Informe anual do chefe de Estado à AR, aconteceu ontem
– eis a conclusão do Presidente da República
Armando Guebuza não falou das revelações do “Wikileaks” e não explicou porque o número de pobres aumentou no país, nos últimos 7 anos, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística
Já era previsível. O informe do Presidente da República (PR), Armando Guebuza, no Parlamento, contornou quase todas as questões consideradas delicadas e centrou-se em algumas realizações, algumas das quais ainda nem sequer aconteceram. O chefe de Estado acabou concluindo que a nação moçambicana “está num bom caminho”, alegadamente porque todos indicadores mostram que o País está a caminhar “rumo à prosperidade”.
Guebuza evitou repetir o amplamente contestado refrão “o estado da nação é bom” mas foi o “vira o disco e toca o mesmo”. No informe de 2009, que antecedeu este de ontem, já Guebuza não repetira o refrão: “o estado da Nação é bom”. Aliás, em função dos últimos acontecimentos já se avançava na opinião pública que não havia condições para que o “estado da nação” fosse considerado “bom” pois, bem antes pelo contrário, cresce o descontentamento, dia após dia, em torno da figura de Guebuza e do seu governo.
No seu discurso de ontem na Assembleia da República, Guebuza falou, quase que na totalidade, das suas principais bandeiras de governação (combate à pobreza, elevação da auto-estima, aumento da produção e produtividade, cultura de trabalho, entre outros). Disse que o maior acontecimento que marcou o ano de 2010 foi, “sem dúvidas”, a comemoração da independência nacional, que foi antecedida pela “chama da unidade nacional”, que percorreu todos os distritos do País.
A pobreza e a “agitação” de 01 a 03 de Setembro
Esperava-se que o PR falasse das manifestações de 01 a 03 de Setembro último, de forma mais profunda, e das actividades que estão a ser levadas a cabo de forma que episódio similar não se repita. Mas, no seu discurso, Guebuza dedicou apenas uma linha para falar das manifestações que, aliás, apelidou de “agitação”.
Fala-se da necessidade de o Governo responsabilizar-se pelas pessoas que foram assassinadas pela Polícia nas manifestações. Guebuza disse apenas que o Governo se solidariza com as famílias que perderam seus familiares, baleados pela Polícia.
O chefe de Estado disse que o custo de vida está a aumentar devido ao comportamento dos preços no mercado internacional. A culpa sempre vem de fora. Como resposta, Guebuza voltou a lembrar as medidas de contenção da despesa tomadas em Setembro.
Armando Guebuza disse que o executivo está a enveredar por uma política de contenção de despesas com vista a criação de poupanças que serão reorientadas para o financiamento de bens essenciais.
O PR disse que os resultados, até aqui alcançados, são positivos. Entretanto, não os revelou.
“Sete milhões”
Em relação aos célebres “sete milhões”, Guebuza desvalorizou as críticas, tendo dito que este fundo está a criar mercado de trabalho para milhares de moçambicanos.
“Os sete milhões promovem a inclusão, o sentido de pertença, a valorização das opiniões e pontos de vista de todos”. Sobre o deficiente reembolso, Guebuza disse o que é sempre dito pelo ministro da Planificação e Desenvolvimento, ou seja, que o Governo está a capacitar os membros dos Governos distritais e dos Conselhos Consultivos. Entretanto o dinheiro do Estado vai e não volta. Guebuza ignorou esta vertente.
Justiça
Neste particular, Guebuza preferiu falar do acesso aos serviços judiciários que tem vindo a crescer com o aumento da capacidade do Estado de garantir assistência jurídica e patrocínio judiciário aos cidadãos economicamente desfavorecidos. Disse que em Moçambique são observados os direitos e liberdades que são garantidos através de acções relativas à lei, ordem e tranquilidade públicas.
Navegabilidade do Zambeze
Neste campo, esperava-se também que Guebuza falasse do diferendo que opõe os governos de Moçambique e Malawi, sobre a navegabilidade do rio Chire. É aqui onde se centrava a maior expectativa sobre o pronunciamento do Chefe de Estado. Mas o PR não mencionou esta questão.
WikiLeaks
Não fez menção, igualmente, às revelações de ficheiros secretos da embaixada norte-americana em Maputo, divulgados recentemente pelo website WikiLeaks.
SADC e CPLP
Sobre a política externa, Guebuza falou apenas da eleição de Moçambique para a presidência do órgão da SADC, para a cooperação, Defesa e segurança para o período 2009-2010, e para a presidência dos Países da Língua Oficial Portuguesa. (Matias Guente)
Renamo exige esclarecimentos sobre o “caso Wikileaks” e abandona a sala de sessões
A Renamo abandonou a sala de sessões por entender que Armando Guebuza não estava em condições de se dirigir à nação, sem explicar à mesma se ele (o PR) é ou não cúmplice de narcotraficantes, e se recebeu ou não, ilegalmente, uma comissão choruda na reversão da Hidroeléctrica da Cahora Bassa, tal como vem nos telegramas americanos divulgados pelo “Wikileaks” – Angelina Enoque, chefe da Bancada da Renamo na Assembleia da República
A bancada parlamentar da Renamo abandonou ontem a sala de sessões enquanto o chefe de Estado, Armando Guebuza, se dirigia ao pódio para prestar o seu informe sobre o “estado geral da nação”. A atitude da Renamo deveu-se ao facto de a presidente da Assembleia da República (AR), Verónica Macamo, ter interditado o deputado da “perdiz”, João Milaco (o mesmo que há dias atrás apelidou a bancada da Frelimo como a bancada do narcotráfico) de intervir para colocar uma questão prévia. A presidente da AR entendeu que o deputado Milaco não devia intervir e acabou chamando o chefe de Estado ao pódio.
Vendo gorada a sua expectativa de intervir e provavelmente de criar embaraços ao chefe de Estado, a bancada da Renamo decidiu retirar-se da sala exactamente quando o PR se deslocava em direcção ao pódio para fazer o seu discurso, constitucionalmente referenciado como “o informe anual à nação”.
Uma fonte da direcção da bancada da Renamo disse ao Canalmoz que o deputado da Renamo já sabia que o chefe de Estado não ia pronunciar-se sobre as bombásticas revelações do “Wikileaks”, pelo que pretendia convidar Armando Guebuza a pronunciar-se sobre a sua alegada “cumplicidade com o mundo do narcotráfico”, como referido em “telegramas” oficiais da Embaixada Americana para Washington, já admitidos como verdadeiros mas publicados contra a vontade dos seus autores.
Sem a Renamo na sala, o chefe de Estado dirigiu-se aos deputados da Frelimo, MDM e aos restantes convidados.
Momentos após o informe do PR, a Renamo convocava uma conferência de imprensa para oficialmente explicar as razões que levaram o seu abandono da sala de sessões.
Angelina Enoque, chefe da bancada da Renamo, disse a jornalistas que a Renamo abandonou a sala de sessões por entender que Armando Guebuza não estava em condições de se dirigir à nação, sem explicar à mesma se ele (o PR) é ou não cúmplices de narcotraficantes, e se recebeu ou não, ilegalmente, uma comissão choruda na reversão da Hidroeléctrica da Cahora Bassa, tal como vem nos telegramas divulgados pelo “Wikileaks”.
A chefe da bancada da Renamo recordou que o seu grupo parlamentar requereu à AR o agendamento (que foi prontamente reprovado pela Frelimo) do caso “Wikileaks” para que o Governo fosse ao parlamento explicar aos moçambicanos o que se está a passar, e proporcionar que a própria bancada da Frelimo falasse do narcotráfico que alegadamente a suporta.
Ao requerer o agendamento do “Wikileaks”, segundo a chefe da bancada, a Renamo tinha em vista a imagem do PR, alegadamente porque as acusações que pesam sobre si e aos membros do Governo “são bastante graves”. (Matias Guente)
Frelimo e MDM divergem na apreciação do informe do PR
Mais uma vez, o chefe de Estado veio apenas “passear a classe”. Gostaríamos que o PR mostrasse aos moçambicanos os tais indicadores que justiçam que este País está a caminhar rumo à prosperidade – José Manuel de Sousa, deputado da bancada parlamentar do MDM
As bancadas da Frelimo e do MDM têm apreciações diferentes em relação ao informe do chefe de Estado, Armando Guebuza. A Frelimo diz que o PR trouxe um discurso realista e que, verdadeiramente, Moçambique caminha rumo à tal prosperidade de que o chefe de Estado fala. Mas o MDM não viu realidade no discurso do PR. Para aquele grupo parlamentar, o chefe de Estado não se baseou no Moçambique real para elaborar o seu discurso, alegadamente porque se o País caminhasse rumo à prosperidade as pessoas não sairiam à rua para contestar a falta de comida.
O porta-voz da bancada parlamentar da Frelimo, Damião José, disse ao Canalmoz que o chefe de Estado fez uma radiografia do Moçambique real, onde “as pessoas estão empenhadas na luta contra a pobreza”. Disse que igualmente o PR detalhou as grandes realizações do ano, sobretudo no capítulo da produção de alimentos e os desafios que se impõe ao sector agrário. “O PR detalhou igualmente os desafios que colocam em relação aos sectores como educação e saúde”.
“Apesar desses desafios, é verdade que o estado da nação é bom e caminhamos rumo ao progresso”, concluiu o porta-voz da Frelimo.
Por seu turno, o porta-voz da bancada do MDM, Manuel José de Sousa, disse que este não é um País que caminha rumo ao desenvolvimento porque “é camuflar a realidade, falar de um País que caminha rumo à prosperidade, onde a população reclama pão, reclama dignidade, parente um Governo que vive de mordomias”.
Aquele parlamentar disse que o chefe de Estado contornou muitas questões que os moçambicanos gostariam de ouvir. “Não há ideias para acabar com a fome, problemas de habitação e falta de emprego,” disse. “Há questões como a política externa a que o chefe de Estado não fez referência. Era importante que o chefe de Estado falasse da questão do Malawi e desse últimas informações sobre a sua alegada cumplicidade no narcotráfico”, concluiu José de Sousa, o porta-voz do MDM. (Matias Guente)
Guebuza abordou a Agricultura como a base do desenvolvimento
– considera o economista e analista, Firmino Mucavel
O Canalmoz ouviu algumas sensibilidades em relação ao informe do chefe de Estado sobre o “estado geral da nação”. O economista e professor universitário, Firmino Mucavel, diz que “pela primeira vez a agricultura foi tratada como base de desenvolvimento” no discurso do PR.
Disse que o discurso do chefe de Estado foi ao encontro do problema que é a improdutividade causada pela não consideração da agricultura como base de desenvolvimento.
“A agricultura foi o centro do discurso do PR. Foram faladas acções de produção e comercialização. Não podemos inventar. A agricultura é a base do nosso desenvolvimento. Temos potencial pata tal e o que nos falta é a estratégia para tornar isso real. É bom quando o chefe de Estado dedica quase todo o seu discurso a falar da produção”, afirmou Firmino Mucavel.
Este académico disse ser importante que as actividades do Governo estejam viradas à produção. Nas finanças, na educação devemos priorizar a agricultura, porque é ai onde reside o principal problema de Moçambique.
Mucavele é de opinião que os desafios colocados pelo PR estão correctos porque envolvem toda a cadeia de valores. “Estou satisfeito. Por que é que vamos falar da indústria enquanto escolhemos como base a agricultura? É nesta óptica que deve ser colocada a filosofia”, disse.
Presidente da CTA, Salimo Abdula
Por seu turno, o presidente da Confederação das Associações Económicas (CTA), Salimo Abdula, apelidou de “realístico” o discurso do PR, porque abordou questões que preocupam a nação. “Foi realístico, não fugiu àquilo que tem sido o discurso do sector privado. Apontou aquilo que são os desafios que o sector privado tem vindo a levantar em diferentes fóruns.” Disse que o sector privado se revê na prosperidade defendida pelo PR. “É esta visão que o sector privado já mostrou. Ainda há muito trabalho pela frente. Nos revemos claramente nos desafios que o Governo abraça, que é olhar com mais serenidade para os sectores que possam criar a tal capacidade de transformação de recursos para exportação, para que a economia nacional seja sustentável”, observou o presidente da CTA uma figura que tem algumas sociedades com Guebuza. (Matias Guente)
CANALMOZ – 21.12.2010
NOTA:
“Moçambique caminha rumo à prosperidade” Afirma Armando Guebuza e eu concordo. Aliás, caminha desde há 35 anos. Mas…onde chegou já?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE