O azul do índico
Por: Afonso Brandão
Eu ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente a nova professora do meu filho mais novo, mas já gosto dela por antecipação. Três dias depois de ter entrado para a Primária, o Afonsinho declarou solenemente: «A minha professora é brava». Brava?!?, perguntei eu. «Sim, brava. Ela não me deixa espreguiçar, ela não me deixa "bochechar" (o Afonso queria dizer bocejar), ela não me deixa "beber" água (o Afonso queria dizer ela não me deixa interromper a aula para fazer o que me apetece). É muito brava».
Eu, que estava com algum receio de colocar o Afonsinho na Escola Portuguesa, aqui, na capital, respirei de alívio. "Ufa, parece que lhe saiu a professora certa", comentei com a minha excelentíssima esposa. Receava que lhe tivesse calhado alguém que falasse com ele como a Ministra da Educação portuguesa, Isabel Alçada, falou connosco no famoso vídeo de início do ano lectivo: como se o nosso cérebro estivesse morto e todo o acto de aprendizagem tivesse de ser um desmesurado prazer.
O Afonsinho vinha do Infantário da Escola Verney (também em Maputo), que encerrou as suas portas por incumprimento de pagamento das rendas das instalações, que, ao que constatamos, "não pagava há cerca de cinco longos anos"... (e a verdade é que nunca vi o assunto tratado pela Imprensa local, nem sequer referido, já que por detrás "deste" encerramento "surrealista", a Senhora Directora vinha sendo acusada de "má gestão" e de "mão leve"... ou seja, ela ficava com os dinheiros que os pais dos alunos pagavam mensalmente...)
Mas voltando à Escola Verney, que sempre foi tida como um estabelecimento exemplar e fantástico -- e que vinha fazendo maravilhas pelos nossos filhos, de uma forma "mais mimada" do que o Menino Jesus no Presépio - claro que o meu filho sentiu a diferença. Ora, chega uma fase na vida em que as crianças têm de perceber o que significa a disciplina, o esforço, a organização, o silêncio, o saber estar numa sala de aula, e toda uma vasta parafernália de actividades que não são tão agradáveis como comer Calippos de Morango ou gerir o guarda roupa do Poppeye - mas que ainda assim são essenciais para viver em sociedade.
O meu filho está na idade certa para aprender que tem a obrigação de gastar 20 minutos diários a fazer o trabalho de casa (vulgo tpc). Para perceber que um irmão mais velho tem mais privilégios mas também mais deveres do que os seus irmãos. Para compreender que com muito poder vem muita responsabilidade (sábias palavras do tio do Homem-Aranha). É essencial que estes valores - que atribuem o devido mérito à liberdade e ao esforço individual - estejam alinhados entre a casa e a escola.
Isso nem sempre acontece. A nossa escola passou, num piscar de olhos, da palmada no rabo à palmadinha nas costas. Ninguém tem saudades da palmatória, mas quando perguntam aos pais o que eles mais desejam para a escola dos seus filhos, a resposta costuma ser esta: regras claras e maior exigência. Os professores bravos fazem muita falta. Hoje o Afonsinho protesta. Amanhã irá agradecer-lhe.
WAMPHULA FAX – 13.12.2010