Lázaro Mabunda
Há um consenso generalizado de que o ano que hoje termina foi bastante difícil. Também estou de acordo. Foi difícil em vários aspectos. Creio que poucos terão saudades deste ano. Mas como o final de um ano está reservado ao balanço, pretendo, em poucas linhas, analisar os destaques deste ano na minha opinião.
Na altura, pensei que fosse o clone da Assembleia da República e do Parlamento Infantil. Porque a árvore é conhecida pelos seus frutos e hoje, reconheço que as percepções enganaram-me. Parlamento Juvenil não é nada disso, muito menos versão do Conselho Nacional da Juventude.
Os piores:
Elejo, primeiro, o Governo como a pior figura deste ano, pelas seguintes razões:
- Não foi capaz de descer à terra-a-terra para dialogar com o seu maravilhoso povo, informando-o sobre o que estava a acontecer. Preferiu manter-se engavetado como se o silêncio fosse solução de todos os problemas. Por outras palavras, não foi capaz de estabelecer uma estratégia de comunicação que tornasse claro que o nosso país estava em crise. Continuou a embandeirar-se em discursos populistas de combates, deixando subir tudo o que era factor que influenciasse o custo de vida, o que acabou dando em manifestações de 1 e 2 de Setembro passado;
- Só começou a anunciar a crise quando já era tarde demais para a pátria se salvar. Aliás, o porta-voz do mesmo Governo fez questão de salientar, na altura, que nós já estávamos num barco em que já não havia marinheiro e que havia a necessidade de todos tentarmos salvar o barco e a nossa vida. Ou seja, queria transmitir-nos que estamos num país que o Governo já não existia e que nós, o povo, tínhamos de salvar a pátria e a nós mesmos.
- Chamou o povo que o elegeu de “vândalo”, quando se manifestava devido à subida dos preços de produtos da primeira necessidade, ao invés de procurar uma solução para o problema. No entanto, dois dias depois veio a tomar medidas de austeridade, baixando tudo o que havia para baixar. Isto veio provar que se o cidadão quiser que os preços baixem, basta sair à rua queimar pneus;
- Andou a gritar aos quatro ventos que a pobreza “estava fragilizada” e os resultados do Inquérito de Orçamento Familiar, do Instituto Nacional de Estatística, chancelado pelo Ministério da Planificação e Desenvolvimento, provaram o contrário: a pobreza subiu nos últimos seis anos;
- Hoje, o Primeiro-ministro, Aires Ali, quer estudos mais próximos do senso comum. Ou seja, a ciência tem de estar mais perto do senso comum;
- Selou um contrato milionário com a Semlex, que começou a produzir nossos documentos de identidade ilegalmente, além de que os outros documentos são superiores ao salário mínimo. Mesmo assim, o Governo continuou a dar “viva à Semlex”, uma empresa sem capacidade financeira nem humana para o efeito. Segundo José Pacheco, por várias razões:
Foi pouco assertivo nos seus pronunciamentos. Este ano deu tiros para o escuro, desde o dossier Semlex, passando pelas manifestações de 1 e 2 de Setembro, até ao comentário do informe do Chefe do Estado.
Ficarão gravados na memória de Pacheco os desabafos dos seus ex-pupilos (polícias): “Disparar para o povo foi um acto de dor. Não consigo me esquecer do Hélio (morto a tiro no dia 1 de Setembro, quando voltava da escola. Éramos muitos e é difícil saber de quem foi o tiro nestas circunstâncias; vou viver com a incerteza de ter sido meu (tiro que matou Hélio). É uma marca que me vai perseguir até à cova. E pior é que não era alguém que estava na manifestação. Soube pelos jornais que se tratava de um estudante. Como é que podes viver em paz quando as imagens mostram sangue e livros? Talvez Hélio tivesse, um dia, a instrução que eu não tive”.
Pacheco disse que os manifestantes eram marginais e vândalosas e que a polícia em nenhum momento havia disparado balas verdadeiras. Todas eram balas de borrachas.
Pacheco encerrou o ano com mais uma daquelas suas surpresas: “ainda vamos estudar o informe da sua Excelência Presidente da República”. Esta afirmação transmite-nos a ideia de que os ministros desconheciam o conteúdo do informe do Chefe do Estado. Ou seja, o Chefe do Estado escondeu-lhes o que ia dizer à Nação, não tendo havido, por isso, partilha do mesmo.
Os melhores:
Parlamento Juvenil foi uma organização de jovens que nasceu, de forma estranha, cujos objectivos eram não só duvidosos como também desconhecidos. Pessoalmente, manifestei a minha estranheza pelo surgimento de um parlamento juvenil. Na altura, pensei que fosse o clone da Assembleia da República e do Parlamento Infantil. Porque a árvore é conhecida pelos seus frutos, hoje, reconheço que as percepções enganaram-me. Parlamento Juvenil não é nada disso, muito menos versão do Conselho Nacional da Juventude. É mesmo um parlamento de jovens que defendem a justiça social. Espero que não caia nas armadilha dos políticos, porque é uma organização que promete. O jovem tem de ser reconhecido pela sua irreverência, no bom sentido da palavra.
WikiLeaks é um site criado por um jornalista australiano que pôs de joelhos não só o governo americano, como também os governos de todo o mundo. Julian Assange tornou-se o ícone do jornalismo investigativo moderno e provou que o jornalismo tem um poder destruitivo só comparável a um tsunami. WikiLeaks vai criar réplicas já mais vistas nos próximos tempos.n
O PAÍS – 31.12.2010