A MISTERIOSA lagoa de Pembe foi domada e já deixou de ser um bicho-de-sete-cabeças. Para lá dos mitos, medo, ameaças e proibições impostas por alguns líderes tradicionais sob pretexto de obediência a alguns tabus, o peixe daquela lagoa, com rótulo de local histórico e cultural no interior do distrito de Homoíne, já alimenta os residentes locais e não só.
“Houve muito pano para manga. Nada caiu do céu. Trabalhou-se muito para que aquele local considerado sagrado voltar a ser frequentado por pescadores e não só”- conta Alberto Pechico, chefe do posto administrativo de Pembe.
Em Pembe, ninguém ousava, à revelia dos chefes da terra, os da tribo Como, que se auto-intitulavam donos da região, fazer-se à lagoa para pescar.
“Ia à pesca, tirava muito peixe, mas não saía da lagoa. Ou morria afogado ou atacado por serpentes venenosas. Morreu-se muito naquela lagoa até que foi decretada a proibição”, explica Acrísio Savanguane, líder tradicional de Pembe, personalidade que goza de boa reputação e popularidade. Acrescentou que “mesmo no tempo do conflito armado não se pescava na zona”.
Mas sempre o homem, transformador da natureza, acreditou nas mudanças. É assim que foi desencadeada uma série de consultas a partir do poder tradicional na zona, estruturas administrativas de base, secretários de bairros, chefe da localidade até aos líderes comunitários. O chefe do posto liderou a encruzilhada que culminou com a realização de uma missa tradicional no dia 30 de Maio de 2008. Um ano depois, os pescadores voltaram à lagoa.
“Primeiro era necessário unir dois clãs da mesma tribo, nomeadamente, Mbanga e Manhacate, sendo esta última que é detentora do poder tradicional que estavam de costas voltadas quanto à gestão da lagoa. Nomeamos um mediador, o processo negocial levou seu tempo até que as duas alas fumaram cachimbo da paz e por si foi contactado um curandeiro para orientar a realização dessa missa”, relata-nos o chefe do posto sublinhando que, o Governo autorizou fazer tudo que fosse necessário, menos degolar ou sacrificar uma pessoa para purificar a lagoa.
Mbulo foi o médico tradicional escolhido porque é da mesma tribo e da confiança mútua. Os dois clãs aceitaram que fosse ele a orientar a missa tradicional.
“Demos luz verde para arrolar as necessidades porque estávamos dispostos a abrir a bolsa. Foram cerca de dez mil meticais despendidos”, disse Alberto Pechiço.
No fim do trabalho, o dinheiro não chegou para pagar o curandeiro. Faltaram oitocentos mil meticais de um total de dois mil meticais que solicitara. Trinta dias depois, aborrecido por incumprimento dos acordos, teve que abandonar o seu material de trabalho na residência de um dos líderes da tribo Como, como forma de cobrar a dívida.
A família “dançou” porque as cabaças do curandeiro estavam no quintal de um dos líderes tradicionais locais.
Não obstante as desavenças da última hora, a lagoa foi, de facto, purificada e hoje já se pesca sem problemas, embora tenha morrido um jovem, o primeiro que se dirigiu à lagoa depois da missa tradicional.