A talhe de foice
Por Machado da Graça
Os textos que têm vindo a ser divulgados, a partir do site wikileaks, estão a causar alguma confusão entre nós.
Talvez por não estarmos habituados a ler, ouvir ou ver os nossos dirigentes a serem acusados de corrupção e crimes graves, como agora está a acontecer.
E por se dizer que estes documentos são credíveis e ninguém tenha, até agora, posto em causa essa credibilidade.
Mas creio que devemos analisar as coisas mais de perto.
Ora o que é credível é a existência destes telegramas, não é aquilo que neles está escrito. O texto dos telegramas pode ser verdade, ou não.
O que estes documentos nos mostram não é a realidade existente no nosso país. É a opinião que os funcionários da Embaixada Americana, em Maputo, têm sobre o que se passa em Moçambique. É isso que eles transmitem para o Departamento de Estado, em Washington, como é sua obrigação.
Agora se essa opinião dos diplomatas americanos é correcta ou incorrecta já é toda uma outra questão.
Daqueles documentos a que tive acesso nenhum apresenta qualquer prova das afirmações feitas. O que leva a uma situação como a que foi criada quando Barack Obama veio a público afirmar que Momade Bachir é um barão da droga. Há uma acusação mas, não tendo sido apresentadas provas, fica tudo na mesma. Tal como com os foguetes, faz-se muito barulho mas ninguém é
directamente atingido.
Com isto que está a ser publicado nenhum tribunal do mundo poderia condenar ninguém.
Mais ainda, a maioria dos textos apenas transcreve a opinião dada por cidadãos nacionais, acredito que em conversas particulares com os diplomatas americanos. Portanto, nesses casos, não é sequer a opinião dos funcionários da embaixada que é transmitida mas sim a opinião de pessoas que conversaram com eles. E que não devem estar a achar nenhuma piada ao facto de conversas particulares aparecerem, agora, estampadas nos jornais. Algumas de forma (mais ou menos) anónima mas outras com o nome da fonte lá revelado.
Deve-se entender, com o que estou a dizer, que estas informações que têm estado a ser publicadas são todas falsas?
Não. De maneira nenhuma. Podem ser totalmente falsas, totalmente verdadeiras ou parcialmente falsas e parcialmente verdadeiras. O que eu estou a dizer é que não temos dados suficientes para saber a que grupo elas pertencem.
E nem sei sequer que consequências jurídicas isto tudo pode ter.
Por exemplo, uma das “fontes” da Embaixada Americana afirma que viu, pessoalmente, o meu amigo Ndapota a receber “refrescos” de Momade Bachir.
Será que o acusado, sentindo-se ofendido na sua honra, pode pôr a tal fonte em tribunal? Não, porque a fonte não está identificada. E, mesmo que estivesse (a dizer a verdade, está e até já foi entrevistada pela AIM), terá feito essa declaração numa conversa privada nunca lhe passando pela cabeça que ela chegasse um dia a público.
Poderá então, Manuel Tomé, pôr em tribunal a Embaixada Americana? Também não creio, porque o telegrama de que estamos a falar é de carácter confidencial e, de forma nenhuma, destinado a chegar ao público.
Poderá processar os órgãos de informação que têm publicado estes documentos? Penso que não porque eles têm estado a citar outros órgãos de comunicação internacionais.
Portanto, estamos, tal como na acusação a Bachir de ser um barão da droga, perante pessoas que estão a ser publicamente acusadas de coisas extremamente graves sem terem a possibilidade de se defender. De, no caso de serem inocentes das acusações, poderem limpar o seu nome.
Situação bizarra, esta, e, até onde sei, nova. Talvez merecedora de que se faça um estudo jurídico para saber como se pode resolver.
Até lá resta aos afectados engolir o sapo e, a nós outros, continuarmo-nos a perguntar: Será verdade?
SAVANA – 17.12.2010