MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Olá Ana, como vais?
Do meu lado tudo bem, felizmente.
Mas com saudades das viagens do passado.
Sabes que, na minha idade, já se pode comparar o que acontecia antes com o que acontece agora para ver o que melhorou e o que piorou.
Eu dou-te um exemplo:
Fiz, muito recentemente, uma curta viagem a Portugal, um tipo de viagem que venho fazendo desde o longínquo ano de 1963. Só que, desta vez, senti a falta de uma porção de coisas que tornavam, antigamente, estas deslocações mais agradáveis.
Por exemplo, nas viagens nocturnas, antigamente, ao acordarmos, tínhamos direito a um toalhete quente para limpar a cara e espantar o sono. Agora desapareceu.
Antes, cada passageiro recebia uma elegante bolsinha com objectos e produtos de higiene, uma máscara para tapar os olhos e, até, umas confortáveis pantufas. Agora, da tal bolsinha, ficaram só as recordações.
Nas refeições, além dos talheres e guardanapo, recebíamos um toalhete refrescante, sal e pimenta, por vezes mostarda e/ou molho de tomate, palito.
Pois agora há que nos contentarmos com os talheres e o guardanapo. O resto desapareceu.
Para beber havia, antigamente, uma certa variedade de marcas de vinhos e bebidas secas, como whisky ou aguardentes de boas marcas, em garrafinhas individuais. Agora já é bem bom termos uma marca de vinho branco ou uma de vinho tinto, que nos são servidos, a partir de garrafas grandes, nuns copos pequeninos. Se queremos repetir já o pessoal de cabine está longe e dificilmente se consegue que nos voltem a encher o copinho. De bebidas secas nem a sombra lá aparece. É quase como se tivéssemos voltado à Lei Seca, que vigorou nos Estados Unidos nos princípios do século 20.
Em termos de bagagem de porão, começou-se com 20 quilos, depois passou para os 30, durante bastantes anos, e agora voltou-se aos 20.
Manda a verdade que se diga que também houve melhorias. À ida para Lisboa tive direito a um monitor individual (colocado nas costas da cadeira em frente) com uma razoável escolha de filmes e outras informações úteis, além de vários canais de música.
No regresso a coisa piorou. Havia os monitores colectivos, espalhados pela cabina e a programação era escolhida pela tripulação.
Mas, em tudo isso, há uma coisa que parece não mudar, infelizmente: a duração da viagem. Mais coisa, menos coisa, continua a andar pelas 10 horas de encaixotamento dentro daquela máquina, desejando que o tormento acabe o mais rápido possível.
E isso causa-me alguma surpresa.
Por um lado, os aviões são cada vez mais modernos e mais seguros. Mas, aparentemente, não são mais rápidos. Se calhar até são mais lentos.
Antes da independência, os aviões portugueses não estavam autorizados a sobrevoar a maior parte dos países africanos. Isso queria dizer que o avião saía de Lourenço Marques e sobrevoava a África do
Sul, do “apartheid”, para entrar em Angola. Daí para a frente tinha que voar sempre por cima do mar, dando a volta à costa ocidental africana toda, para só voltar a terra no momento de aterrar em Lisboa.
Hoje, a viagem entre Maputo e Lisboa é feita toda em linha recta, numa distância muitíssimo mais curta.
E, no entanto, o tempo de viagem, se a minha memória não me atraiçoa, é praticamente o mesmo.
Porquê será? Tácticas para poupar combustível?
A verdade é que aviões mais rápidos poupariam aos viajantes o aspecto mais desagradável deste tipo de deslocação: as horas de prisão.
Mas, enfim, tudo isto é a famosa crise a manifestar-se.
E vamos ficando contentes por ainda nos darem uma cadeira para nos sentarmos.
Se a crise se agravar, qualquer dia é o passageiro que tem de levar de casa o seu banquinho e o peso deste é mesmo descontado nos 20 quilos da bagagem.
Um beijo para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ - 26.11.2010