COLUNA - José Sarney
Quando, em 1988, visitei Angola e conversei bastante com o presidente José Eduardo dos Santos, a guerra civil estava num dos seus piores momentos. Falamos, sobretudo, sobre o modelo atrasado e retrógrado da administração portuguesa. O presidente angolano pensava em fortificar e desenvolver as línguas tribais com o objetivo de extirpar o português. Fi-lo ver que a nossa experiência fora diferente. Aqui o português matou os dialetos, sobrepôs-se ao nheengatu, a língua geral, e serviu para consolidar a unidade nacional.
Assim, dizia eu ao presidente angolano, se os portugueses pouco deixaram em Angola, deixaram a língua, que a nova nação deveria utilizar para tirar todos os proveitos políticos, a unidade nacional e como instrumento para a educação e inserção no mundo com seus 400 milhões de falantes de português.
O exemplo maior eram os "call centers", montados na Índia com preços baixíssimos e dominando os mercados, à frente o americano. Aventurei-me a acrescentar outra dívida com os ingleses, a rede ferroviária gigantesca que eles, colonizadores, implantaram no vasto território indiano e que até hoje é a base de circulação da riqueza na região. A Índia tem hoje 81 mil quilômetros de ferrovias. Tinham eles à sua disposição o pioneirismo inglês dos caminhos de ferro, a fabricação de toda a linha técnica, desde a locomotiva, passando pelos trilhos, até a porca inglesa que aprisionava os usuários para sempre na conservação e na expansão das linhas.
O Brasil, inacreditável barreira na circulação da produção nacional, tinha 40 mil quilômetros há 40 anos e em vez de crescermos, regredimos para 29 mil. E, quando eu quis fazer a ferrovia Norte-Sul, foi uma reação brutal, principalmente dos setores paulistas, usufrutuários do modelo rodoviário que é o maior responsável pela poluição. Esse é um grande desafio.
Tivemos três presidentes com preocupação ferroviária. Eu, modéstia à parte, Geisel (ferrovia do Aço) e Lula. Dilma tem esse desafio pela frente na construção da estrutura e, ao que tudo indica, será uma presidente ferroviária. Afinal, independentemente da língua, as ferrovias são essenciais. Foi o trem o transporte do passado e será o do futuro.
FOLHA DE S.PAULO – 14.01.2011
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
In http://www.senado.gov.br/noticias/OpiniaoPublica/inc/senamidia/notSenamidia.asp?ud=20110114&datNoticia=20110114&codNoticia=510802&nomeParlamentar=Jos%C3%A9+Sarney&nomeJornal=Folha+de+S.+Paulo&codParlamentar=47&tipPagina=1
Veja http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2006/09/lngua_e_poder.html