MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Bom dia Lourenço, meu bom amigo.
Como está a tua família? Do meu lado tudo bem, felizmente.
Queria hoje falar-te do Ministro dos Transportes e Comunicações.
Corno sabes, Paulo Zucula não entrou para o Governo com o pé direito. Entrou, muito claramente, com o esquerdo.
Mas isso pouco importa, agora, porque tantos foram os tiros que ele disparou, entretanto, contra os dois pés, que eles devem estar em carne viva. Os dois.
E, no entanto, Zucula subiu a ministro empurrado por um excelente trabalho realizado nas Calamidades Naturais.
E, no entanto, Paulo Zucula tem uma visão, para a área dos transportes, como não me recordo de ter visto em ninguém desde Alcântara Santos.
Há poucos dias, em entrevista dada ao meu colega Boaventura Mandlate, da Rádio Moçambique, o Ministro explicou, com grande clareza, as suas ideias. Vou tentar reproduzir o que ele disse:
Num país com uma grande extensão Norte–Sul, ao longo de quase 3000 quilómetros de costa marinha, há três possíveis formas de criar uma espinha dorsal de uma rede de transportes. A mais barata é a via marítima, a existência de navios que percorram a costa, transportando pessoas e mercadorias de uns portos para os outros: a de preço médio é a via ferroviária. A existência de uma linha de caminhos-de-ferro unindo o país do Rovuma ao Maputo: a mais cara é a via rodoviária. A construção de estradas por esse país adiante.
Pois, segundo Paulo Zucula, as nossas prioridades têm sido sempre ao contrário. Temos priorizado as estradas, deixando para segundo plano os caminhos-de-ferro e praticamente desprezado a via marítima.
Segundo ele, o seu Ministério está a trabalhar para inverter esta situação, procurando parceiros interessados nas vias marítima e ferroviária. Não deu pormenores mas disse já haver alguns interessados, nomeadamente a China. E isso são boas notícias
Porque, nas palavras de Zucula, não faz sentido virem camiões do Niassa trazer mercadorias para Maputo, por exemplo. Os camiões devem andar, no máximo, poucas centenas de quilómetros até à estação de caminhos-de-ferro, ou até ao porto, mais próximos.
A construção e manutenção de estradas são muito caras, a das linhas de caminho-de-ferro é substancialmente mais barata e o mar não precisa de ser construído nem mantido, já lá está, e estará.
Ora Moçambique já teve carreiras regulares de navios, ao longo da costa, realizadas por uma empresa, a Navique, que, em vez de crescer e se reforçar, acabou por desaparecer, sabe-se lá porquê. Não será possível ressuscitá-la e dar-lhe meios e gestão sustentáveis? E garantindo a segurança das embarcações nestes tempos em que a pirataria já percorre as nossas costas?
Em termos ferroviários o projecto de Paulo Zucula é arrojado, mas, na minha modesta opinião, de importância fundamental.
Nós herdámos uma rede ferroviária absolutamente bizarra. Num país que se estende, maioritariamente no sentido Norte - Sul as nossas principais linhas de caminho-de-ferro são no sentido Leste - Oeste, isto é, ligam o Oceano Índico aos países do interior. Se eu quiser ir de comboio de Maputo até Lichinga, tenho que passar pelo Zimbabué e pelo Malaui.
Uma linha férrea Norte - Sul poderá ser uma alavanca enorme para o desenvolvimento do país. Não será fácil nem barata, mas valerá bem mais a pena do que andarmos a desbaratar bens em elefantes brancos sem nenhuma utilidade para o desenvolvimento do pais. Nomeadamente implicará a construção de pentes de dimensão significativa.
Já que ninguém se lembrou de fazer a ponte sobre o Zambeze uma ponte mista, para carros, e para comboio, por que não aproveitar os estudos, e mesmo os desenhos, da ponte AEG e construir outra igual, a cem metros daquela, para passar o comboio? Se calhar isto é um grande disparate, se calhar não...
Enfim, creio que o Ministro Zucula faria bem melhor em se envolver nestas questões estratégicas do seu ministério e do país, deixando em paz os cartões SMS e outras coisinhices em que se tem metido.
Talvez acabasse por se tornar um excelente ministro, quem sabe?
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 28.01.2011