“Urias Simango foi vítima da demagogia do tsonga”
Por Salomão Moyana
“Urias Simango nunca foi reaccionário. Foi apenas vítima da demagogia tsonga.Quer dizer, os estatutos da Frente de Libertação de Moçambique diziam que, em caso de morte do presidente, o vice-presidente, automaticamente, ascendia à presidência. Mas, quando morreu Mondlane, três tsongas vão a casa de Simango pedir-lhe para não tomar o poder, alegando que era preciso mais tempo para se organizar uma tomada mais pomposa do poder. Simango comete o grande erro de aceitar a proposta dessas pessoas, não tomando o poder, o que deu campo para todas as manobras que culminaram com a sua expulsão da Frelimo, com nomes feios de reaccionário, traidor, etc.”.
É o nosso entrevistado da semana passada, Fanuel Guidion Mahluza, que nos diz estas coisas, as quais não são muito diferentes das que já ouvimos doutros moçambicanos, igualmente, participantes da libertação nacional. Ele fala o resto.
Uma vez o senhor disse-me que Urias Simango tinha sido vítima de demagogia do tsonga. Pode explicar isso melhor para o público conhecer a sua versão?
O que é que diziam os estatutos da FRELIMO quanto à sucessão do presidente em caso de morte deste?
- Que o vice-presidente, automaticamente, e sem perguntar a ninguém, assume a responsabilidade da presidência da frente.
Mas os tsongas, incluindo o actual Presidente da República, dizem a Urias Simango que tudo o que estava nos estatutos iria ser cumprido, mas que antes disso, por um período de três meses, vamos formar um triunvirato para fazer a preparação da sua passagem para a presidência da FRELIMO.
Urias Simango, por complexo de inferioridade, aceita.
Se Urias Simango fosse um tsonga, garanto-lhe que não teria aceite, teria imediatamente assumido a presidência da FRELIMO, tal como rezavam os estatutos. Mas o Simango aceita perante o pedido dos tsonga de esperar três meses para a subida ao poder. Pôs-se, então, Simango como presidente, Marcelino dos Santos como presidente e Samora Machel como presidente. Eles já sabiam o quê que eles queriam.
Os três eram presidentes com poderes iguais?
- Os três presidentes com igual poder. Não há nada que o outro pode fazer sem o conhecimento dos restantes dois. E o grupo tsonga, durante aqueles três meses estava a cavar o Simango.
Quando o Simango descobre o que se estava a passar, salta e vai para imprensa e publica um documento intitulado “The Gloomy Situation in FRELIMO”, e logo os dois saem e vêm a público dizer: “Estão a ver? É o que a gente disse. Nós os três temos os mesmos poderes e ele está aí a insultar a nossa organização. Ele não tem poder para fazer isso, porque ele não é presidente. Ele é um ambicioso, é confuso!”
Imediatamente, começa uma vasta campanha visando a expulsão de Urias Simango da FRELIMO. O grupo tsonga consegue essa façanha, consegue-se expulsar Urias Simango, Samora Machel entra na presidência da Frelimo com Marcelino dos Santos como vicve-presidente e o triunvirato termina por aí.
Simango nunca foi traidor.
Nunca? - Sou eu que estou a dizer. Escre
a isso.
Simango nunca foi traidor. É feito traidor pela demagogia do tsonga. É que o tsonga tem um grande complexo de superioridade em relação ao ndau e este, às vezes, tem um grande complexo de inferioridade em relação ao tsonga!...
Eu sou mutsonga, mas posso lhe dizer que o tsonga é demagogo e tem um grande complexo de superioridade em relação aos outros grupos étnicos moçambicanos. Desde a fundação da Frelimo que essa demagogia tsonga foi evidente.
Portanto, Urias Simango nunca foi traidor, foi apenas vítima duma cilada do tsonga. Eu disse isso mesmo ao Chissano no dia em que fui falar com ele. E ele começou a rir. E talvez ele próprio não sabia.
Mas participou no afastamento de Simango...
- Com instinto pode ter participado. Por exemplo, eu escrevi para Mondlane a convidá-lo para se vir juntar a nós, não porque soubesse de alguma coisa, mas esse era um instinto que eu tinha. Eu também fiz, mas era um instinto, sem saber exactamente o quê que estava a fazer e porque é que fazia exactamente aquilo. Mas fiz porque algo no íntimo me dizia que a liderança da frente tinha de ser feita por um tsonga.
Coitado, nunca foi traidor?
- Não. Eu é que estou a dizer que ele nunca foi traidor e ninguém vai desmentir e nem sequer responder a isto. Nunca ninguém apresentou evidências concretas das várias acusações contra Simango. Diz-se tudo dele mas nunca ninguém provou que ele matou Mondlane, nunca ninguém provou que fosse traidor de seja o que for. Nós sabemos que Simango nunca foi isso tudo. Simango foi apenas vítima da demagogia tsonga, de não aceitar outros grupos à frente da Frelimo. E isso ainda hoje o senhor pode ver na mesma como se organiza o poder no País.
Eles podem me matar hoje, alegando que estou a insultar o governo, eu não recuo, porque sei que Simango nunca foi um traidor. Ele apenas foi traidor da demagogia do tsonga e mais nada.
E sendo o senhor um membro fundador da FRELIMO porque é que abandonou a Frelimo?
- Olha, naquela demagogia do tsonga, o grupo Simango descobre que eu é que chamo Mondlane para tomar a liderança.
Quando é que descobre isso?
- Em 1963. Descobre-se de que eu é que tinha chamado Mondlane, impedindo que Urias Simango ficasse presidente da FRELIMO. Portanto, a partir daí, sou posto na lista daqueles que deviam desaparecer.
Só que entre os membros da segurança da FRELIMO, um deles era meu amigo e ele faz-me chegar a informação de o meu nome estar na lista dos que deviam desaparecer.
Perante estes factos, ponderei e cheguei à conclusão de que era melhor ser um herói vivo do que um herói morto.
Sai da FRELIMO e vai para onde?
- Vou para uma nova organização que depois nasce em 1963. Lembre-se que, em 1963, a FRELIMO teve desavenças, onde muitos membros fundadores são expulsos e um deles é Gumane, David Mabunda e mais outros.
E isso acontece em 1963?
- Exactamente, em 1963. E acontece que estes todos eram meus amigos e assim nasce o COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique) que é exactamente formado em 1963.
É então que quando decido deixar a FRELIMO vou entrar no Comité Revolucionário de Moçambique, COREMO, onde desempenhei as funções de secretário da Defesa, do princípio até ao fim.
E o COREMO fez o quê?
- COREMO é quem, efectivamente, lutou em Tete. E o COREMO chegou até à província de Manica, enquanto a FRELIMO só chegou, praticamente, no fim da guerra. Por outro lado, a FRELIMO não se fez sentir muito na província da Zambézia. A luta da FRELIMO era mais intensa nas províncias de Cabo Delgado e Niassa.
Estavam a lutar duas organizações para libertar o mesmo país?
- Sim. E esta organização era liderada por Gumane, o COREMO. O presidente era Gumane e eu era o secretário da Defesa. Mas quando chegam as negociações que levaram à assinatura do Acordo de Lusaka, acontece que Nyerere convence Kaunda a acabar com o COREMO, que era para não perturbar as conversações entre a FRELIMO e Portugal. Então, Kaunda acaba mesmo com o COREMO.
Afinal, quem dava armas ao COREMO?
- Era Kaunda. Mas quando chega o último momento, Kaunda e Nyerere ficam juntos, pois levam os membros do COREMO e metem na prisão como forma de evitar que aqueles pudessem participar nas negociações de Lusaka com Portugal.
O COREMO fez muito. Uma vez conseguiu capturar 24 soldados portugueses duma só vez, facto que a FRELIMO nunca tinha feito. O COREMO termina em 1974?
- Sim. Durante as negociações que culminaram com os Acordos de Lusaka.
Quando há negociações Kaunda manda prender a todos vocês?
- Ele mandou prender todos nós.
E o senhor também esteve preso?
- Estive preso, sim senhor, em Lusaka.
E depois como é que saem daí?
- Bom, eu era secretário de Defesa. Sabe que o guerrilheiro é uma pessoa muito difícil. Tínhamos militantes e tudo. Armas e tudo. Os meus amigos disseram para eu fugir da prisão. Então, fugi da prisão e fui me reunir com os militantes a quem expliquei sobre o ponto da situação naquele momento, traçando ao mesmo tempo as instruções que deveriam seguir dali em diante.
Mahluza no Moçambique “D”
Expliquei a eles que poderiam entrar para a FRELIMO como instrução superior dos dirigentes do COREMO.
Só que depois de ter realizado este trabalho, mais tarde voltaria a ficar preso.
Foi preso aonde?
- Mesmo em Lusaka. Mas depois disso fugi de novo e voltei para o interior de Moçambique, mais concretamente para esta cidade antes de ser Maputo, quando ainda se chamava Lourenço Marques.
Só que quando cheguei aqui o Presidente Samora Machel mandou prender-me também.
Em que ano foi isso?
- Em 1975. Isso ocorreu poucos dias depois da Independência, facto que me obrigou a estar durante nove meses no Comando da Polícia\; permaneci seis meses na Cadeia Civil\; fiquei quatro meses na Cadeia da Machava e, finalmente, fui levado para Pemba, onde estive numa cadeia subterrânea sem roupa durante três meses.
Depois daí, fui mandado para o chamado “Moçambique D”, em Cabo Delgado.
“Moçambique D”? - Sim. “Moçambique D” era onde se eliminavam todas as pessoas que fossem consideradas reaccionárias pela F
ELIMO.
Como é que era esse “Moçambique D”?
- Era uma prisão dentro de Moçambique.
Estava aonde e em que zona?
- Estava na província de Cabo Delgado, na região de Ruáruá.
Fui levado para lá para ser morto, mas com a vantagem de ser guarnecido por soldados que tinham acabado de ser recrutados para as fileiras do exército. Durante o governo de Transição.
E isso era vantajoso porquê?
- É que eu como guerrilheiro experiente vir a ser guarnecido por recém-recrutados de certa forma era uma vantagem para empreender qualquer tentativa de fuga. É verdade que o comandante do tal “Moçambique D” era irmão deste Lagos.
O Lagos Lidimo?
- Sim, Lagos Lidimo. E era muito mau.
Tal como o irmão?!...
- Lá cheguei a presenciar pessoas que eram enterradas vivas apenas porque estavam doentes. Aquele comandante ordenava que se enterrasse qualquer pessoa que naquele centro prisional se apresentasse doente. Eu vi isso com estes meus olhos. Quando presenciei essas situações disse para comigo que aquele não era local para eu permanecer por muito tempo. Tinha que fugir daquele lugar.
-Quanto tempo é que ficou no “Moçambique D”?
- Fiquei uns seis meses.
E organizei a minha fuga para a Tanzânia.
Então, todo este tempo ainda se estava à espera da ordem para o matar?
- Sim, para me matarem. Entretanto, eu tomei a dianteira porque consegui organizar a minha fuga com destino à Tanzânia. Só que quando chego a Tanzânia sou preso acusado de ter entrado naquele país sem documentação e ainda por cima e sem visto de entrada.
Levado a tribunal, fui condenado a um ano de prisão. Passei muito mal.
Trabalhei na cadeia durante aquele período até ser liberto decorrido um ano. Quer no acto da minha detenção como durante o tempo que estive na cadeia em cumprimento da pena de prisão, mantive a falsa informação de que eu era cidadão malawiano, emitindo propositadamente o facto de ser moçambicano, por temer ser extraditado. Tinha receio de que em caso de descobrirem a minha identidade me pudessem recambiar para Moçambique onde a situação que me esperava não era agradável.
Por isso, fiquei na prisão como malawiano, uma pessoa que não entendia uma palavra sequer de kiswahili, quando, na realidade, eu percebia tudo.
Repare que durante a minha permanência na prisão, as pessoas podiam falar mal da minha pessoa em kiswahili sem que eu pudesse manifestar algum interesse, porque tinha de manter nas pessoas a ideia de ser malawiano que entrara para o território tanzaniano pela primeira vez quando fui preso.
Alguns amigos do cativeiro começaram a sentir pena de mim e daí começaram a me ensinar uma língua que julgavam desconhecer e também ia na onda.
O meu comportamento manteve-se assim até concluir o cumprimento da minha pena.
Quando saí da cadeia, continuei a minha viagem com destino ao Quénia, onde me estabeleci e vivi estes últimos 22 anos juntamente com a minha família.
Quando estava preso a sua família estava aonde?
- Não. Eu tenho duas famílias. Há a família que estive com ela durante o tempo da guerra. Essa família está em Inhambane e os meus filhos já estão crescidos.
Agora, esta família que tenho agora e no Quénia é que quando fugi em 1977 organizei-me lá no sentido de constituir outra família.
Sabe que em gíria popular tsonga diz-se que um homem viaja sempre com a sua enxada que é para poder cultivar onde quer que esteja.
Então, tenho família no Quénia e quatro filhos, a mais velha das quais já é estudante universitária, lá no Quénia.
Agora, como é que se tornou dirigente da Renamo?
- Eu estava no Quénia a trabalhar, na minha qualidade de engenheiro-técnico de refrigeração. Fui naquele país, professor durante quinze anos.
Professor de quê?
- Professor de refrigeração.
Onde é que aprendeu a refrigeração?
- No Quénia mesmo.
Fui professor desta disciplina por um período de quinze anos e durante esse período fui considerado um dos melhores professores. A razão dessa situação resulta de que muitos professores só ensinam teoria. Mas ao contrário de mim, ensino teoria e ao mesmo tempo ensino prática. Se ensino de manhã teoria à tarde volto à escola para ensinar prática.
Por isso, como vê, no Quénia, eu estava a fazer praticamente a minha vida.
Acontece que uma vez dessas discute-se na Renamo que existe por aí, um fulano com “um rabo muito grande” em matéria de política o qual poderia dar algum empurrão à situação da Renamo. Tal pessoa de quem falavam era exactamente a minha pessoa.
Então, em 1982 eles pro-curam por mim e apanham- me.
Levam-me para a Renamo e lá me explicam o que queriam de mim e em seguida me dão o posto de Secretário de Relações Externas da Renamo. Essa função foi logo me atribuída.
Logo que falaram comigo e me atribuíram aquelas responsabilidades, logo aceitei porque para além de querer ser de alguma forma útil ao meu País, também queria me vingar daquilo que me tinha acontecido na Frelimo.
Mas deixe-me explicar-lhe que naquela altura a Renamo não era aceite no mundo. Porque em muitas partes a Renamo era considerada como uma organização do antigo colono.
E foi para transformar esta situação que me escolheram. De facto custou-me nos primeiros momentos desvendar aquele mito de que a Renamo era uma organização do colono.
Os boeres temiam que a Renamo passasse para americanos
Fui para Europa e fui para América. A primeira vez não podia. A segunda vez já tinha bons adeptos da causa defendida pela Renamo. A terceira vez tinha ganho exactamente porque comecei a descrever o comunismo em Moçambique, a maneira como eu conhecia o percurso das coisas e as explicações apresentadas foram aceites. As explicações foram bem aceites mesmo em lugares muito sensíveis e susceptíveis de não acreditarem facilmente nas explicações que eu apresentava sobre a causa da Renamo.
Essas instituições até diziam: “Não aceitamos nem ao próprio Dhlakama. Aceitamos a você, mas ao próprio Dhlakama, não”.
Mas com tanto trabalho diplomático realizado, fui capaz de penetrar e fazer com que a Renamo e o seu presidente começassem a ser aceites, sobretudo nos Estados Unidos.
Com que organizações americanas é que a Renamo trabalhou nessa altura?
Na América, eu fui convidado a falar de Moçambique na grande Igreja Presbiteriana americana, a qual tem milhões de fiéis. Expliquei-lhes que em Moçambique Deus foi declarado “person non grata” pelo governo da Frelimo e que, para termos contacto com Deus, nós, moçambicanos, tinhamos que viajar para a Suazilândia, África do Sul ou outros países não comunistas onde pudéssemos, à vontade, prestar homenagem a Deus.
Essas minhas palavras tiveram grande impacto no seio dos presbiterianos, os quais, de imediato, prometeram grande apoio moral e financeiro à Renamo.
Fui também falar para uma das mais ricas fundações do mundo, a Jefferson Foundation, a fundação que financiava a UNITA. Falei dos males do comunismo em Moçambique e dos objectivos da Renamo. Fui aceite e recebi imensas promessas de apoio.
Fui levado por uns congressistas americanos até ao Pentágono, onde já tinham ouvido falar de mim através da Jefferson Foundation e dos presbiterianos. O Pentágono queria que eu apresentasse a nossa lista das necessidades militares. Eu respondi que não era eu a pessoa mais indicada para apresentar a lista das necessidades militares, que isso seria melhor apresentado pelo próprio presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. E perguntaram-me, então, em quanto tempo seria eu capaz de fazer Dhlakama viajar aos Estados Unidos. Eu respondi: em três meses. Então, ficou acordado que dentro de 3 meses eu levaria Dhlakama ao Pentágono.
Conseguiu levar Dhlakama para lá?
Não. Acontece que os meus sucessos diplomáticos eram minuciosamente acompanhados pela representação diplomática da África do Sul nos Estados Unidos, a qual mandou, antes de eu regressar a África sequer, um relatório completo sobre as organizações que eu andava a contactar na América e os seus interesses estratégicos. Esse relatório alarmou os generais sul-africanos que começaram a sentir que a Renamo lhes fugia ao controlo e que corria o risco de cair no controlo dos americanos. Então, os generais sul-africanos mandam informar ao Dhlakama para me matar ou me expulsar o mais rapidamente possível da organização.
E como é que ele reagiu a isso?
- Acatou as ordens dos sul-africanos. Quando terminei os meus contactos diplomáticos na América, a caminho de Pretória onde pretendia prestar o relatório ao presidente da Renamo, passei pela casa, em Nairobi, para ver a família após longas semanas de ausência em serviço da Renamo. Quando chego a casa, mesmo antes de me encontrar com a direcção da Renamo para prestar o relatório, encontro em casa um documento da Renamo assinado pelo próprio presidente que me informava que eu estava expulso da Renamo a partir daquele momento que eu lia o documento.
Que razões é que apresentaram para tão drástica medida?
Nenhumas razões foram invocadas. Apenas me diziam que a partir daquele momento eu já não pertencia à Renamo. E tudo acabou aí. Os três filhos da Nyokasi Fanuel Guidion Mahluza deteve-se muito a explicar-me aspectos relacionados com a origem de alguns grupos populacionais moçambicanos, que ele melhor conhece.
isse que o que sabe sobre os povos desta região do País resulta, primeiro, das explicações obtidas dos seus avós e pais. Depois, de pesquisas que tem vindo a levar a cabo junto de fontes orais e escritas, sobretudo da África do Sul, zona antigamente conhecida por Gazankulo, ora chamada por Northen Province.
Já tivemos oportunidade de discutir esta temática com Abner Sansão Muthemba, esse outro conhecedor da História desta região do País, mas achamos que a contribuição de Mahluza acrescenta muito ao conhecimento que se vai construindo sobre quem somos nós.
Quem era Sochangane e o que é que ele representa para a História deste País?
- Era um príncipe zulu, da Zululândia, particularmente da etnia nguni.
Ele sai de Zululândia ou por causa de guerras ou porque, como príncipe, tinha que arranjar um novo império para si. E ele vai, deixa os suázis e vai até ao Northen Transvaal, onde é mais conhecido por Gazankulo e aí se casa com a Nyokasi. E esta Nyokasi passa a ostentar o título de Rainha.
Como um príncipe e mais tarde como um rei, Sochangane tinha muitas mulheres. Mas a Nyokasi era a Nkosikazi. Portanto, quando a gente fala dos filhos de um rei a gente não fala acerca dos filhos de todas as mulheres que andam com o rei. Falamos tão somente dos filhos gerados pela Rainha.
Portanto, com a Nyokasi, Sochangane teve três filhos, a saber Ndawe, como sendo o primeiro filho do casamento, a seguir vem Tsonga, que é o segundo filho e, finalmente, nasce o Venda que é o terceiro e último filho de Sochangane com Nyokasi.
Portanto, a nossa referência, eu gosto sempre de dar um ponto de referência, Nyokasi é o primeiro nome das mulheres tsonga. É de Nyokasi que nascem Niosi, Mantchasi, Ntewasi, Nkothasi, Yothasi, Newasi, Hlavasi, Mevasi, Ntavasi, Yethasi, etc, todos esses nomes derivam de Nyokasi, a esposa de Sochangane.
O que é que acontece. Ndawe, como príncipe, forma o seu exército e por regra todos os príncipes deviam ter os seus próprios exércitos. Então, ele quando cresce informa ao pai que pretendia arranjar o seu próprio Império, o que foi imediatamente aceite pelo pai. E Ndawe foi-se.
Na viagem de pesquisa do tal Império, Ndawe segue o curso do rio Limpopo, vem com o Limpopo e chega numa parte onde aquele rio faz uma confluência com o rio Shengane.
Acontece que nessa época em que ocorrem estes acontecimentos, era tempo de guerras de conquista e ocupação. A coisa mais importante para os povos dessa época e seus reinos era guerra. E o Ndawe sabia perfeitamente, como militar, que estabelecendo-se naquele local estratégico somente poderia ter preocupação de se defender contra possíveis invasões apenas de um único lado, porque pela retaguarda tinha a defesa natural constituída pelos rios Limpopo e Shengane. E estabelece a sede do seu reino em Mukhotweni, um local igualmente estratégico porque situa-se no ponto mais alto daquela região que possibilita uma visão geral dos povoados em redor de si. E vai reparar que na antiga sede do reino de Ndawe, em Mukhotweni, até aos nossos dias ninguém habita aquele local, de tão sagrado o consideram os habitantes daquela região.
Todo aquele lugar está cheio de pequenas dunas, espécie de viveiros de “murmuchém” que nunca dali desaparecem.
E foi então ali que Ndawe estabeleceu a sede do seu reino.
E -a partir de então ele passa a cobrar vassalagem a Macia, vassalagem em Maputo, em Khosene, vassalagem que vem daquele lado que hoje chamamos de Mandlakazi e em Utswene, ficando aquilo ali conhecido por Império do Ndawe.
Enquanto isto, o Tsonga está a crescer e assim que a idade vai avançando forma também o seu exército pessoal, na sua qualidade de príncipe.
Uma particularidade interessante do Tsonga é que ele era muito querido pela mãe, comparativamente aos outros dois irmãos. Era o filho mais próximo da Rainha Nyokasi.
Nyokasi era uma mulher muito difícil que até tentava, por vezes, impor-se ao próprio Rei Sochangane. Era, por outro lado, uma mulher muitíssimo inteligente. E encontrou no Tsonga o filho obediente que cumpria escrupulosamente tudo quanto a mãe dizia ou ordenava e isso fazia-a muito feliz quando estivesse com aquele seu filho.
Assim, o Tsonga ficou o filho mais próximo de sua mãe Nyokasi.
Portanto, a Nyokasi deixou para Tsonga tudo quanto ela tinha.
Então, quando Tsonga cresceu, diz, uma vez, ao pai Sochangane que pretendia ir visitar o seu irmão Ndawe. E quando os preparativos da partida estavam em curso, a Nyokasi entende que aquela viagem iria separá-la por alguma temporada do seu filho mais querido.
Por isso, ela disse o seguinte ao Rei Sochangane: Vou com meu filho para ir ver o outro meu filho também.
Tsonga inicia guerra contra NdaweE assim, Sochangane deixa Nyokasi seguir viagem com o Tsonga.
Então, Tsonga acompanhado da mãe seguem viagem e vão à procura do irmão Ndawe. Quando chegam são recebidos com pompa e circunstância por Ndawe porque estava muito satisfeito em acolher no seu reino a mãe e o seu irmão mais novo.
A visita de Tsonga e mãe aos domínios de Ndawe não era uma coisa que durasse apenas uma semana ou um mês, tratava-se de uma permanência que levou uns dois a três anos.
Eis que um dia, a Rainha Nyokasi chama de lado Tsonga e lhe diz o seguinte: meu filho, qual é o melhor Império que mais precisas do que este? Você, por mais que percorra inúmeras distâncias, jamais encontrará melhor Império que este. Tsonga perguntou à mãe o que devia fazer então, tendo em consideração que aquele era Império do seu irmão.
Nyokasi não hesitou: Guerra!... Faça guerra com o seu irmão!
Tsonga pensou duas vezes sobre o significado das palavras da mãe. Mas, como fosse filho obediente e que sempre desde criança aprendera a respeitar os conselhos e as ideias da mãe, decidiu-se a seguir a decisão da mãe.
Foi assim que Tsonga levanta-se em guerra contra o seu irmão mais velho, Ndawe.
Tal guerra não foi de um dia, dois dias, um ano. A guerra levou um bom pedaço de tempo, até que o Ndawe foi vencido pelo seu irmão mais novo, o Tsonga.
O Ndawe cai nas mãos do seu irmão mais novo, ajudado pela mãe. Apesar de ser vencido pelo exército do irmão mais novo, Ndawe não foi morto, mas simplesmente expulso do seu reino e acompanhado até ao rio Save onde foi atirado para o Norte desse rio com a advertência de nunca mais retornar ao seu antigo reino.
Ndawe faz guerra contra senas
Tsonga fica satisfeito em dominar o antigo Império do irmão que parte do rio Save até à fronteira com os zulus e suázis, no Sul.
Portanto, historicamente, Tsonga como venceu o irmão tem complexo de superioridade perante este e Ndawe tem complexo de inferioridade diante do Tsonga, até hoje. Isto é assim até hoje..
E o Ndawe morreu aí?
- Nada. O Ndawe atravessa o rio Save, empurra os sena até para o Norte da Beira e estabelece o seu Império a partir do rio Save até quase à fronteira com o Zimbabwe, ocupando as zonas que vão até Beira e toda a zona Sul da Beira, estabelecendo-se em Mussapa ou Rusape. Depois de ter vencido os sena e empurrando-os muito mais para cima da Beira, Ndawe fica assim com o complexo de superioridade perante o sena. O sena, por seu turno, aceita o complexo de inferioridade perante o ndau.
Estes complexos ainda hoje existem na nossa sociedade e se for a analisar com a atenção a razão dos nossos actuais conflitos poderá confirmar algumas destas coisas que estou a dizer.
E então, o Tsonga quando volta da expulsão de Ndawe vai até ao lugar que não sei qual é que era o nome, mas que hoje chamamos “Ka Khambane” ou então Mandlakazi. E ali se estabelece o “Kraal” (Khokholo, fortaleza). É um kraal muito difícil de vencer. Nunca ninguém conseguiu conquistar esse “kraal”.
Nasceram muitos vários filhos, as gerações se sucederam, a vida foi andando até que chega o momento em que nasce o Khambane e o Chilengue.
Eram filhos de quem?
- São filhos do príncipe Dzovo Wa Mbinguane.
Este Dzovo Wa Mbinguane vem de onde?
- É, naturalmente, família do Tsonga. Mas aqui não se sabe quem era quem, isto é, se Dzovo era filho directo de Tsonga ou neto ou sobrinho de Tsonga. Mas sabe-se que é um príncipe da família real Tsonga e que é pai de dois filhos com grande história, nomeadamente o Khambane e Chilengue.
Khambane era um indivíduo muito forte e tinha saído exactamente a seu pai que também era um homem muito forte. Quando dançasse, até os celeiros abanavam como se viessem abaixo desmoronar, de tão forte e pesado era ele.
Khambane, o dançarino e Chilengue, o inteligente
Contrariamente à figura do Khambane, o Chilengue era um jovem de estatura mediana, nem alto e nem baixo, não forte mas também não muito magrinho e acima de tudo era um jovem elegante que tinha saído à figura esguia da mãe, uma mulher muito bela. Acima destas características, o Chilengue era um sujeito muito inteligente, qualidades que o irmão dele, o Khambane, não tinha.
Quando houvesse festas, o Khambane dançava e toda a gente ficava muito satisfeita com a forma como ele executava as danças, principalmente as que simbolizavam actos guerreiros.
As raparigas quase que ficavam com os pescoços doridos de tanto procurarem seguir todos os pormenores da dança de Khambane. De resto tratava-se da dança executada por um dos príncipes do reino.
Todavia, apesar de satisfação geral com o desempenho de Khambane, a mãe dos dois não estava satisfeita porque o seu querido e inteligente filho, Chilengue nunca tinha se feito à pista de dança para mostrar as suas qualidades.
Um dia, a mãe pega no Chilengue e diz: “meu filho, tu não danças e o teu pai está muito satisfeito com o teu irmão Khambane, mas está muito triste contigo e mesmo o povo não está satisfeito com o facto de tu nunca dançares”.
Então, foi quando Chilengue disse: “deixa lá isso, mãe. Um dia qualquer vou dançar”...
Chilengue inventa marimba
Nisto e a partir daquele mesmo dia, Chilengue entra no mato. Usando a inteligência, engenho e arte, ele consegue arrumar cabaças de “massala” e “macuacua” e fabrica timbila. Deste modo, consegue fazer marimba. Inventa uma dança nova e uma orquestra nunca antes sonhada. Ensaia no mato, às escondidas e não deixa que o pai e o irmão mais velho, o Khambane, se apercebam de que ele se organiza para dançar.
Assim, no dia da festa, Chilengue informa à mãe para ir dizer ao pai que naquele dia e, pela primeira vez, ele também iria entrar na pista para dançar. Transmitido o recado ao Dzovo Wa Mbinguane, tudo ficou na expectativa de ver o que seria a tal dança de Chilengue, a quem nunca ninguém tinha visto a dançar.
O pai aceitou que Chilengue dançasse mas somente depois de Khambane, cuja dança todos já conheciam.
E a dança de Khambane era tipicamente guerreira?
- Sim. Depois de Khambane, Chilengue foi mandado entrar em cena. Transportando a sua orquestra de marimba, Chilengue começou a sua actuação com aquela melodia desconhecida e pôs-se imediatamente a dançar “makhara”.
A situação alterou-se por completo, porque ao contrário da dança de Khambane, aquela executada por Chilengue era suave e sensual, razão porque todas as raparigas começaram a deleitarem-se com os feitos do novo dançarino que durante longo tempo se manteve no anonimato.
Efectivamente, com o desempenho tão conseguido do irmão, Khambane, até então ídolo do pai e das raparigas do reino, não ficou nada feliz, antes pelo contrário, ficou muito furioso com o desempenho do seu irmão.
Assim, em conversa com o pai após a exibição das duas danças, prometeu que havia de eliminar o irmão porque tinha afrontado a sua honra e ameaçava a estabilidade do próprio reino.
Todavia, a mãe conseguiu captar o que estava sendo preparado na conversa entre pai e filho.
Assim, ela decidiu alertar o filho sobre a situação, convencida de que seria melhor ter o filho algures por aí vivo do que tê-lo em casa, mas morto.
Assim, ela pegou no Chilengue e disse-lhe assim: “Meu filho, vai para o mar que aqui corres perigo de vida. Lá no mar irás encontrar muitas coisas. Leva contigo estacas de mandioca para plantar onde vais, semente de amendoim e de feijão e vai te embora para o mar.
Vale a pena eu te perder de vista, mas sabendo que estás vivo do que matarem-te eu a ver, pois isso não vou aguentar”.
Assim, Chilengue saiu e foi se estabelecer lá no mar. Posso não estar muito certo, mas a lenda conta que Chilengue foi se estabelecer numa zona entre o mar e o lago Nyambavale, numa das localidades do Posto Administrativo de Chidenguele.
Chilengue, como tivesse medo de ser morto pelo irmão mete-se naquela zona, fixa-se e fica.
No decurso disto, ele lembra-se dos ditos da mãe que lhe tinha dito na despedida que no mar havia peixe. Prepara uma canoa e dirige-se à água e procura o peixe, mas não apanha nem um sequer.
Como homem inteligente que fosse, Chilengue retira o amendoim que trazia consigo e lança-o à água. Assim, o peixe sobe à tona para vir receber o amendoim, mas quando ele tenta apanhar com as mãos o peixe, este escorrega e nada consegue.
Quando chega à casa e começa a pensar na melhor maneira de capturar o peixe, decide fabricar algum armamento apropriado para isso, tendo fabricado a seta e o arco.
Diz-se que a marimba nasce em Moçambique e depois vai para todo o mundo, provindo de Chilengue. Pode ser que os outros povos tivessem outros diferentes instrumentos com a mesma finalidade que a marimba. Mas, em Moçambique, a marimba nasce com Chilengue, filho de Dzovo Wa Mbinguane, assim como a seta e o arco.
Mesmo hoje, entre nós, os tsongas comemos peixe, mas quem come o melhor peixe não é outro senão o Chilengue.
É daqui que nasce o problema de que no Sul, o homem mais inteligente deve ser o Chilengue, senão mesmo em todo o Moçambique. Pode realizar alguma investigação vai concluir que o chamado mulengue é o mais inteligente no Sul.
Mulengue provém de Chilengue, é isso?
- É Chilengue. E a pessoa é mulengue. Mas o que é mulengue? Existe alguém chamado mulengue?
- Estou a ver que o senhor está a ficar admirado porque estou a falar de mulengue e nem está a compreender quem é mulengue.
O mulengue é a pessoa que a gente chama hoje de “mutchopi” ou “machopi”. Aquele não é “mutchopi” nem “machopi”. É mulengue de uma forma geral.
E muitos, mesmo entre eles há velhos que sabem que eles são mulengue, mas a maioria de nós todos chama-lhes de “vatchopi” ou “mutchopi”.
Eles são “valengue”, no plural, descendentes de Chilengue.
E então, vamos ver donde vem o nome de “mutchopi”, que como disse não é nome daquele grupo étnico.
Mas antes de chegar aí, eu gostaria que situasse melhor isso tudo para se poder perceber bem o que é isso de grupo tsonga, ou seja, quem é realmente tsonga?
- O grupo tsonga, tem aqui muitos grupinhos.
Portanto, estamos a ver o grupo tsonga a partir da sua sede no “kraal” de Mandlakazi, isto é, a partir do “kraal” principal?
- Mandlakazi era o “kraal” principal, a sede. Temos os Vatswa, são tsonga\; temos os Valengue, são tsonga\; temos Vahlengwè, são tsonga\; temos Vakhambani, são tsonga\; temos Vabulandlela que estão entre Chimonzo, Magule até Mapai, passando por Chókwè e Guijá, são todos eles tsonga\; depois temos Vakhosa que são de Magude, Varonga e temos também aquela mistura de Bitsonga todos estes são tsonga.
Acerca dos “bitsonga” dizer que os árabes quando faziam o seu comércio iam até à baía de Inhambane onde realizavam preferencialmente o seu negócio. Normalmente, vinham aqui com Maswahil, gente de Tanzânia e tudo mais.
Esses homens quando vieram intercalaram com a mulher mulengue e mutsua e nasceram assim “bitonga” ou “bitsonga”. E esta palavra quer bitonga ou bitsonga não é nossa palavra é uma palavra de origem europeia pois, como o senhor sabe “bi” significa duas coisas. E assim com os cruzamentos de raças que deram origem às populações que passaram a viver aquela região da província de Inhambane passaram a ser conhecidas por “bitsonga” ou “bitonga”, como queira.
E eles também fazem parte do grupo tsonga.
Agora donde é que vem Ngungunhane?
- Ngungunhane, eu já disse aqui de que Sochangane era um zulu que foge de Zululândia para o norte de Transvaal e estabelece-se aí.
Então, Ngungunhane, nunca foi tsonga, ele foi sempre nguni. Tanto é que quando Ngungunhana entra já insistia que se falasse nguni. O meu avô falou nguni, por insistência de Ngungunhane.
Então, Ngungunhane entrou, mas não nasceu em Moçambique?
- Exactamente. Ele entrou, mas não nasceu em Moçambique. A ele podemos chamá-lo de conquistador. Porque ele próprio sabe que tudo isto até Rusape, até Beira, é gente dele. São ngunis dele.
Porquê são filhos de Sochangane?
- Sochangane provém do grupo nguni. E Ngungunhane, como príncipe começou a seguir o rasto por onde passou a sua gente anteriormente para efeitos de reconquistar o poder. Portanto, ele não é tsonga.
Ngungunhane vem aqui com o fim de reconquistar?
- Sim. Vem reconquistar gente dele que dele fugiu de Zululândia, particularmente do Ungoni.
Agora, deixou uma coisa atrás. Venda, o terceiro filho de Sochangane o que foi feito dele?
- O terceiro filho de Sochangane não chegou de sair da África do Sul. Os dois primeiros é que saíram, mas o último não.
Venda ficou lá no Northen Transvaal. E estas três línguas, aquilo que a gente chama chindau, hoje, que parte do Ndawe, devia ser chindawe, chitsonga e chivenda são três línguas muito similares.
Muito embora não entendemos muito bem quando as pessoas duma ou de outra língua falam, mas há-de encontrar nelas muita coisa que faz com que as três sejam semelhantes.
É como juntar estes três grupos étnicos com o grupo zulu se não temos em cada uma das línguas 40 por cento de palavras semelhantes a cifra chega a subir para 50 por cento.
O senhor disse há pouco tempo que não há changanas. O que é isso?
- Não há “changanas” porque o changanismo pertence a três grupos étnicos. Se eu disser que sou changana, o ndau também é changana, assim como o venda. E isto é assim: changana-ndau, changana-tsonga e changana-venda. Somos três grupos de changanes.
Se eu chamo a alguém de changane estou geralmente errado. Porque se pretendo dizer que alguém é changane, devo especificar de que tipo de changane me estou a referir. Se falo do changane ndau, do changane tsonga ou do changane venda. Por isso, muita gente tem estado a cair em erro diariamente ao se considerar changane ou ao considerar aos outros de changane, porque o changane cobre exactamente estes três grupos étnicos.
Agora, onde é que terminam os nguni lá em cima?
- Os ngunis vão até Angónia, na província de Tete e também no Sul da Tanzânia. Mas esses ngunis devem ter saído antes dos grupos tsonga e ndau. São anteriores, julgo eu, a grupos tsonga e ndau porque se fosse depois dos tsonga e ndau os tsongas e ndaus deviam ter desaparecido. Agora, voltando u
pouco atrás, porquê que o “mulengue” se chama “mutchopi”?
- Quando Ngungunhane está a vir, ameaça e se estabelece em Chibuto. Ameaça dizendo que o reino Khambane, estabelecido em Mandlakazi não é nada, é força duma simples mulher passível de ser facilmente desintegrado e conquistado.
Chilengue comanda tropas de Mandlakazi contra Ngungunhane Perant
esta situação, Khambane manda chamar o seu irmão Chilengue lá na zona do Lago Nhambavale onde foi se fixar. Só que Chilengue se recusou a atender o chamamento e Khambane, devido aos problemas que os dois tinham entre si.
Khambane insistiu dizendo o seguinte a Chilengue: “Mesmo que recuses a ajudar-me se eu for vencido, tu também o serás porque depois de mim vão te atacar a ti”.
Perante tanta insistência do irmão, Chilengue aceitou ir ajudar Khambane mas na condição de ele, Chilengue, ficar comandante supremo das forças dos dois exércitos.
Relutantemente, Khambane cedeu mas ainda impôs a condição de querer estar perto do irmão para ver como é que ele iria comandar as forças, imposição que foi aceite por Chilengue.
Uma das primeiras ordens que Chilengue deu a Khambane foi de que ordenasse às suas tropas para se desfazerem das suas armas. E depois disso Chilengue começou a treinar os homens que integravam os dois exércitos de ambos os irmãos, manejando como armas o arco e a flecha.
Cada soldado munia-se de um arco e 20 flechas nas costas.
Quando soou o primeiro dia de combate, Chilengue não obedeceu aos métodos clássicos em que as duas forças se defrontavam corpo a corpo e ganhava quem tivesse homens mais fortes e bem treinados. Quando as duas forças se encontraram ele, assim que viu que a tropa inimiga se encontrava a 20 metros de distância, ordenou aos seus homens que começassem a alvejá-los com as flechas apontando todos eles na barriga dos soldados inimigos, dizendo: Di thumbo!.
Assim, os ngunis, antes que se apercebessem do que se estava a passar começaram a perder muitos homens que cada vez que eram acertados na barriga caiam por terra e muitos nunca mais se levantavam.
Então, mandaram um mensageiro comunicar a Ngungunhane que os homens estavam a morrer e a pedir instruções.
Quando a ordem veio indicava que cada soldado de Ngungunhane devia proteger a barriga com o escudo, ao mesmo tempo que fossem avançando ao encontro das tropas de Chilengue e Khambane.
Chilengue, vendo que todos protegiam a barriga com os escudos de protecção, ordenou aos seus homens para apontarem na cabeça, muito antes de o segundo grupo se aproximar a mais de vinte metros de distância.
Perante o pânico que se estabeleceu com o crescendo das baixas nas tropas de Ngungunhane, a ordem que veio do comando foi de que antes que todos fossem dizimados, recuassem para a base.
Quando estavam a recuar Chilengue ordenou ainda que fossem alvejados nas costas e assim ganhou o combate.
Então, os nguni depois daquele combate inédito em que foram batidos de forma humilhante decidiram chamar a acção das tropas de Chilengue como sendo “Va si Tchopile”, ou seja fomos alvejados, nascendo exactamente daqui o nome de “Vatchopi” aos Valengue.
O nome de Vatchopi provém deste episódio de guerra?
- Exactamente. O nome deles não é este. Eles são Valengue.
Salomão Moyana
SAVANA – 27.10.2000
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