Como o comandante Machava, não representava nenhuma corrente política e ainda possuía em comum com ele o desejo de preservar a ordem social e barrar a evolução de Moçambique para o liberalismo e para a anarquia. Tanto um como outro declinavam a ocupação de papéis de executantes da verdadeira justiça que ambicionavam para Moçambique, e aguardavam com ansiedade o momento que lhes proporcionasse, como em 1964, colocaram-se inteiramente ao dispor do seu país, integrando-se sob o verdadeiro mando do povo.
Com ele falei sobre a Fumo. Com ele discuti, e nem sempre estávamos de acordo, sobre a Rádio África Livre. De tudo quanto lhe contava guardava segredo, pois sabia que o seu silêncio não era traição ao seu povo, pois traição às massas e ao Partido era o procedimento e as ideias dos actuais dirigentes. Mas também por ele tomei conhecimento de factos que sei que até hoje não foram por ninguém revelados.
Quem dirigiu os militares portugueses a Wiriamu, ao «massacre» que serviu de ponta de lança à propaganda anti-portuguesa, encetada com sucesso pelo padre Hastings?
Quem os guiou num pequeno «Volks Wagen», protegido por aperradas armas até ao acesso da picada e os acompanhou até ao local?
Quem assassinou, após o 25 de Abril, o seu serviçal, conhecedor do seu segredo, para que a sua criminosa atitude não fosse divulgada aos dirigentes da Frelimo?
O seu nome é Raul Frechaud Fernandes, primo carnal de Sérgio Vieira, um dos homens que dirige e automatiza Samora Moisés Machel.
— Mas a Frelimo não sabe isso? — interroguei-o.
— Eu próprio informei o comandante José Moiane e ele como comandante provincial não procedeu. O velho afirmou que atitudes antigas eram para esquecer. Eu creio que ele não quer tocar na família de Sérgio Vieira... — respondeu-me.
Raul Frechaud Fernandes, mestiço asiático, é dirigente do Departamento Distrital da Frelimo de Informação e Propaganda. Mas apenas ocupa esse cargo após a Independência. Possuía uma pequena cantina comercial de onde o povo de Wiriamu se abastecia. Desse povo veio a adquirir os meios de fortuna que hoje possui, pois lhe furtava o gado que vendia a militares portugueses em candonga.
Colaborou no assassinato do povo moçambicano que mais intimamente lhe esteve ligado mas hoje é um dos dirigentes do Partido. O povo, porém, sabe que os seus inimigos de ontem são os de hoje. São seus inimigos desde que as teorias e as atitudes do dr. Eduardo Mondlane foram silenciadas pelo deflagrar de um livro armadilhado.