Por: Coronel Piloto-Aviador Alcino Roque '
Encontrava-me havia 13 anos em Angola, desde 1961, onde casei...
Depois de ter actuado em variadíssimas missões de combate e de apoio às nossas tropas, passei, nos últimos anos, a debruçar-me seriamente sobre a área das informações militares.
Assim, em 1972, publiquei para circulação restrita um livro, em dois volumes, sobre as Informações no Teatro de Operações de Angola. Já nessa altura o MPLA não possuía qualquer base dentro do território, pois no Leste tinha fugido para a Zâmbia e desaparecido completamente do Norte. Apenas existia um pequeno grupo actuando, a partir do Congo-Brazaville, na fronteira de Cabinda.
A UNITA tinha feito um acordo de não agressão com o Governo local e da FNLA apenas restavam pequenos redutos no Norte de Angola. Note-se que, no programa deste movimento, era considerado como objectivo n.° 1 o ataque ao MPLA, vindo apenas em 4.° lugar o combate directo aos europeus e às forças militares portuguesas. Isto pode ser explicado pelo ódio ancestral que sempre houve entre as etnias que constituíam as bases dos dois movimentos.
Sobre o MPLA deve ser salientado que Portugal estava confrontado com o problema de não ter um interlocutor para negociar. Assim, desde Janeiro de 1973, este movimento encontrava-se dividido em duas facções: a Revolta do Leste de Daniel Chipenda, de etnia umbundo, e o núcleo de Agostinho Neto, de etnia quimbundo, antes implantado na sua l.a Região Militar (Luanda).
Chipenda encontrava-se à frente do grupo mais forte, sediado na Zâmbia e com alguns grupos dispersos no Leste de Angola. De qualquer modo, o MPLA apenas possuiria, dentro do território, 33 armas que, na sua área tradicional a Norte de Luanda, não disparavam um tiro, nos últimos onze meses antes do 25 de Abril, por falta de reabastecimento de munições. Existia ainda a cisão ideológica do grupo de Pinto de Andrade, designado por Revolta Activa, sem qualquer significado em termos operacionais. Esta era a situação da guerrilha angolana aquando do 25 de Abril de 1974.
Em Agosto de 1974, nós tentámos que o MPLA realizasse um Congresso para a unidade das três facções referidas. No entanto, quem ganhou a votação foi Daniel Chipenda, com mais de cerca de uma dezena de votos do que Agostinho Neto, que não aceitou tal veredicto, abandonando a sala. Um oficial cabo-verdiano da Força Aérea (SG), Major Santos, esteve presente e confirmou-me estes dados.
Entretanto, imediatamente após o 25 de Abril, surgiram nas Unidades da FAP, em Angola, mensagens rádio a comunicar que tinham sido eleitos para representarem este Ramo no MFA, o Major Vilalobos e o Capitão Afonso. Como ninguém sabia como tal tinha sido cozinhado, foi exigido fazer eleições para os delegados no MFA.
Então, juntaram-se 156 oficiais da Força Aérea e, apesar de não ter feito nada para isso, acabou por aparecer o meu nome como o mais votado numa lista, onde, a grande distância dê votos, surgia o do Major Vilalobos.
Recordo ainda que, dias depois do 25 de Abril, fomos visitados por uma delegação do MFA, constituída pelo General Diogo Neto, o Franco Charais e o Otelo S. Carvalho. Este último vangloriou-se da sua brilhante actuação no 25 de Abril.
Depois dos problemas surgidos entre o MFA local e o General Silvino Silvério Marques, que lá apenas chegara havia um mês, foi nomeado o Almirante Rosa Coutinho para Alto-Comissário e Comandante-Chefe.
Logo na reunião de apresentação daquele oficial, na última semana de Julho de 1974, em vez dos sete elementos representativos da oficialidade angolana, compareceram 24!?
Recordo o tema posto à discussão pelo Capitão Mil.° Solano de Almeida (arquitecto): Dado que o Otelo tinha sido graduado em brigadeiro, aqui em Angola ir-se-ia tomar uma posição original e definitiva - deviam ser promovidos a generais os elementos do MFA local, tal como o foram os membros da JSN.
Decidi tomar posição contra tal proposta, pondo também em causa a sua presença na reunião, por falta de representatividade. Então Rosa Coutinho mandou sair toda a gente, para cada Ramo se pronunciar separadamente sobre o assunto, o que viria a acontecer por duas vezes. A segunda foi provocada pela atitude tomada por um alferes médico miliciano dos Comandos, alvo também da minha contraposição. No final, foi obtido o consenso de não se considerar tal proposta.
Lembro igualmente a ocorrência em que ainda consegui manter alguma coerência naquele processo de intoxicação e de manipulação montado pela equipa de Rosa Coutinho. Acompanhei uma delegação do Centro de Instrução de Comandos, chefiada pelo seu Comandante, Coronel Correia Dinis, que foi interpelar Rosa Coutinho sobre a acusação divulgada, dele ser ou parecer ser comunista.
Tendo sido pedida a minha opinião, afirmei: Ainda ontem a Rádio Moscovo, retransmitida pela Rádio Brazaville, afirmava que o Capitão Mendonça e mais cinco civis eram uns perigosos reaccionários. Pois essa notícia foi divulgada "ipsis verbis " pela Rádio Voz de Angola, pelo que tal deve ser desmontado, em conferência de imprensa. De facto, confirmou-se estarem a decorrer os trâmites resultantes de uma ordem de expulsão do Almirante Rosa Coutinho, em relação a estes indivíduos. No entanto, no dia seguinte, a conferência de imprensa foi levada a efeito, por imposição da Junta Governativa.
Aquela Rádio, antes utilizada pelas Forças Armadas, fora entregue por Pezarat Correia ao MFA, em colaboração com um pretenso MPLA, praticamente inexistente, como já referi.
A teoria do MFA em relação ao continente africano era esta: Já que há um domínio de três línguas (inglês, francês e português), por uma questão de equilíbrio, em termos de estratégia global, deveria ser facilitada a penetração da influência soviética, através dos portugueses!
Recordo igualmente o tipo de argumentação utilizado, em 1974, para convencer os catangueses a aderir ao MPLA: Ou aderem ao MPLA ou nós entregamos vocês ao Zaire.
Depois de voluntariamente me ter afastado do MFA local, por razões éticas de coerência com a minha vida profissional e de não concordar com o rumo seguido em relação àquele território, acabei por ser vítima da equipa que liderava aquele processo.
Assim, em 24 de Outubro, à semelhança do sucedido com todos os Comandantes de Companhia das Unidades de Luanda, com talvez duas excepções (Capitão Gil, dos Comandos, e outro) acabei por ser preso e metido nas instalações da Marinha, onde passámos a noite. Entretanto, outros oficiais, como o Coronel Correia Dinis e o então Coronel Cerqueira Rocha, ficaram retidos no Palácio do Governo.
Depois apurou-se que parte da lista dos detidos tinha sido elaborada pelo Capitão Gil.
A terminar, desejo referir o facto de terem ocorrido escandalosas situações de cárcere privado praticado pelo poder popular, o pretensamente MPLA, sobre cidadãos portugueses, que lhes eram entregues por patrulhas de marinheiros e fuzileiros. Houve um caso de um indivíduo, natural de Chaves, que esteve mais de um mês encarcerado, tendo a mulher grávida de cinco meses. Quando o soltaram, vinha ameaçado de não abrir a boca e até, quando regressou ao continente, por precaução, foi viver para as Ilhas. 2
1 0 Coronel Alcino Luciano Roque nasceu em 2-4-1933, em Vendas Novas.
Durante cerca de 14 anos (1961-1975) cumpriu várias comissões em Angola, como piloto da Força Aérea, tendo sido galardoado, entre outras condecorações, em 1970, com a Medalha de Valor Militar com palma. Neste território e em acumulação com as missões operacionais, dirigiu um Serviço de Informações adaptado para a realidade então vivida em Angola.
Depois do 25 de Abril desempenhou funções na área das Informações no EMFA e durante vários anos foi Subdirector da Polícia Judiciária Militar.
2 Pela descrição corresponde ao sucedido com um indivíduo, cuja libertação foi imposta ao Almirante Rosa Coutinho pelo General Altino Magalhães. Ver entrevista com este oficial, constante do presente trabalho.
In Memórias da Revolução – Portugal – 1974-1975, de Manuel Amaro Bernardo (pág.197 e seg)
NOTA:
É, pois, evidente que tudo já antes do 25 de Abril de 1974 estava combinado. O “povo foi carne para canhão”, mais nada. E até hoje são só balelas dos “novos heróis”.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE