No dia 9 de Julho, em vésperas da chegada a Londres do primeiro-ministro português, visita que se enquadra no âmbito das comemorações do 6.º centenário da «Aliança Inglesa», publicou o «Times» de Londres notícias de que as forças armadas portuguesas chacinaram em Dezembro passado a população de uma aldeia de Moçambique.
As notícias tiveram largo eco e repercussões ainda difíceis de avaliar. O crédito que o «Times» merece à opinião pública britânica, e não só, veio reforçar notícias semelhantes anteriormente divulgadas nomeadamente pelos «Padres Brancos» que haviam sido expulsos de Moçambique. Nublou-se assim consideravelmente mais o ambiente que rodeava a vista de Marcelo Caetano a Londres, visita que o «leader» da oposição trabalhista , Harold Wilson, propôs que fosse cancelada. Também Lord Gifford, presidente da comissão britânica para a liberdade em Moçambique, Angola e Guiné, pediu a anulação da visita do primeiro-ministro português, declarando ser impossível para o Governo britânico receber o chefe de um governo «culpado de semelhante matança», e prevenindo que seriam organizadas manifestações durante a permanência de Marcelo Caetano na Grã-Bretanha.
A publicação do artigo do «Times» provocou uma tempestade de protestos de deputados da oposição, de jornais das esquerdas e de vastos sectores da opinião pública, que se veio juntar à forte oposição à visita de Marcelo Caetano, devido à política de Portugal em África e ao apoio que essa política tem por parte do actual governo britânico.
A visita do chefe do Governo português decorre rodeada de um dos maiores dispositivos de segurança jamais montados em Londres.
O Partido Trabalhista declarou entretanto que boicotará todas as cerimónias públicas da visita. Por outro lado, durante um almoço organizado pelo Instituto Católico de Relações Internacionais, vários grupos políticos manifestaram a sua oposição à visita. Entre os oradores figuravam Lord Caradon, antigo chefe da delegação britânica na ONU, e o dr. Mário Soares, secretário-geral do Partido Socialista português, que lançou um apelo para o fim da guerra em África, declarando que o governo português devia negociar com os nacionalistas e conceder a auto-determinação aos territórios africanos.
O artigo do «Times» assinado pelo padre Adrian Hastings, afirma que soldados portugueses teriam morto 400 homens, mulheres e crianças na aldeia de Wiriyamu (Moçambique), em Dezembro do ano passado. O padre Hastings, que teve conhecimento do caso através do testemunho de padres missionários espanhóis em Moçambique, afirma que em 16 de Dezembro, os soldados invadiram a aldeia cuja população apoiava os guerrilheiros da Frelimo, e sistematicamente torturaram e abateram as 400 pessoas que ali se encontravam, operação que o articulista classifica como acto de genocídio, afirmando, após o relato pormenorizado do acto, que ele é comparável à chacina de My Lay, praticada pelas tropas norte-americanas no Sul Vietname.
O Governo português por intermédio da Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT), publicou de pronto uma nota que enquadra o artigo do «Times» na campanha desencadeada em torno das comemorações do sexto centenário da «Aliança» e acrescenta:
A acusação da prática de violências pelas tropas portuguesas em Moçambique tem sido de há muito tempo para cá explorada em vários países europeus a partir das afirmações feitas por um missionário saído da província por comprovada cumplicidade com a FRELIMO.
O artigo do padre Adrian Hastigs não é com efeito um caso isolado. Ainda recentemente, no III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, se tornou público um extenso documento intitulado «Exigimos o fim da guerra colonial», que continha idênticas acusações.
Acrescenta a nota da SEIT:
Apesar da fonte mais que suspeita das afirmações, o Governo português deu oportunamente instruções ao Comando-Chefe de Moçambique para sempre que surgissem rumores de alguma irregularidade nos milhares de operações que em cada ano as Forças Armadas levam a termo na província, mandasse proceder logo a rigoroso inquérito.
Assim se tem procedido, tendo a grande maioria dos inquéritos demonstrado a inanidade das acusações, mas punindo-se os responsáveis quando apuradas culpas, o que aliás raramente sucedeu apesar dos riscos quase inevitáveis de uma guerra de guerrilhas em que o inimigo é traiçoeiro e não olha a meios para dominar as populações nativas e atacar os que se lhe opõem.
Nota – No nº 8 de Censura 16, 25 de Abril de 2002, reproduziu-se uma prova de Censura sobre o massacre de Wiriyamu.
(*) Com cortes da Censura a vermelho.