Editorial
Com a “bomba da WIKILEAKS”, na semana passada, altas figuras do nosso Estado, actuais e passadas, foram, pura e simplesmente “despidas”, no País e internacionalmente.
A Embaixada dos Estados Unidos da América, em Maputo, já veio a público, através do seu adido de Imprensa e Cultura, mais, através da Voz da América (VOR) – a emissora oficial do Governo de Washington – reconhecer que os “telegramas” que a “WikiLeaks” divulgou, são autênticos. Não o disse expressamente, mas ao lamentar a divulgação de documentos “confidenciais” deixou claramente subentendido que os documentos são verdadeiros, muito embora se saiba que subscritos pelo então chefe da missão diplomática em Maputo, agora colocado no Afeganistão, não tenham necessariamente que ter sido todos produzidos por Todd Chapman, o então encarregado de negócios na ausência de embaixador durante todo o primeiro mandato de Armando Guebuza como chefe de Estado. São, contudo, de facto despachos oficiais americanos, assinados pelo então chefe da missão em Maputo, que entraram no sistema de apreciação que aquele País faz dos outros, neste caso específico de Moçambique. E é de se ter em conta que se trata de “inside information” (informação secreta) que só veio a público por via de quem se propõe a manter o público informado – o WikiLeaks –, designadamente a opinião pública americana que agora certamente impedirá que este assunto fique entre quatro paredes e reservado apenas para pressão política.
Em primeira e imediata análise, o que sobreleva destes “telegramas”, que saíram a público aparentemente fugindo ao controlo da encriptação americana, é que eles falam de nomes de pessoas, de grandes figuras, do sistema político e empresarial moçambicano, enquanto de outras vezes os relatórios simplesmente se limitavam a dizer que Moçambique era um grande corredor de tráfico de droga; de tráfico de influências; e de corrupção.
Se o que vem expresso nos diferentes “telegramas” da diplomacia americana de Maputo para o seu Governo em Washington é verdade ou mentira, nós neste jornal não sabemos, mas não há dúvida absolutamente alguma, agora, que os “telegramas” dizem exactamente o que tem sido divulgado pelos mais variados órgãos de comunicação social do mundo inteiro e por diferentes estudos levados a cabo por cientistas moçambicanos, como é o caso do estudo levado a caso por Marcelo Mosse, do CIP, e do Instituto para Estudos de Segurança da África do Sul (ISS).
A verdade onde se apura? Na rua? Acreditando simplesmente em quem acusa? Dando-se mais crédito a quem está sob suspeição e diz que está inocente?
Não é verdade que os réus podem mentir até em audiência judicial?
Se os “acusados” se sentem prejudicados, porque não agem, internacionalmente, para limparem as suas imagens e a do País dadas as altas funções que ocupam ou ocuparam no Estado? Indemnizações chorudas, pela difamação, far-lhes-iam, naturalmente, muito jeito. Não é verdade?
Qual será a posição “patriótica” neste caso? Ficar calado? Ficar preocupado? Acusar os “gringos” de serem maus e “imperialistas”?
Então, em que ficamos? O que se vai seguir?
Estamos perante uma situação complicada em termos jurídicos, mas não há dúvidas que não basta que os – digamos – “acusados”, afirmem que estão inocentes.
Este escândalo já assumiu proporções tais que as razões deveriam ser dirimidas em instâncias judiciais.
Se não estão dispostos ou preparados para irem às instâncias judiciais internacionais limpar a imagem do País, pelo menos façam-nos um favor: publiquem já tudo o que foi assinado sobre Cahora Bassa com José Socrates – o amigo de Armando Vara que agora está ligado aos brasileiros no Corredor de Nacala que substituíram a INSITEC na SCDN.
Queremos transparência! Mostrem-nos que são transparentes e não têm nada que os comprometa, como fazia Samora Machel.
Não é só Cahora Bassa que é nossa. O Estado Moçambicano é nosso. Os recursos minerais são nossos de todos os moçambicanos. Por isso não venham como a ministra dos Recursos Minerais falar em confidencialidade dos contratos. A riqueza é dos moçambicanos. Não é só de alguns.
No caso das revelações da WikiLeaks estamos perante factos que não abonam favoravelmente a imagem de Moçambique no Mundo. O presidente da República e do partido no poder, o partido Frelimo, Armando Emílio Guebuza, é hoje visto, internacionalmente, como “cúmplice do narcotráfico”, “acumulador de riqueza não completamente justificada”, “beneficiário de comissões da reversão” da tal “Cahora Bassa” que “já é nossa”, e outras coisas mais que deixam a sua fotografia muito mal retocada. Infelizmente!
Joaquim Chissano e Luísa Diogo, que eram as tais figuras “exemplares”, também têm, agora, as suas fotografias manchadas e os seus CVs indiciados de “alta corrupção” e de envolvimento em negócios geralmente classificados como “sujos”.
O primeiro-ministro Aires Ali já se pronunciou e remeteu os jornalistas à embaixada americana em Maputo, alegando que as relações entre o Governo Americano e Moçambique “são muito boas”. “Sacudiu a água do capote”. Livrou-se da “batata quente”, como Judas se livrou de Cristo na hora da verdade. A preparar o futuro ou não, só mais tarde saberemos…
Chissano já veio dizer que as acusações são “falsas” e é “tudo mentira”.
Luisa Diogo estava até ontem mais calada do que o silêncio. E falou também para propor a política da rolha. Quem não deve não teme. “Vamos lá falar”. Porque não?
Manuel Tomé nem pia.
A INSITEC apareceu com alguns esclarecimentos, mas não foi capaz de apagar completamente o pó que paira em torno da sua imagem.
Domingos Tivane, director nacional de Alfândegas e proprietário de um instituto superior no “Belo Horizonte” de Boane, que cresce e cresce e ninguém interroga de onde vem o dinheiro, não fala. Nós gostaríamos que falasse e dissesse já, de sua justiça, o que tem para dizer. Afinal é um alto funcionário do Estado, o único que nos pode dizer se é verdade ou não que pelas nossas fronteiras transita droga e moeda, dólares, etc…; e como é que isso se opera (?). Limita-se a aceitar o que a Kudumba quer em vez de se impor? Isto tudo não trás mesmo água no bico?
O presidente da Autoridade Tributária, que ao ver “acusado” um seu subordinado, por sinal a principal figura no que respeita às importações e exportações de Moçambique, também ainda não falou, embora reconheçamos que Rosário Fernandes é um homem de grandes princípios e com forte carácter.
O ministro das Finanças, Manuel Chang, que tutela as Alfândegas, também ainda não falou do tráfico de drogas que necessariamente, a ser verdade que o nosso País é a “segunda” placa giratória de narcóticos em África, “depois da Guiné-Bissau”, só é possível devido à permissividade das autoridades fronteiriças e alfandegárias.
O recentemente nomeado ministro do Interior, que tem a seu cargo a guarda fronteira e a Migração, também ainda não desmentiu os “telegramas” americanos, nem recusou que Moçambique seja uma placa giratória de droga.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Oldemiro Balói, que também tem bom nome e tem feito muito em defesa da imagem do País a nível internacional, está também calado como as corujas, certamente apenas a prestar muita atenção ao evoluir deste escândalo.
A sociedade civil está congelada de medo e a suscitar que se pense ainda com maior propriedade que ela é parte do problema de tanto ser vista como entidade manipulada pelo poder instalado, salvo excepções. Ou então está a organizar-se para estar a jeito quando nos vierem tentar lavar a cabeça com mais umas consultorias sobre o narcotráfico e as suas implicações democráticas…
A União Europeia e os representantes dos seus estados membros, também continuam quedos e mudos, embora nos estudos que têm encomendado se reconheça que o problema da corrupção e do narcotráfico, é sério. Nada fazem com as evidências dos estudos, a não ser aumentar os orçamentos que alimentam a “farra” e continuar a produzir relatórios de que o nosso país é “um caso de sucesso”. Porquê?
Será que estes “telegramas” dos seus aliados americanos vão acordar a Europa ou simplesmente estão também com receio de que o que o WikiLeaks ainda tem na manga os possa embaraçar?
Da Procuradoria Geral da República e da Unidade Anti-Corrupção também nada se ouviu a não ser a sirene dos seus cortejos de automóveis e as suas participações em altos banquetes do Estado e “parcerias estratégicas”. Pobre procuradoria e unidade anti-corrupção!...Para que servem? Simplesmente para defenderem os tachos e “mamarem” os impostos dos contribuintes moçambicanos? Será que a questão é só o que os americanos pensam de altas figuras do Estado e de certos empresários moçambicanos? Terá a PGR independência suficiente para investigar os indícios e afirmar aos moçambicanos e ao mundo que tudo o que a embaixada americana em Maputo reportou ao Governo americano em Washington é mentira e nada, nem parecido, acontece em Moçambique?
Os partidos da oposição levaram tempo a falar. A Renamo falou, chamando à bancada da Frelimo, a “bancada do narcotráfico”. Mas até certa altura só falou o deputado Milaco. E mesmo este só após a provocação do deputado da Frelimo, Galiza Matos Júnior. Só vários dias depois, mais propriamente esta quarta-feira, a Renamo em si começou de facto a dar um ar da sua graça.
O MDM depois de perguntarmos, no Canal de Moçambique, se não tinham nada para dizer, lá começou a exigir explicações e a mostrar a sua utilidade como alternativa política ao partido Frelimo de que agora se sabe que juízo faz dele o aparelho americano. Parece que acordaram. Estamos cá para ver se não foi só por parecer mal estarem calados que se dignaram finalmente a agir. De oposição parlamentar ociosa parece que perceberam finalmente que têm que se fazer ouvir. Têm vindo sempre a publico queixar-se de que a Frelimo não os deixa intervir na Assembleia da República, alegadamente por causa do fundo de tempo, mas parece que finalmente perceberam a sua utilidade como oposição.
A oposição não pode deixar Moçambique cair por causa do comportamento de que estão indiciadas altas figuras do Estado a quem o FMI tem dado o seu aval como destinatário de importantes empréstimos financeiros.
Estamos cá também para ver o que mais ainda nos reserva o “WikiLeaks” que, de quase um milhar de documentos que se diz ter de Moçambique, ainda apenas fez “pingar” quatro.
Será que não há mesmo provas que irão deixar-nos a todos espantados?
“A procissão ainda vai no adro”.
Que fim irá ter esta novela? (Canalmoz / Canal de Moçambique)
WikiLeaks faz tremer “numenklatura”
Frelimo inviabiliza ida do Governo ao Parlamento para falar dos “telegramas” americanos
A ex-primeira ministra Luísa Diogo diz que o Governo de Moçambique não tem de explicar nada, alegadamente porque “a maior parte dos líderes e políticos do mundo chamados a comentar sobre os conteúdos dessas revelações, recusaram-se a fazê-lo, alegando a falta de fundamento e base de sustentação, e porque, na maioria dos casos, se tratavam de meras conjecturas sem qualquer base factual.”
A bancada parlamentar da Frelimo, na Assembleia da República (AR), inviabilizou, ontem, o agendamento do debate sobre as bombásticas informações publicadas pelo Wikileaks, que envolvem nomes de altos dirigentes do Estado e do partido Frelimo em operações de narcotráfico e outras actividades ilícitas. Chegaram inclusivamente a indiciar o próprio chefe de Estado, Armando Guebuza, e o seu antecessor, Joaquim Chissano, de serem condescendentes ou “cúmplices” de narcotraficantes. E Luísa Diogo de ser uma colectora de gorjetas para o seu partido.
A bancada parlamentar da Renamo submeteu na quarta-feira última, o pedido de agendamento “urgente” do caso Wikileaks. A Renamo pretendia um debate com a presença do Governo, no qual este explicaria aos moçambicanos o que se está a passar.
Na sua fundamentação, a Renamo refere-se “preocupada com o facto de figuras importantes do Estado moçambicano tais como as do ex-chefe de Estado (Joaquim Chissano) e do actual (Armando Guebuza), a ex primeira-ministra (Luísa Diogo), o ex-chefe da bancada parlamentar da Frelimo (Manuel Tomé), entre outros, serem referidos como estando ligados ao narcotráfico”.
A Comissão Permanente, maioritariamente dominada pela Frelimo, decidiu levar o assunto para votação, ou seja, o agendamento do assunto e a consequente presença do Governo ficou dependente dos 191 deputados da Frelimo. E como era de esperar, a Frelimo votou contra o agendamento do caso Wikileaks e a presença do Governo no parlamento. Costuma-se dizer que quem não deve não teme, mas ficou a ideia de que o Partido Frelimo está com receio de esclarecer o que se está a passar e porque razão há indícios da natureza referida nos “telegramas” americanos de Maputo para Washington.
Luísa Diogo diz que é um assunto sem interesse
Para justificar o posicionamento da bancada parlamentar da Frelimo, foi indicada a deputada Luísa Diogo, ex-primeira ministra, que também é citada nos “telegramas” como sendo uma das altas figuras da Frelimo que recebe subornos provenientes do narcotráfico. Foi a primeira vez que Luísa Diogo intervém no parlamento desde que tomou posse como deputada.
Luísa Diogo começou por dizer que não consta que o Governo de Moçambique tenha sido notificado oficialmente sobre a matéria em causa. Para a Frelimo, segundo Diogo, a motivação usada pela Renamo para solicitar o agendamento do debate resulta, em alguns casos, de desabafos, juízos opinativos, ou comentários, sem qualquer base factual, não constituindo assim fonte credível ou oficial.
Luísa Diogo diz que o Governo de Moçambique não tem de explicar nada, alegadamente porque “a maior parte dos líderes e políticos do mundo chamados a comentar sobre os conteúdos dessas revelações, recusaram-se a fazê-lo, alegando a falta de fundamento e base de sustentação, e porque, na maioria dos casos, se tratavam de meras conjecturas sem qualquer base factual”.
Para Luísa Diogo, a ex-número dois do Governo da Frelimo liderado por Guebuza, os deputados da Assembleia da República foram eleitos para discutir assuntos de interesse nacional, e para apresentar projectos e ideias que contribuam para o desenvolvimento do País. Sentenciando, Diogo disse que a tarefa do deputado “não é debater notícias divulgadas por jornais e baseadas em opiniões”.
Quem não deve, não teme
Perante o posicionamento dos deputados da Frelimo, a Renamo preferiu apelidar a cena de “vergonha nacional”. Segundo o deputado José Manteigas, a bancada da Frelimo mostrou que não está interessada em ver as coisas a andarem neste País, senão servir aos seus superiores em tudo. Manteigas disse que não é intenção da Renamo julgar os acusados de narcotraficantes, porque esta tarefa é do Tribunal, mas sim dar oportunidade para que o Governo se explique. “Não é intenção dos moçambicanos julgar as altas figuras acusadas, mas sim, isso sim: os moçambicanos querem saber o que eles têm a dizer sobre isso, porque assim também não podemos ficar”.
Ainda de acordo com Manteigas, parlamentar da maior bancada da oposição, se a bancada da Frelimo nega que o Governo explique aos moçambicanos sobre o que está a acontecer é porque “teme alguma coisa, que nós (a Renamo) não sabemos”. Este deputado lembrou a má imagem que o País agora tem além fronteiras, e lamentou que a Frelimo não queira que o Governo se explique.
Negamos ser cúmplices de narcotraficantes
A bancada parlamentar do MDM votou a favor do agendamento do debate e a presença do executivo de Armando Guebuza, por considerar um assunto de interesse nacional e que devia preocupar os visados. Segundo o deputado Ismael Mussa, que é simultaneamente o secretário-geral do partido liderado pelo engenheiro Daviz Simango, presidente do Município da Beira, o mais preocupante agora é o facto de a Embaixada dos EUA em Maputo, ter confirmado que aquela informação é classificada. Tendo sido libertos apenas quatro dos 940 ficheiros, o MDM diz-se preocupado com o que vem a seguir, particularmente as supostas cartas autorizando a libertação de contentores de narcotráfico.
Prosseguindo, o SG do MDM afirma que os moçambicanos como tal pretendem estar informados da honestidade dos dirigentes deste País, porque alegadamente a história de alguns implicados diz-se confundir-se com a história de Moçambique. “Somos pela presença do Governo no parlamento, porque não queremos ser cúmplices no futuro, de algo que não nos dignifica como moçambicanos e como Estado”, concluiu Ismael Mussa. (Matias Guente)
Na próxima segunda-feira
Guebuza vai ao Parlamento para falar do Estado da Nação
A ida do presidente da República ao Parlamento acontece numa altura em que o seu nome acaba de ser referenciado no site WikiLeaks, como “cúmplice de narcotraficantes”. O chefe de Estado ainda não reagiu a estas acusações que partiram da Embaixada dos EUA em Maputo, e na sua deslocação ao Parlamento pode vir a ser interpelado para explicar o que se passa aos deputados da oposição.
O Presidente da República, Armando Guebuza, presta, na próxima segunda-feira, a tradicional informação anual ao País. No informe que terá lugar na Assembleia da República, o chefe de Estado vai debruçar-se sobre o Estado da Nação.
Baseando-se nos informes anteriores, advinha-se que Armando Guebuza irá dizer que o Estado da nação é “bom” ou pelo menos vai deixar isso transparecer. É que desde 2005 que assumiu a Presidência da República, Guebuza nunca encontrou razões que o impedisse de considerar o estado da nação “bom”.
Momento atípico
Entretanto, Guebuza vai ao Parlamento numa altura delicada para si como chefe de Estado e chefe do Governo. Situação, aliás, também muito comprometedora para outros membros do seu Governo e do partido Frelimo, o qual ele preside.
É que há cerca de uma semana que o nome do presidente Guebuza, de alguns ministros e de membros seniores do partido Frelimo, foram referenciados nos telegramas diplomáticos da Embaixada dos EUA em Maputo, enviados para Washington. Os dirigentes moçambicanos são acusados de colaborar com o narcotráfico.
Mas se este assunto se advinha que não irá merecer menção do chefe de Estado, há outras questões internas que o PR não tem muitas hipóteses de contorná-las. É o caso das manifestações de 1 a 3 de Setembro que paralisaram as cidades de Maputo e Matola, e foram motivadas pelo descontentamento generalizado devido ao elevado custo de vida.
Nestas manifestações, segundo dados oficiais, foram registados 14 óbitos. Entre as vítimas há registo de crianças. Isso, para além de destruições de bens públicos e privados, cujos valores monetários correspondentes ainda não foram tornados públicos, mas são elevadíssimos.
Destas manifestações, resultou, entretanto, o anúncio do Governo de que iria tomar medidas de austeridade para reduzir as despesas públicas e poupar mais para conter o elevado custo de vida.
A sustentabilidade das medidas de austeridade tomadas pelo Governo para atenuar o custo de vida tem sido seriamente questionada. Muitas medidas anunciadas não estão a ganhar corpo. Por exemplo, o Governo anunciou que não iria aumentar salários dos altos dirigentes do Estado, mas o ministro das Finanças veio a terreiro afirmar que ainda está a estudar um possível aumento dos salários dos dirigentes, ignorando as medidas de austeridade anunciadas.
Por outro lado, a estratégia para acabar com a já reconhecida má gestão dos Fundos de Desenvolvimento de Iniciativa Local, os vulgos “sete milhões”, é um assunto que os moçambicanos deverão querer ouvir do mais alto magistrado da nação moçambicana.
A grande corrupção é outra questão sobre a qual o público está expectante. Exigem-se resultados no combate à corrupção e sobretudo a responsabilização dos chamados “tubarões da corrupção”, mas nada tem acontecido se não sucessivos auto-elogios e outros juízos em causa própria.
O funcionamento do sector da Justiça, sobretudo a sua independência, também é um “dossier” sobre o qual os moçambicanos gostariam de ouvir do Presidente da República. A Justiça caiu em total descrédito, sendo hoje percepção generalizada que ela está manipulada pelo Poder Político agindo em conformidade com os arranjos nos bastidores e não como se desejava que fosse, pura e simplesmente de acordo com a lei.
Junta-se a isso os elevados índices de criminalidade que tem vindo a colocar em causa a segurança.
No capítulo diplomático, a expectativa centra-se no dossier “Malawi”, um complicado diferendo que opõe Maputo e Lilónguè, sobre a navegabilidade do rio Chire, onde Moçambique acusa Malawi de ter cometido muitos erros, e que a outra parte apelida de “provocação” por parte das autoridades moçambicanas. Quanto a este dossier há ainda suspeitas internas de que Guebuza está a confundir os seus negócios pessoais com os superiores interesses do Estado.
O ano de 2010 ficou também marcado pela “greve” dos doadores, no início do ano o que comprometeu o Orçamento do Estado para 2010. Os doadores exigiam reformas que Guebuza havia prometido levar a cabo, mas que não chegou a cumprir. O que irá dizer sobre isto ao Parlamento? Será que vai desviar-se do tema?
Entretanto, e com base nos informes anuais passados, advinha-se que Guebuza dedique parte do seu discurso ao alegado avanço da luta contra pobreza (já desmentido pelo Inquérito do Orçamento Familiar); ao reforço da soberania nacional e o aumento da auto-estima, suas bandeiras habituais que já são agora motivo de ironia nas conversas mundanas. (Matias Guente)
CANALMOZ – 17.12.2010