11 de Novembro de 1975, à meia-noite, Angola devia ser proclamado como país independente. “ E isto aconteceu do lado da FNLA”. Segundo a fonte, a proclamação ocorreu defronte ao Palácio Provincial do Uige, altura em que foi arreada a bandeira portuguesa e substituída por uma outra da FNLA, por, na altura, não haver ainda a da nova República que acabava de nascer naquele memorável dia.
Em seguida, revelou, a bandeira foi entregue ao cidadão luso Ferreira Lima a quem tinha sido incumbido de levá-la até à representação portuguesa em Kinshasa, sob ordens expressas da direcção da FNLA. “ Foi retirada com todo respeito, dobrada e entregue ao cidadão português para que à fizesse chegar à Embaixada de Portugal no Congo Leopoldville. Este cidadão, se calhar, ainda está em vida e pode confirmar as minhas declarações”.
Kabangu disse ainda que tudo o resto que gira à volta da proclamação da Independência Nacional pelo seu partido na província do Uige e que supostamente visava a divisão do país, não corresponde à verdade dos factos. “ O que acabei de relatar aqui, pode ser confirmado por milhares de cidadãos nacionais e estrangeiros que testemunharam o acto”, insistiu. “Esta é a verdade nua e crua sobre o que aconteceu no dia da proclamação da Independência Nacional na província do Uige”, rematou.
Portugal falhou
Embora se diga satisfeito com a conquista da Independência Nacional, pelos próprios angolanos que lutaram implacavelmente contra a dominação estrangeira, até ser alcançado este propósito, o político da FNLA insurgiu-se contra a antiga potência colonizadora por não ter feito a “cerimónia de transmissão de instrumentos de soberania” quando a administração portuguesa cessou a gestão desta sua antiga província ultramarina.
“Quando cessa a administração de uma potência colonial a ocupação, em consequência de um acordo entre colonizadores e colonizados, tem de haver uma cerimónia de transmissão de instrumentos de soberania da potência colonizadora para o novo Estado que nasce, e em Angola não houve isto por culpa e irresponsabilidade dos portugueses que não pretendiam largar o país, o qual dominaram durante quinhentos penosos anos”, sentenciou.
Na opinião deste combatente da liberdade, com larga trajectória política e militar no seio da FNLA, em qualquer parte do Mundo é “ norma que se faça esta transmissão de instrumentos, mas não houve aqui”, reiterando que terá havido má fé da parte portuguesa. Recordou que o facto de o MPLA ter sido escolhido como parceiro ideal pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) que era composto maioritariamente pelo Partido Comunista Português(PCP), é apontada como a principal causa de não ter havido esta cerimónia.
As declarações de Ngola Kabangu assentam no facto de o MFA que orientava o governo português ter-se constituído num “núcleo duro” durante o processo de descolonização de Angola. Kabangu deplora a atitude das autoridades portuguesas daquela época considerando que a “soberania do povo angolano foi atirada ao mar, oferecendo-a aos peixes da Baía de Luanda”. Segundo o veterano político, durante o processo de descolonização, os portugueses retiraram-se sorrateiramente.
MPLA violou Alvor
Prosseguindo, Kabangu disse sem evasivas que “ este processo estava viciado e colorido em termos ideológicos, porque a parte portuguesa já tinha escolhido o seu parceiro ideal, o MPLA, e que tudo estava preparado para que o MPLA tomasse de assalto o poder com o apoio das Forças Armadas portuguesas e cubanas.
“Esta é a verdade da História. Alguns de nós como actores da luta contra o colonialismo e parte integrante dos Acordos de Alvor ainda estamos vivos e não há nada a esconder às novas gerações”, afirmou, acrescentando que “é necessário que contemos a História com rigor, verdade e honestidade intelectual. A cada ano que passa contam-se novas versões sobre o 11 de Novembro, fabricam-se mentiras e preferem enaltecerem batalhas como a de Kifangondo ”, desabafou, visivelmente agastado.
Batalha de Kifangondo
Ngola Kabangu mostrou-se indignado com a exaltação “excessiva” da famosa batalha de Kifangondo pelo MPLA, a poucos quilómetros a Norte de Luanda, que é considerada “como uma das mais sangrentas, durante a qual terão sido rechaçados os fantoches do ELNA que pretendiam alegadamente impedir a proclamação da Independência Nacional”.
Segundo Kabangu, não se tratava de “fantoches”, mas de “guerrilheiros que estavam extenuados depois de terem participado numa longa guerra de libertação nacional, viramse confrontados com uma armada internacionalista que era um núcleo duro constituído por um exército clássico, armado por uma antiga potência que era a União Soviética”. Kabangu questionou-se com que meios os guerrilheiros iriam confrontar um exército clássico, já cansados e esperançosos em proclamar a Independência Nacional?”.
Reiterou que é indispensável que se conte a verdade sobre a propalada Batalha de Kifangondo, porque segundo ele, há depoimentos desencontrados e que ferem a susceptibilidades de muitos combatentes da liberdade que se entregaram de corpo e alma para a libertação deste “ heróico povo e generoso” durante catorze sofridos anos de guerra. “ Só a verdade deve ser contada, quanto ao resto não vale a pena estar-se a enganar as pessoas sobre a realidade dos factos”, concluiu.
Eugénio Mateus
O PAÍS(Angola) - 18 de Novembro de 2010