Os negócios mandam na política? A Ongoing, pelo sim pelo não, já contratou Agostinho Branquinho. E o ex-chefe dos espiões.
João Lemos Esteves |
Diz-se que o que mais mina a qualidade da nossa democracia é a promiscuidade entre a política e os negócios. Que o constante vaivém entre o exercício funções públicas e o desempenho de altos cargos em empresas privadas (muitas vezes - quase sempre? - por pessoas cujo currículo se resume a atividades políticas) prova que quem manda no nosso país não são os políticos que os cidadãos elegem democraticamente, mas sim os grupos económicos de grande dimensão. Ocorreria, assim, uma captura do interesse público pelos interesses privados.
Infelizmente, tenho de admitir que tal tese não anda muito longe da realidade. Tenho muita pena que assim seja. A nossa Lei Fundamental determina que o poder económico se subordina ao poder político (consta que o PSD pretende eliminar este artigo na sua proposta de revisão constitucional). Atenção: subordinação, para este efeito, não significa que o Governo pode dar ordens às empresas individualizadamente. Muito menos significa que se pode imiscuir na gestão de cada empresa ou coartar a liberdade dos gestores e dos acionistas na definição dos objetivos estratégicos empresariais. Pelo contrário, afirmar-se que o poder político subordina o poder económico significa tão só que os órgãos políticos do Estado asseguram que os agentes económicos atuam no quadro da legalidade democrática - e, em caso de violação, o Estado sanciona e repõe a legalidade. Isto para quê? Primeiro, para assegurar que o Governo e o Parlamento prosseguem e defendem o interesse público. Segundo, para garantir a previsibilidade e a confiança dos agentes económicos, promovendo a concorrência e o mercado livre (e, assim, mediatamente também preservar o interesse coletivo).
Estas considerações são ditadas pela atualidade: Jorge Silva Carvalho que, em vésperas da Cimeira da NATO deixou a chefia do Serviço de Informações Estratégicas e de Defesa (SIED) -, muito provavelmente ingressará nos quadros da Ongoing nos próximos dias. Após Agostinho Branquinho - o grande rosto do PSD na defesa da privatização da RTP e contra a ingerência de José Sócrates na comunicação social - ter deixado o Parlamento e rumado - adivinhe lá para onde! - para a Ongoing.
Note-se que não estamos aqui a colocar em causa a seriedade e os méritos das pessoas visadas. Acredito que suscitaram o interesse da Ongoing pelos seus méritos pessoais. Até porque, na apreciação moral e ética de condutas de terceiros, aplico a máxima do processo penal - in dubio pro reo (em dúvida, absolvo). Todavia, não podemos ignorar que Agostinho Branquinho era a figura máxima do PSD na área da comunicação social (e tenho para mim que foi o ponta de lança de Passos Coelho na máquina de Aguiar-Branco nas diretas internas) e foi contratado numa altura em que o PSD já sente o cheiro a poder. Jorge Silva Carvalho dispõe de uma agenda de contactos valiosa, devido às funções que exerceu, sobretudo em mercados estratégicos para a Ongoing como são Angola, Moçambique e outros países da lusofonia. É inevitável: por mais comunicados que surjam, por mais desmentidos, a
suspeição sobre a atividade de Agostinho Branquinho como parlamentar e de Jorge Silva Carvalho vai sempre pairar. E - acrescente-se - legitimamente.
E o que é a Ongoing? Confesso que andei a pesquisar os estatutos ou outro documento que regulasse a Ongoing, para efeitos de determinar, por exemplo, o seu objeto social, mas não encontrei (apelo, pois, que caso alguém os tenha me faça chegar, porque tenho uma grande curiosidade metafísica em conhecê-los, nem que seja para efeitos académicos). Ao que sei, a Ongoing foi criada para gerir os investimentos da família Rocha dos Santos, sendo presidida por Nuno Vasconcellos (tendo como seu braço-direito, Rafael Mora, espanhol, com forte influência na estratégia do grupo para a comunicação social).
A Ongoing era uma ilustre desconhecida - até que pretendeu alargar a sua área de influência à televisão, procurando tomar o controlo do grupo Impresa, afastando o Dr. Francisco Pinto Balsemão da presidência do Conselho de Administração. Resultado: falhou. Começa a tentar vender a sua participação (primeiro a um fundo da Goldman Sachs) e apresentou ao Dr. Balsemão o seu pedido de demissão do Conselho de Administração. Virou-se para onde? Para a aquisição da TVI. Primeiro, no negócio muito mal esclarecido da tentativa de aquisição da Media Capital pela PT (lembre-se que a Ongoing Investments tem uma participação estratégica na PT); depois, com a OPA lançada para aquisição de 35% daquele grupo de comunicação social, que viria a ser chumbada pela Autoridade da Concorrência. No meio, face à não concretização do plano Rui Pedro Soares e companhia (certamente brilhante para a PT - devem pensar que somos imbecis), a Ongoing foi uma peça essencial para o resultado com que o Governo sonhara: tirar José Eduardo Moniz (imagino que um homem que dedicou a sua vida à televisão goste muito de ser vice-presidente na área dos conteúdos da Ongoing, foi o cargo com que ele sempre sonhou!), afastar Manuela Moura Guedes e mudar o estilo da informação da TVI.
Hoje sabemos que José Sócrates conseguiu tudo. Conclusão: a Ongoing objetivamente foi importante para o Governo. Neste sentido, a contratação de Agostinho Branquinho e de Jorge Silva Carvalho coloca questões pertinentes e delicadas, atentendo ao envolvimento da Ongoing em certos negócios , às posições políticas assumidas por um e aos contactos obtidos no exercício de funções anteriores por outro.
Obviamente, respeito a liberdade de cada qual escolher o melhor para a sua vida. Desde que não se prejudique o Estado português e não se utilize o exercício de funções públicas para dar o salto para o lado privado. Isso é inadmissível. Isso é condenável. E repúdio que PS e PSD (e também CDS), vestindo o manto diáfano do liberalismo e da iniciativa privada, permitam que situações dessas possam acontecer. Entendamo-nos: a partir do momento em que uma opção ou conduta privada possa repercutir-se na esfera pública, deve ser escrutinada. E regulada. Se a ética de cada um não chegar, então recorra-se a leis claras e transparentes. O caminho para o futuro de Portugal também (ou sobretudo) passa por aqui - pequenos gestos e atitudes que devolvam a dignidade ao Estado.
P.S - As palavras que escreverei (como todas), de seguida, só me vinculam a mim. Imaginem que o grupo Impresa passava a ser dominado pela Ongoing: seria o paraíso na terra para o Governo. Tenho quase a certeza de que o EXPRESSO que conhecemos hoje e que é uma referência da nossa suspeição sobre a atividade de Agostinho Branquinho como parlamentar e de Jorge Silva Carvalho vai sempre pairar. E - acrescente-se - legitimamente.
E o que é a Ongoing? Confesso que andei a pesquisar os estatutos ou outro documento que regulasse a Ongoing, para efeitos de determinar, por exemplo, o seu objeto social, mas não encontrei (apelo, pois, que caso alguém os tenha me faça chegar, porque tenho uma grande curiosidade metafísica em conhecê-los, nem que seja para efeitos académicos). Ao que sei, a Ongoing foi criada para gerir os investimentos da família Rocha dos Santos, sendo presidida por Nuno Vasconcellos (tendo como seu braço-direito, Rafael Mora, espanhol, com forte influência na estratégia do grupo para a comunicação social).
A Ongoing era uma ilustre desconhecida - até que pretendeu alargar a sua área de influência à televisão, procurando tomar o controlo do grupo Impresa, afastando o Dr. Francisco Pinto Balsemão da presidência do Conselho de Administração. Resultado: falhou. Começa a tentar vender a sua participação (primeiro a um fundo da Goldman Sachs) e apresentou ao Dr. Balsemão o seu pedido de demissão do Conselho de Administração. Virou-se para onde? Para a aquisição da TVI. Primeiro, no negócio muito mal esclarecido da tentativa de aquisição da Media Capital pela PT (lembre-se que a Ongoing Investments tem uma participação estratégica na PT); depois, com a OPA lançada para aquisição de 35% daquele grupo de comunicação social, que viria a ser chumbada pela Autoridade da Concorrência. No meio, face à não concretização do plano Rui Pedro Soares e companhia (certamente brilhante para a PT - devem pensar que somos imbecis), a Ongoing foi uma peça essencial para o resultado com que o Governo sonhara: tirar José Eduardo Moniz (imagino que um homem que dedicou a sua vida à televisão goste muito de ser vice-presidente na área dos conteúdos da Ongoing, foi o cargo com que ele sempre sonhou!), afastar Manuela Moura Guedes e mudar o estilo da informação da TVI.
Hoje sabemos que José Sócrates conseguiu tudo. Conclusão: a Ongoing objetivamente foi importante para o Governo. Neste sentido, a contratação de Agostinho Branquinho e de Jorge Silva Carvalho coloca questões pertinentes e delicadas, atentendo ao envolvimento da Ongoing em certos negócios , às posições políticas assumidas por um e aos contactos obtidos no exercício de funções anteriores por outro.
Obviamente, respeito a liberdade de cada qual escolher o melhor para a sua vida. Desde que não se prejudique o Estado português e não se utilize o exercício de funções públicas para dar o salto para o lado privado. Isso é inadmissível. Isso é condenável. E repúdio que PS e PSD (e também CDS), vestindo o manto diáfano do liberalismo e da iniciativa privada, permitam que situações dessas possam acontecer. Entendamo-nos: a partir do momento em que uma opção ou conduta privada possa repercutir-se na esfera pública, deve ser escrutinada. E regulada. Se a ética de cada um não chegar, então recorra-se a leis claras e transparentes. O caminho para o futuro de Portugal também (ou sobretudo) passa por aqui - pequenos gestos e atitudes que devolvam a dignidade ao Estado.
P.S - As palavras que escreverei (como todas), de seguida, só me vinculam a mim. Imaginem que o grupo Impresa passava a ser dominado pela Ongoing: seria o paraíso na terra para o Governo. Tenho quase a certeza de que o EXPRESSO que conhecemos hoje e que é uma referência da nossa democracia seria completamente - utilizando a expressão de José Sócrates - travestido. Seria o ideal para o Governo: o Expresso teria um alinhamento próximo e favorável a si; os canais SIC acalmavam-se; a TVI mudaria como mudou. Assim como alguns diários - que mudariam como mudaram. É bom que as pessoas percebam que o centralismo administrativo, económico, da comunicação social nunca foi tão intenso como com José Sócrates! O mesmo Governo que aprova uma lei de liberdade de imprensa que é um atentado jurídico - vejam bem a falta de vergonha! Felizmente, há pessoas que resistem e nos permitem ter espaços de informação e opinião livres. Como este site e este jornal.
EXPRESSO - 02.12.2010