A talhe de foice
Por Machado da Graça
Não me admiraria que o informe sobre o Estado Geral da Nação, deste ano, tenha sido o mais difícil de elaborar desde que Armando Guebuza se tornou Chefe de Estado moçambicano.
E, em parte, por causa de uma armadilha que o próprio Presidente criou a si próprio.
Logo no primeiro informe que fez, Armando Guebuza terminou o discurso afirmando que: “O Estado da Nação é Bom!” e, independentemente de as opiniões variarem sobre o valor desta afirmação, ela ficou ali, como um marco, uma medida. E, nos anos seguintes, o Presidente da República voltou a encerrar os seus informes da mesma maneira, consciente de que, se não o fizesse, estaria a reconhecer que o seu executivo tinha piorado o seu trabalho em relação ao ano anterior.
Ora este ano de 2010 não permitia continuar com a tal frase. As manifestações populares de Setembro e os relatórios sobre o crescimento da pobreza no país transformariam uma tal afirmação num absurdo tal que se tornaria matéria de sarcasmo generalizado.
Para sair do problema, Armando Guebuza terminou o seu informe, este ano, dizendo que “ A Nação Moçambicana está no bom caminho, rumo à sua prosperidade”. Isto é, devidamente traduzido, o estado da nação não é bom mas vamos a caminho disso. E, como é óbvio, os papagaios do costume não se cansam de repetir a frase, sem fazerem nenhum esforço para a interpretar. O que é o reconhecimento claro de um recuo é apresentado como um anúncio de vitória.
Outra frase do final do discurso do Chefe de Estado que também me causa alguma preocupação é quando ele afirma que: “ A segurança alimentar melhorou, de forma notória, em 2010”.
Todos nós recordamos que, quando foi publicado o relatório sobre o aumento da pobreza no país, o Ministro Aiuba Cuereneia veio a público explicar que não tinha sido a pobreza, de uma forma geral, que tinha crescido, mas apenas a “pobreza alimentar”.
Ora fica difícil de compreender como é que o Ministro da Planificação e Desenvolvimento nos diz que aumentou a pobreza alimentar, em 2010, e o Presidente da República nos vem agora dizer que, no mesmíssimo ano, a segurança alimentar melhorou de forma notória. Quem o entender que venha a público explicar.
Mas, para mim, a maior fragilidade do informe está no facto de pouco, ou quase nada, ser quantificado. Diz-se, por exemplo, que foram feitos esforços para a agricultura passar a usar tracção animal e tractores. Mas não se diz quantos tractores foram comprados com esse fim. Terão sido 2? terão sido 20? Terão sido 200? Terão sido 2000? Terão sido 20000?
A maneira como a coisa foi dita pode cobrir qualquer uma destas possibilidades mas, no terreno, é claro que é totalmente diferente se foram comprados 2 tractores ou se foram 20000.
E, praticamente, todo o informe peca por este tipo de indefinição. O que não nos permite fazer avaliações realistas.
Mas não é só o informe de Armando Guebuza que tem este tipo de problema.
Há pouco tempo ouvi, na RM, o governador de Inhambane a desmentir um relatório, de uma instituição credível, dizendo que, naquela província, cerca de 40 mil pessoas estão em risco de passar fome.
Pois o bom do Governador Agostinho Trinta teorizou longamente sobre a “fome moçambicana” e a “fome das organizações internacionais”. E, para melhor defender a sua ideia, afirmou que, para as organizações internacionais, passa fome quem não tem leite, ao pequeno almoço, e vinho tinto ao almoço e ao jantar.
Será que as organizações, nacionais e internacionais, que se preocupam com o problema da fome no nosso país se reconhecem neste critério de Agostinho Trinta? Muito gostava de saber a resposta a esta pergunta.
E, de uma forma mais geral, gostaria que, nos discursos oficiais, se gastasse menos tempo com expressões como “Pátria de Heróis”, “Maravilhoso Povo” e outras do mesmo tipo e mais com dados concretos que nos permitam saber onde realmente estamos e em que sentido estamos a caminhar.
Tudo o mais são meras palavras, mais ou menos bonitas, mais ou menos bem escolhidas, mas apenas palavras.
SAVANA – 24.12.2010