No Parlamento
Oposição votou contra, mas imperou o voto da maioria. Conheça a lista dos integrantes desta comissão ad-hoc
O primeiro passo rumo à revisão da Constituição da República já está dado, e como era de se esperar a Frelimo está em frente do processo preparada para virar as costas a tudo e todos. A Assembleia da República, recorrendo à ditadura do voto, aprovou, nesta quarta-feira, a criação da comissão ad-hoc, para revisão da Lei Fundamental.
Trata-se de uma comissão composta por 21 deputados, mediante a proporcionalidade parlamentar, o que confere a esmagadora maioria ao partido Frelimo. Assim, a Frelimo terá na comissão um total de 16 deputados, a Renamo quatro e o MDM um deputado.
Naquilo que já é considerado a grande surpresa que o segundo Governo de Armando Guebuza está a preparar para os moçambicanos, a Frelimo não revela o que quer mudar com a anunciada revisão. Presume-se apenas, por enquanto, que a ideia do terceiro mandato para Guebuza já está fora de cogitação. Os mais cépticos ainda crêem que é preciso dar tempo ao tempo para se ver se ainda não haverá surpresas.
Há dinheiro para tudo
O Ministério das Finanças diz que a criação da referida comissão ad-hoc terá um impacto orçamental de cerca de 20 milhões de meticais. Segundo o Gabinete de Manuel Chang, o impacto orçamental inclui estimativas de custo de realização de seminários provinciais e distritais, assim como pagamento de subsídios aos membros da comissão.
O estranho, o que, aliás, a oposição já questiona, é o facto de ser previsto o impacto orçamental sem antes haver o quadro de actividades de onde se pode fazer estimativas do valor a ser gasto.
Figuras de proa da Frelimo integram a comissão
Muito se pode esperar da referida comissão. A Frelimo delegou para a comissão figuras de destaque no seio do partido. Eis a lista da Frelimo na comissão da revisão da constituição:
1. Eduardo Mulémbwè, membro da Comissão Política da Frelimo e ex-presidente da Assembleia da República;
2. Manuel Tomé, membro da Comissão Política da Frelimo e ex-chefe de bancada da Frelimo na AR;
3. Eneas Comiche, actual presidente da Comissão do Plano e Orçamento na AR, membro da Comissão Política da Frelimo e antigo presidente do Município do Maputo;
4. Teodoro Waty, membro da Comissão Política da Frelimo e presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade;
5. Conceita Sortane, membro da Comissão Política da Frelimo;
6. Edson Macuácua, secretário para a Mobilização e Propaganda do Comité Central da Frelimo e porta-voz do partido;
7. Mateus Katupha, membro e porta-voz da Comissão Permanente da Assembleia da República e Presidente do Conselho de Administração da Petromoc;
8. Abel Safrão, deputado;
9. Francisco Mucanheia, deputado;
10. Alfredo Gamito, presidente da Comissão Administração Pública, Poder Local e Comunicação Social;
11.Telmina Pereira, presidente da Comissão dos Assuntos Sociais, Género e Ambientais e ex-governadora da província de Maputo;
12. Ana Rita Sithole, deputada e Presidente do Gabinete da Mulher Parlamentar;
13. Carlos Siliya, deputado;
14. Mário Sevene, ex-ministro do Trabalho;
15. José Chichava, ex-ministro da Administração Estatal;
16. Francisca Tomás.
Saliente-se que todos estes são deputados da Frelimo.
O MDM indicou o deputado Agostinho Elias para a comissão ad-hoc.
A Renamo ainda não indicou os seus representantes.
Assim, competirá à comissão submeter à Comissão Permanente, antes da III sessão ordinária da VII legislatura, o programa e o orçamento de funcionamento.
A comissão apresentará relatórios da sua actividade em todas as sessões ordinárias da AR. (Matias Guente)
MDM e Renamo votam contra a comissão da revisão da Constituição
As bancadas da oposição, nomeadamente a Renamo e o MDM, votaram contra a criação da comissão ad-hoc para a revisão da Constituição da República. Ambas as bancadas exigem que a Frelimo revele, em primeiro lugar, o que pretende ver alterado na actual Constituição da República.
A Frelimo apenas diz, na sua fundamentação, que “há necessidade de aprimorar e consolidar o actual texto constitucional”. Segundo a deputada Nhelete Mondlane, a revisão mostra-se oportuna quanto importante para a adequação da Constituição da República à dinâmica da ordem interna e internacional.
A Frelimo está a fazer um jogo de “sombras chinesas”
A bancada parlamentar da Renamo diz que votou contra a criação da comissão ad-hoc porque a Frelimo pretende fazer uma revisão adoptando métodos pouco claros. Para a Renamo, qualquer alteração não consensual pode pôr em causa a boa convivência política, e, sobretudo, contribuir para instabilidade do País. A Renamo diz ter proposto a criação de uma comissão similar para revisão do pacote eleitoral que foi recusado pela Frelimo, alegando custos adicionais. “É no mínimo surpreendente que a Frelimo venha agora, mesmo antes do exercício económico terminar, criar uma comissão ad-hoc para rever a constituição, pretendendo fazê-lo de uma forma envolta em sigilos, propondo-nos uma autêntica caixinha de surpresa”, disse a deputada Ivone Soares.
Não é recomendável aumentar a despesa pública neste momento
Por seu turno, o MDM que já indicou o seu membro para a comissão ad-hoc, votou contra, alegando que a constituição só pode ser revista cinco anos depois da entrada em vigor da última lei de revisão, salvo a deliberação em assunção de poderes extraordinários de revisão aprovada por maioria de ¾ dos deputados (artigo 293 de actual Constituição). Em outras palavras, o MDM quer fazer entender que a última lei de revisão entrou em vigor em 2007 por ocasião do adiamento das eleições provinciais a nova revisão só pode ocorrer em meados de 2012.
O deputado Ismael Mussa entende que estando o objecto da revisão algo não claro, por uma questão de transparência para com os eleitores, não se pode passar uma espécie de cheque em branco, mas sim solicitar ao proponente que clarifique o objecto de revisão.
“O País está a viver momentos financeiros desfavoráveis e não é de bom-tom que se aumente a despesa pública (20 milhões de meticais) por um exercício que os moçambicanos nem sequer sabem o que se pretende alterar”, disse. (Matias Guente)
Na hora do balanço
Oposição culpa a Frelimo pelo fraco desempenho do parlamento
Encerrou ontem a segunda sessão da Assembleia da República, da presente VII legislatura, iniciada a 18 de Outubro último. Esta sessão ficará marcada, entre outros assuntos, pela criação da comissão que vai rever a Constituição da República, oficializada no último dia da sessão.
Na hora do balanço, as bancadas da oposição uniram-se e destacam o fraco desempenho do parlamento devido à aquilo que chama de “falta de ideias por parte do partido Frelimo, para propor projectos de leis” e uma cultura de servilismo ao Governo, esperando que este submeta propostas que sem o mínimo de análise são aprovadas pelos camaradas. A oposição diz que a Frelimo leva todo o parlamento a reboque do executivo.
Já a Frelimo fala de um parlamento “muito produtivo” e de uma oposição também “sem ideias construtivas”.
O dia de encerramento foi basicamente de discursos longos (quatro) que começaram às 16 horas e só terminaram a princípio da noite.
A bancada parlamentar da Frelimo
Para a bancada da Frelimo, na pessoa da sua líder parlamentar, Margarida Talapa, a segunda sessão ficou marcada pela harmonia (em alguns casos) e decoro na forma como foram tratadas as matérias, o que fez com que a AR cumprisse com êxito “a nobre missão” de órgão legislativo.
A chefe da bancada da Frelimo destacou a aprovação do Plano Económico e Social e o respectivo Orçamento do Estado, a informação anual do chefe de Estado, as informações e perguntas ao Governo, a eleição do vice-presidente do Tribunal Supremo e recente criação da comissão ad-hoc, para revisão da Constituição da República.
Depois de ressalvar as realizações, Margarida Talapa reservou o seu discurso para gozar com a oposição.
A Renamo destacou os seus projectos de leis que foram reprovados pela “intolerante” maioria. A chefe da bancada da Renamo, Maria Angelina Enoque, disse que os trabalhos da AR terminam numa altura em que as medidas de contenção de despesas tomadas em consequência das manifestações de 01 e 02 de Setembro, já estão na sua recta final e os resultados “só o Governo da Frelimo é quem sabe porque decidiu maquiavelicamente prorrogá-las até o primeiro trimestre”. “O povo não vê os tais resultados. Assim, os próximos dias continuarão uma verdadeira incógnita na mente dos moçambicanos. A verdade é que andaremos de prorrogação em prorrogação até que a situação se torne, mais uma vez, insuportável, de tal modo que a corda se rebente do lado do povo”.
A líder parlamentar da Renamo disse que o seu grupo parlamentar está preocupado com o carácter dos dirigentes moçambicanos face ao “caso Wikileaks”. “Para um cidadão atento, é nítida a discrepância entre o dito desenvolvimento do País em áreas bem identificadas como a imobiliária – hotéis, centros comerciais, casinos, casas de câmbio, bancos – e o dinheiro movimentado no País. O volume de dinheiro que circula em algumas áreas é típico de um País controlado por gente metida em drogas”.
Referiu que a experiência mostra que falta vontade política para combater o tráfico de drogas em Moçambique, por causa das benesses que dele advém e porque os corruptos e corruptores pertencem à grande nomenclatura moçambicana.
Bancada parlamentar do MDM
O MDM destacou o seu sentido de voto contra o Plano Económico e Social para 2011 e o seu respectivo orçamento, alegando a ausência grave de correspondência entre os dois documentos e a má gestão de fundos públicos. Na voz do seu líder parlamentar, Lutero Simango, a atribuição de verbas altas a sectores militares em detrimento de áreas sociais foi também um dos factores que ditou o posicionamento da sua bancada. A ausência de políticas claras de contenção de gastos públicos vem à mistura.
A bancada do MDM mostra-se preocupada com o secretismo que envolve o processo de concessão de licenças de exploração mineira, particularmente no caso do carvão de Benga e Moatize, na província de Tete.
Lutero Simango disse que “há ausência de procedimentos claros e conhecidos que possibilitem a qualquer interessado solicitar a concessão destas licenças de exploração.”.
No entender do MDM, o facto de o Governo não aceitar renegociar os contratos de exploração celebrados com os mega-projectos contribui para fortalecer as suspeições há muito existentes nos mega-projectos.
O MDM mostrou-se igualmente preocupado com os índices de pobreza que tendem a aumentar perante o discurso de luta contra a pobreza. (Matias Guente)
CANALMOZ – 23.12.2010